Alagamentos castigam os mesmos lugares da cidade há anos
Mesmo com a recorrência dos transtornos verão após verão e o conhecimento das causas do problema, nada é feito a respeito
Era por volta das 17 horas da última segunda (18), quando uma ambulância tentava desesperadamente cruzar o Viaduto Antártica no sentido Marginal Tietê. Chovia forte na região e, mesmo com a sirene a todo volume, os carros mal saíam do lugar. O motivo? Mais do que previsível: o habitual alagamento que toma conta da saída da via, no entorno da Praça Luiz Carlos Mesquita, na Barra Funda. Com a passagem bloqueada, os motoristas acabavam encurralados na ponte. Em uma manobra desastrada, a ambulância ainda tentou atravessar a torrente e terminou enguiçando no meio da inundação. Diante do cenário de caos, o próprio condutor e um motoboy tiveram de empurrá-la. “É sempre assim. A água demora tanto para baixar que o pessoal desliga o motor e vem comprar lanches no meu carrinho”, conta Maurício Marinho, que há doze anos vende cachorro-quente em um ponto próximo, aonde o empoçamento não costuma chegar. “Por se tratar de uma área plana, a região tem uma lentidão natural no escoamento”, explica Aluísio Canholi, doutor em engenharia hidráulica e especialista em drenagem urbana. Há outros motivos: no Rio Tietê, a 1,5 quilômetro, ocorre o desemboque de três grandes galerias e córregos canalizados, o que reduz ainda mais a capacidade de vazão.
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Mesmo com a recorrência dos transtornos, verão após verão, e o conhecimento das causas do problema, nada é feito ali. Absurdo semelhante ocorre em cinquenta pontos “fixos” de alagamento. Eles são os maiores símbolos da ineficiência de várias gestões da prefeitura, que se sucederam nas últimas décadas sem conseguir resolver o problema. Só neste ano, o alagamento no Viaduto Antártica se repetiu ao menos duas vezes. Segundo o engenheiro Canholi, a sobrecarga do sistema de esvaziamento do local também está ligada ao conturbado entroncamento das avenidas Francisco Matarazzo e Pompeia, em frente ao Shopping Bourbon, a cerca de 2 quilômetros. Ali, carros voltaram a boiar na quinta-feira pós- Carnaval e bombeiros tiveram de usar barcos para resgatar pessoas ilhadas. “Desde criança eu vejo a água subir aqui, mas isso se agravou ao longo das décadas”, testemunha Maria Antonietta Lima e Silva, de 76 anos, presidente da Associação Amigos de Vila Pompeia.
Para o especialista, a solução seria a construção de reservatórios com poços profundos. Projetos antienchente mais efetivos são estudados na área pelo menos desde 1995, com a aprovação da Operação Urbana Água Branca. Um dos objetivos da iniciativa era levantar verba para obras como a do piscinão da Francisco Matarazzo. Mas nada disso saiu do papel. O plano acabou descartado devido ao custo das desapropriações. A estratégia atual é a ampliação de galerias subterrâneas já existentes, obra orçada em 140 milhões de reais. Mesmo com a licitação aprovada, falta o licenciamento ambiental exigido pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Justificativa semelhante, de entrave das licenças, foi usada pelo ex-prefeito Gilberto Kassab para não ter investido nem metade dos 678 milhões de reais previstos para ações contra enchentes em sua gestão. Como se agilizar um trabalho que preserva vidas, patrimônio e paciência não configurasse prioridade. O sucessor, Fernando Haddad, que anunciou em janeiro um tímido pacote de dezesseis medidas contra inundações, como limpeza dos bueiros, disse na semana passada que desengavetará projetos de drenagem, mas não deu detalhes sobre como fará isso.
Até quinta (21), havia chovido na cidade o total esperado para o mês de fevereiro inteiro, segundo dados do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE). Só no temporal do dia 14, por exemplo, existiam oitenta pontos de alagamento na capital. Em avenidas como a Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello, na Zona Leste, automóveis apareceram amontoados uns sobre os outros quando a lama secou. Mesmo quem não teve esse prejuízo sofreu com o efeito dominó, ou melhor, cascata, depois que as vias voltaram a ser transitáveis – devido às dezenas e dezenas de semáforos que pararam de funcionar e às dezenas e dezenas de árvores que caíram. Na segunda-feira (18), ir de Pinheiros ao centro, às 21 horas, momento em que o trânsito já deveria estar mais livre, demorava mais de uma hora. Não é do dia para a noite que problemas assim se resolverão. Como lembra o historiador da Unifesp Fábio Alexandre dos Santos, especialista no tema, pagamos também a conta por erros do passado na ocupação da metrópole. “Como o curso dos rios foi alterado, as cheias, um fenômeno natural, acabaram tornando-se enchentes”, afirma. Algumas obras realizadas na década de 90, como a construção de reservatórios de emergência, resolveram a questão em determinados pontos da capital, caso da Avenida Pacaembu. Infelizmente, a continuidade dessas ações foi atravancada. A expectativa dos meteorologistas é de chuva para os próximos dias. Na previsão de medidas capazes de nos proteger dela a curto ou médio prazo, tampouco há algo de ensolarado no horizonte.