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Garoto carregava também cartão de aposentadoria da avó

Além dos 350 reais, uma muda de roupa e de cinco rolos de papel higiênico, o adolescente Marcelo Pesseghini carregava em sua mochila o cartão da Caixa em nome da avó Benedita

Por Alecsandra Zapparoli e João Batista Jr.
Atualizado em 1 jun 2017, 17h35 - Publicado em 19 ago 2013, 20h45
Chacina na Brasilândia - Capa - Edição 2335
Chacina na Brasilândia - Capa - Edição 2335 (Reprodução/)
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Mais dois indícios reforçam a tese da polícia de que Marcelo Pesseghini, de 13 anos, teria sido o responsável pela chacina familiar na Vila Brasilândia. Além dos 350 reais, uma muda de roupa e cinco rolos de papel higiênico, o adolescente carregava em sua mochila o cartão de aposentadoria da Caixa em nome da avó Benedita, de 65 anos. Os investigadores acreditam que ele planejava sacar dinheiro com o tal cartão.

Entre os 31 depoimentos colhidos até agora pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), um deles deu exatidão do que a polícia acredita ser a cronologia do crime. Um vizinho músico, que costuma trabalhar de madrugada, declarou que ouviu cinco disparos entre meia-noite e 1h da madrugada. Segundo ele, dois tiros foram dados num espaço curtíssimo de tempo (pressupõe-se que ele tenha matado o pai Luís Marcelo e a mãe Andréia) e depois de cerca de 10 minutos ouviu outros três (um deflagrado contra a avó e dois contra a tia-avó). A tia-avó teria acordado e colocado uma de suas mãos em frente ao rosto tentando se proteger. O outro tiro a atingiu no braço. Ao contrário do que estava sendo divulgado no início das investigações, não foram cinco tiros disparados pela Tauros .40, e sim seis, contando a bala que o matou.

Abaixo, a reportagem com os detalhes do crime que chocou São Paulo:

Sexta-feira, 2 de agosto. Os policiais militares da Grande São Paulo receberam um alerta da corporação sobre ataques que poderiam sofrer por parte de uma organização criminosa. A preocupação era o revide à prisão, na própria sexta, de 24 traficantes, entre eles alguns integrantes do grupo, na região de São Bernardo do Campo e em Campinas. O pedido era para que no fim de semana não usassem uniforme na folga e redobrassem a atenção, inclusive com os parentes.

Domingo, 4 de agosto. Como de costume, o tenente Cesar Augusto Oliveira Bovo veio com a família de Rio Claro para almoçar na casa da mãe, Benedita, de 65 anos, e da irmã, a cabo Andréia Regina Pesseghini, de 36, na Vila Brasilândia. Eles promoveram um churrasco regado a cerveja. Na mesma tarde, Andréia, seu marido, o sargento da Rota Luís Marcelo Pesseghini, de 40 anos, e o filho, Marcelinho, de 13, foram ao Shopping D, no Canindé, também na Zona Norte. Retornaram do passeio no fim do dia. Os parentes dela deixaram a casa por volta das 21 horas, quando o sargento se deitou e adormeceu em um colchão estendido na sala. Marcelinho e a mãe foram para a cama do casal, onde dormiam habitualmente. No criado-mudo, havia um inalador e outros remédios. Eles auxiliavam o adolescente, que sofria de fibrose cística e diabetes, a respirar melhor.

Horas depois, segundo os peritos e investigadores ouvidos pela reportagem de VEJA SÃO PAULO, seguiu-se um roteiro horripilante. Marcelinho se levantou, empunhou uma arma Taurus .40, foi até a sala e executou o pai com um tiro no lado esquerdo da nuca. Andréia acordou com o barulho do disparo, seguiu até a sala, ajoelhou-se diante do colchão e levou um tiro na nuca de curta distância. O menino deixou o local, atravessou a garagem e entrou em outra casa, no mesmo terreno. Ali, atirou primeiro na avó e depois na tia-avó. Como esse último corpo foi encontrado com um olho aberto (o outro tinha sido atingido pelo projétil), a polícia acredita que essa vítima tenha acordado com o barulho do primeiro disparo no quarto.

