O lado secreto de Moema: novas baladas liberais e a reação dos moradores
O bairro concentra mais da metade das casas do gênero na cidade, além de sex shops e boates
Com 9 quilômetros quadrados de área e tendo como vizinhos o Parque do Ibirapuera e o Aeroporto de Congonhas, Moema é um dos bairros com melhor qualidade de vida na capital. Sua população de 83 000 habitantes desfruta um IDH de 0,972 — superior ao de países como Noruega (0,944) e Austrália (0,933). Com perfil misto, seus quarteirões são divididos entre prédios residenciais e comércio de rua. Restaurantes, padarias e bufês infantis fazem parte do cardápio local. Essa mesma região de clima familiar e tranquilo também concentra um comércio e uma série de casas noturnas ligadas ao universo erótico. Seis dos nove clubes de suingue da cidade estão por ali.
Com investimento de 2,5 milhões de reais e 500 metros quadrados de área, o mais novo a chegar ao pedaço é o Ápice Club, na Avenida Cotovia. Inaugurado há nove meses, pertence aos advogados Ana Paula e André Luiz Sousa. Adeptos da troca de casais, eles decidiram investir no segmento. “Recebemos 300 duplas por semana”, diz Ana Paula. O que se vê ali são pessoas na faixa dos 40 anos de idade, vestidas de maneira discreta, como se fossem frequentar uma balada “comum” da cidade. A música começa em volume baixo e há regras de comportamento, como, por exemplo, não usar celular em hipótese alguma. O slogan entre os seus frequentadores é “O que acontece na Ápice fica na Ápice”. Quem está ali busca tudo e mais um pouco, menos exposição.
Os valores envolvidos chamam atenção. “O público dessas baladas tem poder aquisitivo alto”, afirma Sousa. “As comandas variam de 300 a 800 reais.” O casal paga, em média, cerca de 100 reais pela entrada. Já o homem que deseja entrar sozinho pode desembolsar até 440 reais, como é o caso da Inner. Lá há um cinema, um ônibus em tamanho real e um elevador para quem quiser realizar suas fantasias.
Cerca de 10 000 pessoas passam pelas baladas liberais de Moema por fim de semana. Há desde moradores da capital até turistas de outras regiões do país. Uma das novidades nesse roteiro picante é a The Secret’s. Aberta no mês passado na Alameda dos Arapanés e com funcionamento apenas às quintas, trata-se de uma versão 2.0 dos antigos “clubes de mulheres”. No local, quinze rapazes vão a leilão: as clientes com os lances mais polpudos podem se divertir com eles. “Mas sexo não é permitido”, avisa o dono do estabelecimento, Evaldo Shiroma. A entrada na casa sai por 60 reais e os lances começam a partir de 50 reais. A maior oferta até hoje foi de 240 reais.
O mercado de casas noturnas que não se limitam às pistas de dança está aquecido. Para atender o público crescente, a Marrakesh, a balada liberal mais antiga da cidade, fundada em 1997, e vizinha à The Secret’s, está finalizando uma reforma. Em vinte dias, estreará as novas dependências de seu darkroom. “Todos os donos de clubes para casais que abriram em Moema foram nossos clientes”, orgulha-se Afonso Legarra, gerente há quinze anos. Frequentadores desses locais, o funcionário público Pedro Silva e a modelo Ana Andrade* estão casados há sete anos. “Vamos toda semana, mas nem sempre encontramos um casal legal”, diz Silva, de 51 anos (25 a mais que sua mulher). Ele está em seu sexto casamento e tem sete filhos. “Esse tipo de brincadeira precisa de cumplicidade entre os casais. Aqui é só prazer”, confessa. “Mas admito que as casas de suingue são fábricas de divórcio.”
O faturamento médio desses estabelecimentos é de 500 000 reais mensais. Há alguns que chegam a movimentar 800 000 reais por mês. Aberta em 2006 na Avenida dos Carinás, a Vogue Club é um investimento de um casal que até então desconhecia esse universo. “Pisamos em uma casa dessas só para analisar o mercado”, afirma o empresário Roberto Martins, casado com a empresária Rosana Paes. Além do novo negócio, eles tocam em paralelo uma agência de publicidade. Ao todo, há na Vogue uma brigada de 32 funcionários para cuidar dos 500 clientes por noite. “Acabamos de abrir uma segunda balada do mesmo estilo no Rio de Janeiro.”
