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Detalhes da invasão de estudantes na Assembleia

Alunos da rede pública estadual invadem a Assembleia Legislativa e pressionam deputados a assinar pedido de CPI para investigar a máfa da merenda

Por Alexandre Nobeschi, Mariana Oliveira e Sérgio Quintella
Atualizado em 1 jun 2017, 16h12 - Publicado em 7 Maio 2016, 00h00

Na última terça, 3, deputados estaduais foram surpreendidos por cerca de oitenta alunos de colégios da rede pública e membros de movimentos estudantis. Eles tomaram o plenário da Assembleia Legislativa, no Ibirapuera, interrompendo a sessão do dia. Os jovens se espalharam pelo local, penduraram faixas com dizeres como “CPI da Merenda já” e bloquearam as entradas. O protesto corria pacificamente até policiais militares tentarem retirar essa turma do recinto. Houve bate-boca e o deputado João Paulo Rillo (PT), simpático ao movimento, foi flagrado por câmeras de celular empurrando um PM em meio à confusão. “Os soldados estavam agredindo os manifestantes e reagi às hostilidades”, justificou. Até a tarde da última quinta, dia 5, os invasores continuavam por lá, alimentando-se com sanduíche de mortadela e dormindo em camas improvisadas.

Os alunos ocuparam a Assembleia para pressionar os deputados a assinar o requerimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apure fraudes na compra de merenda escolar nas escolas do estado. Dos 94 parlamentares, 25 haviam deixado a rubrica no documento até o fechamento desta edição (são necessárias 32 para o prosseguimento do processo). O presidente da casa, FernandoCapez, deputado pelo PSDB, teve seu nome envolvido no caso. Segundo um delator ouvido pelos investigadores, Capez ganhou propinas do esquema em 2014. “Nunca recebi dinheiro nenhum”, ele diz. “Já liberei acesso aos meus dados bancários para a Justiça e, inclusive, assinei o pedido de abertura de CPI.” 

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Atualmente, existem na Assembleia cinco comissões de inquérito em andamento, o limite máximo permitido pelo regimento interno da casa: epidemia de crack, sistema financeiro, invasão de terrenos, obesidade infantil e energia elétrica. Uma delas teria de ser desativada para abrir espaço à da merenda. “Essa história é muito mais importante”, defende Carlos Giannazi, do PSOL. Presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), Emerson Santos, de 21 anos, um dos acampados no Ibirapuera, diz que as cobranças continuarão até os deputados assinarem a CPI. “É algo que afeta a vida de milhares de pessoas”, afirma.

Fernando Capez
Fernando Capez ()

Entre os que tomaram o plenário, há participantes da série de ocupações feitas no fim do ano passado contra um projeto de reorganização das classes. Nessa época, Maria Beatriz Felix, 15 anos, passou 45 dias acampada em um colégio da Chácara Klabin, na Zona Sul. Uma das mais jovens ali (no grupo, muitos são maiores), ela era uma das líderes na distribuição de alimentos e no diálogo com as autoridades. “Quem olha de fora acha que somos todos favelados e loucos, mas nosso movimento é pacífico e organizado.” César Lima, 18, veio de Guarulhos. Estava a caminho da aula no 3º ano do ensino médio quando foi convidado por uma amiga da Upes para integrar a turma. “Entrar aqui foi mais fácil do que eu imaginava”, conta.

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Profissionais do Ministério Público e a Polícia Civil estão debruçados sobre a questão das merendas desde 19 de janeiro, quando foi deflagrada a Operação Alba Branca. O objetivo era desbaratar um esquema de superfaturamento na compra de sucos naturais em ao menos 22 prefeituras paulistas e na Secretaria Estadual da Educação. 

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Com sede em Bebedouro, a 395 quilômetros da capital, a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) é apontada como pivô do arranjo. Segundo a apuração em curso, a organização levava aos colégios produtos com sobrepreço que variava de 10% a 30%. Para fechar os acertos, a Coaf usava lobistas que pagariam propinas a agentes públicos. No contrato principal com o governo estadual, no valor de 13,5 milhões de reais por ano, suspeita-se que cerca de 2 milhões de reais tenham sido desviados para o bolso dos envolvidos no esquema. 

Carlos Lopes
Carlos Lopes ()

Preso na ação em janeiro ao lado de outros cinco suspeitos e solto dois dias depois, Cássio Izique Chebabi, ex-presidente da Coaf, fez acordo de delação premiada. Ele contou que obteve a ajuda de um lobista, Marcel Ferreira Júlio, muito próximo a Capez, para conseguir o contrato com o estado. Segundo Chebabi, esse socorro se revelou fundamental para o negócio avançar na Secretaria da Educação, que havia barrado o processo por razões técnicas em 2013. Dois anos depois do contato com o lobista, ainda de acordo com o delator, a compra foi aprovada. O preço do suco da Coaf baixou de 6,80 para 6,10 reais. Mesmo assim, segundo mostram as investigações, o valor ainda ficou acima da média de mercado (3,70 reais). A versão de Chebabi para a Alba Branca foi corroborada por outro funcionário da Coaf, também detido no começo do ano.

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Carlos Luciano Lopes disse que parte da comissão entregue a Marcel Ferreira Júlio iria para o presidente da Assembleia. No mês passado, uma foto de Lopes contando dinheiro e cercado por notas de 2, 10, 20 e 50 reais circulou na internet. “Nunca vi na vida esse lobista”, declara Capez. Ele não foi o único político citado nos depoimentos. Também aparece o nome dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB), Nelson Marquezelli (PTB) e do deputado estadual Luiz Carlos Gondim (SD), além do ex-secretário da Educação Herman Voorwald, do secretário de Logística e Transportes, Antonio Duarte Nogueira, do ex-chefe de gabinete da Casa Civil Luiz Roberto dos Santos e do ex-chefe de gabinete da Secretaria da Educação Fernando Padula. Todos negam as acusações. Dois assessores de Capez, Jéter Rodrigues Pereira e Luiz Carlos Gutierrez, o Licá, são apontados como elo entre o lobista da Coaf e o deputado. Jéter foi demitido e Licá está afastado do gabinete.

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Protesto no Paula Souza
Protesto no Paula Souza ()

Grupos de estudantes também fizeram barulho nos últimos dias, invadindo prédios das escolas técnicas para reivindicar a melhoria da merenda escolar. Entre as 219 instituições do tipo no estado, 75 servem aos matriculados a chamada “comida seca”, composta debolacha, barra de cereal e bebida láctea ou suco. Para tentar acabar com o levante, o governador Geraldo Alckmin prometeu construir um refeitório em dez unidades. Não foi o suficiente para vencer a resistência. A polícia chegou a ir ao Centro Paula Souza na segunda (2) para retirar os manifestantes, mas a Justiça considerou a ação ilegal. 

Na quinta passada, 5, onze endereços continuavam ocupados. No caso da Assembleia, na manhã do mesmo dia 5, o juiz Sérgio Serrano Nunes Filho, da 1a Vara da Fazenda Pública, determinou sua desocupação em 24 horas, sob pena de cobrança de multa diária de 30 000reais por estudante. Mesmo assim, até o fim da tarde da última quinta, o movimento dos alunos ainda estava acampado no lugar.

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