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Fernando Haddad enfrenta um conturbado início de gestão

Prefeito tem restrições no orçamento, popularidade baixa e é chamado de "surdo" e "cabeção" por aliados nos bastidores

Por Daniel Bergamasco
Atualizado em 1 jun 2017, 17h29 - Publicado em 29 nov 2013, 19h03
Inferno astral de Haddad - vaias em evento
Inferno astral de Haddad - vaias em evento (Dario Oliveira/Folhapress/)
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As vaias e as latinhas arremessadas contra Fernando Haddad quando ele discursou em festa no Vale do Anhangabaú pelo Dia da Consciência Negra, na quarta-feira (20), renderam um puxão de orelha ao prefeito. O ex-presidente Lula, mentor de sua chegada ao cargo, queixou-se da iniciativa infeliz de subir ao palco quando o evento já acontecia havia horas e o consumo de cerveja era intenso. “Não se faz discurso depois do meio-dia, porque todo mundo já está bêbado”, disse em um telefonema após o episódio. No domingo (24), mais escolado, Haddad deixou o GP Brasil sem entregar o prêmio a Sebastian Vettel, vencedor da corrida e da temporada. Citava para assessores a possibilidade de repetição de um coro negativo. Além disso, estava nervoso com a divulgação pela Folha de S.Paulo de um vídeo no qual cantava o samba Trem das Onze ao lado do governador Geraldo Alckmin em um evento em Paris, em junho — incomodou-se com a reportagem por mencionar que o momento de descontração aconteceu quando começavam a pipocar na cidade os protestos pela revogação do aumento da tarifa de ônibus.

A membros do governo que o acompanhavam, confessou: “Estou na fase pré-Paul McCartney”. Era referência a um raro episódio de explosão que o petista mostrou em show do ex-beatle no Morumbi, em 2010. Na ocasião, ele atuava como ministro da Educação e exibiu o dedo médio para jovens que o provocaram gritando “Cadê o Enem?”, reclamando da série de problemas do exame. Nos bastidores, o prefeito, conhecido pelo tom formal e ponderado, tem deixado transparecer irritação no dia a dia. Nada que lembre o estilo incisivo de Dilma Rousseff ou José Serra, por exemplo, mas com uma leve e seca ironia. “Para mostrar que está bravo, ele encerra as conversas dizendo ‘Então tudo bem, um bom dia para você’, sem dar tchau”, descreve um de seus principais interlocutores. “Como ele telefona cada vez mais cedo, antes das 7 horas os secretários passaram a ficar grudados no celular e no bloquinho, até na hora de tomar banho”, conta o titular de uma pasta. Alguns deles sabem que estão especialmente na mira.

 

José de Filippi Junior, da Saúde, recebeu algumas “duras”: Haddad disse que, no ritmo atual das ações do órgão, as metas de campanha nunca serão cumpridas, como a da construção de três novos hospitais municipais. Nos bastidores, a pressão sobre o administrador da cidade é crescente, e ajuda a explicar as variações de ânimo. A taxa de aprovação caiu de 34% para 18% em menos de um mês, na época dos protestos, segundo o Datafolha. Sondagens mais recentes, feitas para consumo interno, indicam que o quadro não foi revertido, e isso dá razão à fila dos que procuram Lula para queixar-se de que o prefeito não prioriza os interesses de seu partido.

No episódio mais recente, tem sido criticado por seus pares pelo avanço das investigações da máfia do ISS, o imposto sobre serviços. Desde que criou a Controladoria-Geral do Município, no início do ano, foram onze funcionários presos sob acusação de corrupção, quatro deles demitidos. São todos homens egressos da era Gilberto Kassab, do PSD, que é aliado do governo Dilma e tem pressionado o Paláciodo Planalto. Enquanto isso, na Câmara, a bancada do PSD ameaça dificultar a reeleição do presidente da Casa, o petista José Américo, que deveria ser apenas um passeio (há um acordo selado desde o início do ano, inclusive com o PSDB).

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Geraldo Alckmin e Miguel Haddad
Geraldo Alckmin e Miguel Haddad ()

A máquina de investigação se voltou contra a própria gestão após um dos denunciados ter declarado que já pagou mesada de 20 000 reais ao secretário de Governo Antônio Donato, vislumbrando manter o esquema. O secretário anunciou o afastamento jurando inocência e se ressentiu, achando que o chefe fez sua defesa protocolarmente, com meias palavras. Capitães de várias siglas temem as próximas fronteiras do rastro de pólvora. Os cruzamentos de dados de salário e patrimônio continuam e, perto da virada do ano, um pacote inédito de nomes deve ser anunciado. De volta à Câmara desde terça (26), Antônio Donato engrossou a turma de petistas insatisfeitos no plenário, que se referem ao gestor como “soberbo”, “surdo” e “cabeção”, para citar alguns dos apelidos, por não atender a seus pleitos.