Nesses locais está “vetada” a atividade das garotas de programa. “Se um cara entra com uma, não posso fazer nada. Mas aqui ela não pode cobrar por seu serviço”, explica Martins. As moças têm carta branca em boates do bairro como Bahamas e Zeus, além das casas de massagem. “Pode-se dizer que eu fui o precursor desse mercado por aqui”, afirma Oscar Maroni Filho, dono do Bahamas. “Abri a casa em 1984 e me orgulho de ser um ícone da noite paulistana.” Ícone, sim, mas também controverso. Ele ficou preso por dois meses e foi investigado por supostamente explorar a prostituição. Sua casa ficou fechada entre 2007 e 2013, até obter na Justiça o direito de reabri-la. Hoje, Maroni aguarda autorização para inaugurar um hotel de onze andares ao lado da pista do aeroporto. “Sou um homem honesto que foi alvo de perseguição por alguns moralistas.”
Não é a única investigação na área. Atualmente, transita na Câmara dos Vereadores a CPI dos Alvarás. Ela apura indícios de irregularidades em boates, bares e restaurantes. Presidente da comissão, o vereador Eduardo Tuma (PSDB), líder da bancada evangélica, diz que algumas casas de suingue pedem autorização de funcionamento como lanchonetes ou bares dançantes. “Sou contra os estabelecimentos por irregularidade do alvará, e também por promoverem a prostituição e serem um desfavor à sociedade ao causar a destruição familiar”, enumera Tuma. Alguns estabelecimentos atuam mesmo sem permissão. A casa de massagem Red, localizada na Avenida Moema, por exemplo, não tem documentação, segundo a Secretaria de Habitação. A gerência do lugar rebate que o local opera sem problemas. Lá, uma “massagem” com duas garotas sai por 290 reais.
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Por buscarem a discrição e a privacidade dos frequentadores, os empresários do setor procuram evitar problemas com a vizinhança. O presidente da Associação de Moradores e Amigos de Moema, José Roosevelt Junior, afirma que a Vogue é alvo de reclamações, e por causa de barulho. “No mais, não há por que fazer uma cruzada moral no bairro”, contemporiza. O proprietário rebate a crítica e diz que não extrapola no som e está em quarteirão estritamente comercial. Outro incômodo dos moradores é a presença de garotas de programa em prédios de flats. Muitas não moram nos quartos, apenas os alugam para receber seus clientes — com os quais o contato ocorre por meio de sites na internet —, e outras dividem as despesas dos apartamentos com colegas.
As sex shops, por sua vez, não encontram resistência no bairro. Ao todo, são dezesseis pontos comerciais em atividade por ali — a maioria com produtos do segmento premium. Uma loja voltada para o público AAA nessa região chega a faturar 160 000 reais por mês. “Meu foco são as lingeries de renda, muitas delas trabalhadas com aplicações de cristais Swarovski”, conta Luciana Keller, dona da Constantine. “Também oferecemos cursos privados ou em grupo para mulheres interessadas em aprender técnicas de strip-tease.” O mercado nacional de produtos eróticos movimenta 161,5 milhões de reais por mês com a venda de 8,5 milhões de itens, e o Estado de São Paulo representa 33% desse total, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual. “Moema concentra o que há de mais luxuoso nesse segmento, como artigos de ouro”, afirma a presidente da entidade, Paula Aguiar.
“Sofremos preconceito”
Casados há quatro anos e moradores do Panamby, o engenheiro civil João, de 48 anos, e a publicitária Maria Alencar*, de 36, começaram a frequentar clubes para casais apenas dois meses após se conhecerem. e nunca mais pararam.
Quais casas vocês frequentam?
João — Elas ficam todas em Moema. A Nefertitti é a preferida, por ter um público mais selecionado. Frequentamos pelo menos três vezes por mês.
Seus amigos e familiares sabem da prática?
Maria — Não. Certa vez, comemorei aniversário em minha casa com setenta convidados e vários deles eram casais que também são adeptos. Minha mãe, que estava lá, nem imagina que faço.
Já passaram por alguma saia-justa?
Maria — Isso nunca aconteceu conosco, por sorte. Mas temos um amigo que já encontrou com um chefe nessa situação. As pessoas têm preconceito, acham que somos promíscuos. Não somos. Não temos um relacionamento aberto, só fazemos isso juntos. Meu marido tem noção do amor que sinto por ele.