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Chacina na Brasilândia 1 - Capa - Edição 2335
Chacina na Brasilândia 1 – Capa – Edição 2335 ()

Segunda-feira, 5 de agosto. À 0h55, Marcelinho deixou a residência com uma mochila e entrou no carro da mãe, um Corsa Classic. “Carregava uma muda de roupa, cinco rolos de papel higiênico e um revólver calibre 32”, conta o delegado Itagiba Franco, chefe da investigação. Também havia dentro da mochila 350 reais. Com o dinheiro, o adolescente pretendia fugir, como relatou a mais de um amigo ouvido pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Conforme o depoimento de um dos jovens na semana passada, Marcelinho havia ligado para ele na véspera do crime e dito que poria em prática seu plano. Como já dissera diversas vezes que um dia mataria os pais e fugiria, o amigo não considerou a hipótese real.

Dirigindo o carro da mãe, Marcelinho foi até a rua de seu colégio, na Freguesia do Ó, distante 5 quilômetros de sua residência, e estacionou ali. Segundo a polícia, ele dormiu no veículo. Pela manhã, participou das atividades escolares normalmente. “Dei duas aulas de matemática para ele, depois de as mortes terem ocorrido”, diz a professora Sonia Nabeta. “Ele estava normal, não aparentava nervosismo. Foi sem o material, mas participou da aula e não me fez perguntas diferentes. Era um aluno querido por todos.”

Chacina na Brasilândia - Capa - Edição 2335
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+ Imagens de câmera de segurança que mostram Marcelinho indo para a escola

Quando saiu da escola, o pai de um colega insistiu em lhe dar carona de volta para casa. Marcelinho resistiu, mas aceitou. No trajeto, pediu para pegar ou deixar algo no interior do Corsa. A polícia trabalha com a hipótese de ter sido um par de luvas, que está sendo periciado. Perto do meio-dia, entrou na residência e se aproximou do cadáver da mãe. Passou a mão em sua cabeça — havia fios de cabelo da mãe na sua mão — e, em pé, disparou o Taurus contra a própria cabeça. Era a mesma arma usada anteriormente. O tiro atravessou os seus ouvidos e atingiu a parede. De acordo com uma análise preliminar, num trajeto compatível com a altura do garoto, cerca de 1,60 metro. Ao contrário do que foi noticiado, o menino disparou seis vezes, e não cinco. Não se sabe ainda, entretanto, onde esse sexto tiro se encaixa na dinâmica dos fatos. Até a última quinta (15), 29 pessoas já haviam prestado depoimento à polícia.

Antes de a tragédia ser consumada, o chefe direto de Andréia, o capitão Laerte Araquem Fidélis, do 18º Batalhão da Polícia Militar, na Freguesia do Ó, estranhou a sua ausência no trabalho e pediu a um subordinado que passasse em frente à residência dela. O PM não notou nada estranho, exceto o fato de o carro da cabo não estar na garagem. Horas depois, ainda sem sucesso com as ligações para o celular de Andréia, o capitão Fidélis mandou outro policial ao local, dessa vez o soldado João Batista da Silva Neto. Ele teria encontrado a porta da casa entreaberta, mas sem sinal de arrombamento, e, segundo disse, não teria entrado, só avisado a polícia.

Entre os colegas de profissão, corria o boato de que Neto tinha um relacionamento mais próximo com Andréia. “Nunca tive nada com ela”, afirma. “Isso tudo que estão falando é calúnia. Nascemos na mesma rua, crescemos grudados e trabalhamos juntos quinze anos. Só isso.” De acordo com colegas do sargento Luís Marcelo, há suspeitas também de que ele mantinha um caso com uma colega de tropa.

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Por volta das 18 horas, a residência foi tomada por policiais revoltados. Eles ligavam a chacina ao recente alerta de possíveis ataques do crime organizado. “O fato de a cena do crime estar com mais de cinquenta policiais, entre eles Benedito Roberto Meira, comandante-geral da PM, explica o grau de nervosismo diante da possibilidade de se tratar de uma execução orquestrada por bandidos”, diz o deputado estadual major Olímpio Gomes (PDT), também entre os presentes.