A crise passa pelo desejo de aprovar um número maior de emendas orçamentárias, por exemplo, mas especialmente pelo descontentamento com as 31 subprefeituras. Nessas administrações regionais, apesar de haver uma série de cargos de indicação política, oposto máximo está hoje ocupado quase sempre por engenheiros e outros nomes de perfil técnico, o que dificulta para os parlamentares maior influência nas reivindicações de eleitores da região. “O modelo não tem dado certo, pois esses órgãos regionais precisam de bons articuladores políticos”, critica o vereador Paulo Reis, do PT. O parlamentar, aliás, criou um projeto visto como provocação na prefeitura: uma série de visitas-surpresa a escolas municipais problemáticas, com acompanhamento da TV Câmara.

O colega Floriano Pesaro, líder do PSDB no Palácio Anchieta, parabenizou-o com sarcasmo: “Gostaria de fazer uma oposição tão boa quanto o senhor tem feito”. Haddad voltou à capital na manhã de quinta (28). Vinha de Paris, onde viu São Paulo ser rejeitada como sede da Expo 2020. “Eu sofria em viagens de avião. Agora tomo um remédioe só acordo aqui”, explicou ele à reportagem de VEJASÃO PAULO, antes de comentar o fogo amigo do qual é alvo. “O PT tem muitas alas, times e torcidas. As pessoas pensam diferente dentro de um partido.”

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A reivindicação da vez é a indicação do secretário de governo, em substituição a Donato. A Lula, Haddad teria dito que gostaria de alguém de sua confiança. Mas a pressão por um “petista orgânico”, mais articulador do que técnico, é enorme. “Não estou nem um pouco ansioso para decidir”, desconversa. Ele não esconde o fato de boa parte dos correligionários se incomodar com a relação amistosa que tem demonstrado com o governador Geraldo Alckmin, do PSDB. Para membros graduados do partido, os projetos conjuntos, como o Bilhete Único Mensal integrado com metrô e trem, dificultarão os ataques à gestão tucana nas eleições de 2014. “Temos de disputar com o Alckmin no que há de divergência, não no que concordamos”, entende Haddad.

A exemplo da última prefeita petista da cidade, que ficou marcada como Martaxa, ele já recebe apelidos “carinhosos”. O mais conhecido deles é Malddad, invenção dos opositores depois da defesa do reajuste do IPTU. Antes, chegaram a cogitar “Naddad” e “Nãofaz-nad”, descartados por serem de mais difícil assimilação. Nesse jogo duro por todos os lados, a próxima fase (reeleição) ainda está distante, mas é preciso habilidade política de um personagem de videogame como Super Mario para não queimar todas as vidas no meio do caminho.

 

O jogo duro na primeira fase de Haddad

– O canhão do fogo amigo está aumentando sua força: secretários, vereadores e outros membros do PT fazem fila no ouvidodo ex-presidente Lula para se queixar de que Haddad não dá atenção aos interesses do partido

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– Aproveitando a rejeição da classe média ao aumento do IPTU, a oposição retomou o apelido Malddad (usado na campanha eleitoral para satiriza ro apoio de Maluf a Haddad)

– Já no início do ano, Haddad precisou congelar 5,2 bilhões dos 42 bilhões de orçamento previsto, devido à queda na expectativa de crescimento econômico

– Para petistas mais graduados, a boa relação com Geraldo Alckmin atrapalhará os ataques à gestão tucana nas eleições do ano que vem

– A equipe de Haddad sempre viu as investigações da máfia do ISS como positivas, mas o custo tem sido alto, especialmente depois da queda do secretário municipal de Governo por suspeita de envolvimento no esquema

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– Vereadores petistas e aliados ameaçam impor dificuldade aos projetos do Executivo. O apetite parlamentar tem sido frustrado: querem mais participação e verbas nas subprefeituras, a fim de mostrar serviço aos eleitores

– A aprovação caiu de 34% para 18% em menos de um mês no Datafolha, após os protestos de junho que pediam a revogação d oaumento da tarifa de ônibus

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