De clientes a empresários
Adeptos da troca de casais, advogados inauguram seu próprio estabelecimento
Casados há oito anos, os advogados André Luiz Sousa e Ana Paula Sousa abriram faz nove meses a mais nova casa de suingue de Moema, a Ápice Club. Ex-frequentadores de estabelecimentos concorrentes no bairro, eles investiram 2,5 milhões de reais no negócio. O que se vê ali são mulheres e homens na faixa dos 40 anos, vestidos de forma discreta, como quem sai para jantar fora com os amigos. A música é baixa no começo da noite e há regras de comportamento. No chamado labirinto, as cabines têm portas vazadas.
O mais antigo do pedaço
Malhadas e com calças da Diesel, as garotas que frequentam o Bahamas dizem que chegam a faturar até 30 000 reais por mês
Depois de sete anos fechado para responder ao processo de que favorece a prostituição, o empresário Oscar Maroni Filho venceu na Justiça e ganhou o direito de reabrir o Bahamas Club em setembro de 2013. “Cerca de 100 homens frequentam hoje o meu negócio por dia”, diz. Para atendê-los, noventa meninas circulam pelos dois andares da boate, com estátuas greco-romanas e lago de carpas. Algumas falam inglês, outras francês, e todas adoram as calças da marca Diesel. “Cobramos a partir de 500 reais”, diz Natália Lima*, de 29 anos. “Tem mês em que chego a fazer 30 000 reais.” A entrada do estabelecimento custa 231 reais, sendo 100 reais para consumação. Uma regra do local: as garotas não podem abordar o potencial cliente, para que ele escolha sem pressão.
Variedade de fantasias
Um dos strippers mais concorridos faz oito shows por semana
O figurino de bombeiro, gângster, gladiador, caubói ou qualquer outro personagem viril que povoe o imaginário feminino é tirado, de modo insinuante, ao som de Bon Jovi, em no máximo quinze minutos de dança. Stripper há dezoito anos, Evandro de Castro, conhecido como Titanic pelo 1,91 metro de altura, faz shows no Clube das Mulheres, em Pinheiros, e percorre as casas para casais de Moema. Nesses locais, a apresentação dele é uma das mais aguardadas pelo público feminino. Em baladas como Ápice, vogue e Inner, Titanic se joga sobre o mulherio, distribui beijinhos, deixa que elas passem a mão em seu corpo e tira peças de roupa. Só não faz nu frontal. “Ficaria com vergonha”, diz. Por semana, são oito shows, que incluem despedidas de solteira. O cachê varia de 200 a 400 reais. O faturamento mensal fecha em torno de 4 000 reais. “É um mercado convidativo”, diz o profissional.
Nada de lingerie básica
Moema concentra dezesseis sex shops, algumas voltadas para o público AAA
São mais de 1 000 opções de roupas íntimas, produzidas com renda francesa, cristais Swarovski e muita transparência. “Não gosto de nada básico”, assume a psicóloga Luciana Keller, dona da sex shop Constantine. Conhecida por ser uma das mais chiques da cidade, a casa tem faturamento médio de 100 000 reais por mês. “Escolhi este bairro por ter uma clientela de poder aquisitivo alto e por estar perto das baladas liberais.” Em funcionamento há oito anos, a sex shop de Luciana vende produtos trazidos de países como Suécia e Estados Unidos. A clientela dali também costuma passar por cursos de strip-tease, entre outros. “Temos uma média de cinquenta alunas por mês.” Luciana conta que, há alguns anos, as mulheres tinham medo de deixar o carro estacionado na porta. “Hoje, algumas chegam sozinhas, depois trazem o marido e as amigas.”
Bairro família
Moema concentra dezesseis sex shops, algumas voltadas para o público AAA Moradora reclama de que fama de circuito do pecado não é a realidade da região
Ao dizer aos amigos de fora de São Paulo que mora em Moema, a dubladora Bianca Aires Bergamo costuma ter de responder se é o bairro onde ficam as casas de suingue e as boates de garotas de programa. Essa fama da região a desagrada. “A imagem não tem nada a ver. Eu não gosto”, diz. Casada, grávida de nove meses e mãe de um garoto de 15 anos, ela afirma que existem vários condomínios habitados por famílias, e não apenas flats usados por prostitutas. “Aqui há muitas crianças e idosos. Não é justo resumir o bairro ao circuito do pecado”, protesta. Moradora do bairro há 43 anos, a psicóloga Rosângela Lurde Reclama do barulho. “A partir das 4 horas da manhã, a saída dos clientes das casas noturnas tira o sono dos moradores”, afirma. “Também tenho medo de que o crescimento desse tipo de atividade atraia para o bairro traficantes e prostitutas de rua.”
* Os nomes foram trocados