A primeira equipe de peritos do Instituto de Criminalística (IC) chegou lá às 19h30. “Não há dúvida de que o lugar estava preservado”, afirma a superintendente da Polícia Científica, Norma Sueli Bonaccorso. Pelo ineditismo do caso, foi enviada para lá uma segunda equipe. As investigações passaram a ser coordenadas pelo experiente perito Ermindo Lopes Filho, responsável por casos emblemáticos como o de Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque (1998), Suzane Von Richthofen (2002), Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá (2008) e Mércia Nakashima (2010).

Seis departamentos do IC têm a missão de desvendar essa história que mais parece ficção. O de informática, por exemplo, analisa cinco celulares, um computador e um tablet. O de física utiliza a seu favor o recém-adquirido microscópio eletrônico de varredura (MEV). Esse instrumento, capaz de fazer exames residuográficos com extrema precisão, vem sendo usado para análise das mãos de todos os mortos e de suas peças de roupa. Havia manchas de sangue nos sapatos do adolescente, que também estão em análise. A chave do Corsa da mãe, encontrada no bolso de Marcelinho, está sob perícia.

Apesar de todos os laudos ainda não estarem concluídos, para os peritos e policiais envolvidos nas investigações não resta dúvida da autoria do crime. Houve, no entanto, uma mudança radical no comportamento das autoridades. Depois de o caso ter chamado negativamente a atenção do noticiário internacional pela divulgação de uma conclusão em menos de 24 horas, agora a postura adotada é de extrema cautela. Oficialmente, ninguém fala, ninguém viu. Os laudos passaram a ser encaminhados diretamente ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella.

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Quarta-feira, 7 de agosto. Teorias conspiratórias começaram a ganhar força tanto pela conclusão apressada quanto pela entrevista do coronel Wagner Dimas, chefe do batalhão onde Andréia trabalhava. Nesta data, ele declarou à Rádio Bandeirantes que sua subordinada tinha denunciado uma equipe de PMs que praticava assaltos a caixas eletrônicos. Assim, levantou a suspeita de que a chacina poderia ter sido realizada por seus colegas de farda. No dia seguinte, escoltado ao DHPP, mudou a versão e foi afastado de seu cargo sem maiores explicações. “Ele foi humilhado ao ter de se desmentir. O pior de tudo: Grella o afastou do cargo sem abrir uma investigação para averiguar se Andréia foi ameaçada por policiais ligados ao crime”, diz o major Olímpio Gomes.

Quinta-feira, 15 de agosto. A motivação do crime continua sendo um mistério. Sabe-se que os pais do menino, por suspeitas mútuas de infidelidade, não viviam bem como casal. Sabe-se ainda que a família convivia com o peso da doença crônica do filho, que o limitava nas atividades do dia a dia e poderia encurtar sua expectativa de vida. Marcelinho pouco saía de casa. Segundo as pessoas próximas, passava parte das tardes brincando de videogame. Um de seus jogos preferidos era o Assassin’s Creed, que tem um matador como protagonista.

Semanas antes da chacina, Marcelinho tinha colocado uma imagem do personagem no lugar de sua foto no Facebook. “Como ocorre com todas as pessoas que têm doença congênita, os familiares do menino o tratavam como um cristal”, afirma a especialista em fibrose cística da Santa Casa, Neiva Damaceno. Em fevereiro, conta a médica, ele foi diagnosticado com diabetes. Além das três inalações diárias, dos exercícios respiratórios e das enzimas, Marcelinho passou a tomar diariamente duas injeções de insulina. Sabe-se também que armamentos, histórias de mortes e outros assuntos macabros distantes da maioria das crianças faziam parte do universo do adolescente, que dizia aos amigos sonhar ser matador de aluguel. Mas qualquer tentativa de explicar por que o garoto tímido, educado e com cara de anjo teria sido capaz de fazer o que a polícia está convencida de que ele fez será mera especulação.

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