A tricampeã Mocidade Alegre entra na avenida como favorita ao título
A atriz Marília Pêra será o tema do samba-enredo da escola, que investiu 3,5 milhões de reais no desfile
Quando o portão do Anhembi se abrir na noite desta sexta (13), dando início aos dois dias de desfiles do Grupo Especial, treze escolas cruzarão a faixa amarela com um grande desafio: desbancar a Mocidade Alegre, o atual bicho-papão do samba paulistano. Campeã nos três anos anteriores, ela chega à passarela mais uma vez como uma das mais cotadas para o título. Se vencerem 2015, repetirá os feitos de Camisa Verde e Branco (1974, 1975,1976 e 1977) e Vai-Vai (1998, 1999, 2000 e 2001), as duas únicas tetracampeãs da história da cidade.
Para confirmar o favoritismo, a escola do bairro do Limão aposta neste ano em um enredo biográfico. Na madrugada de sábado (14), por volta de 0h30, exaltará a história de Marília Pêra. “É uma responsabilidade grande, espero estar à altura da homenagem”, afirma a atriz carioca de 72 anos. Sua trajetória será contada como se fosse um espetáculo. Desde a infância, quando brincava nos bastidores dos teatros acompanhando os pais, até trabalhos memoráveis como o musical Carmen Miranda e o longa Pixote: a Lei do Mais Fraco. Até a tarde da última terça (10), havia ingressos para os dois dias de apresentações das escolas.
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Fundada em 1967 pelos irmãos Juarez, Salvador e Carlos Cruz e controlada até hoje pela mesma família, a agremiação do bairro do Limão é a mais bem-sucedida da última década. No período, acumulou seis títulos, dois vice-campeonatos e dois terceiros lugares. Nesse intervalo, apenas uma vez não esteve entre as cinco primeiras colocadas e ficou de fora do desfile das campeãs.
Foi em 2011, quando um carro quebrou antes de entrar na avenida. A entidade amargou o último lugar. O período de conquistas coincide com a chegada ao comando da escola de Solange Cruz Bichara Rezende, de 49 anos. Filha de Carlos Cruz, ela substituiu na presidência outra mulher, a irmã Elaine, que morreu em 2003 por complicações decorrentes do diabetes. Na época, a Mocidade acumulava dívidas de aproximadamente 300 000 reais. “Batia à porta dos meus fornecedores para negociar e pagar todo mundo”, lembra Solange.
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A presidente não era unanimidade nem entre a família. O tio Juarez, por exemplo, dizia que a sobrinha era muito briguenta. A comandante calou a boca de todos ao conquistar o título logo no primeiro Carnaval da nova gestão, em 2004. O feito pôs um ponto-final em um jejum de 24 anos. Juarez deu o braço a torcer, passou a chamá-la de “leoa do samba” e lhe deu um amuleto com o animal (ele morreu cinco anos depois). “Sou muito brava mesmo”, assume Solange. No barracão da escola, localizado na Freguesia do Ó, também na Zona Norte, dizem que, quando ela chega, até os ratos se escondem.
A cartola do samba dá pitacos nos figurinos e faz reuniões regularmente para motivar os componentes. Há três anos, ela levou a experiência da quadra para empresas como Sabesp e Berlitz Cursos de Idiomas, com palestras de auto-ajuda sobre liderança e motivação. Para participar desses eventos, cobra aproximadamente 10 000 reais.
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Na concorrência, costuma despertar admiração e ira. Principalmente depois do Carnaval de 2012, quando as notas da apuração foram rasgadas no último quesito e a Mocidade acabou declarada campeã. Comenta-se nos bastidores que a Rosas de Ouro, vice nos últimos três anos, resolveu dar o troco à presidente em 2015. A escola apresentará o enredo Depois da Tempestade, o Encanto, sobre uma rainha louca em um jogo de cartas marcadas. Dos passistas aos diretores, todo mundo só diz que a personagem é baseada em Solange. “Não é uma inspiração direta, mas a interpretação é livre”, despista o carnavalesco Jorge Freitas. Além da própria Rosas, os principais candidatos a roubar da Mocidade o título de 2015 são a Vai-Vai e a Águia de Ouro.
Neste ano, a escola da Zona Norte investirá cerca de 3,5 milhões de reais em seu desfile, um dos maiores orçamentos do Anhembi. A verba é gasta principalmente em adereços e alegorias, pois os destaques da avenida atuam por amor à camisa, a exemplo do mestre-sala Emerson Ramires e da porta-bandeira Karina Zamparolli. O casal ganha por mês apenas uma ajuda de custo, perto de 800 reais. Estrelas de outras agremiações que exercem a mesma função chegam a receber quatro vezes mais. O carnavalesco Sidnei França, de 34 anos, também faz parte da ala das pratas da casa. Formado em economia pelo Mackenzie, Sidnei começou a frequentar a quadra na adolescência e, aos poucos, foi se envolvendo com a preparação do Carnaval.
Em 2009, assumiu o comando dos desfiles e hoje trabalha em parceria com Márcio Gonçalves. Todos os anos, Sidnei diz recusar convites das rivais da passarela. “Minha ligação com a escola é muito pessoal”, justifica.
Outra revelação é a rainha de bateria Aline Oliveira, de 25 anos. Ela está na Mocidade há treze anos. Já desfilou em carros, na comissão de frente e no grupo de ritmistas. Com o seu surdo, Aline participa das surpresas preparadas pelo chefe de bateria Marcos Rezende, o Mestre Sombra, marido da presidente Solange. Casados há 23 anos, eles se conheceram em uma festa na Rosas de Ouro. É de Sombra que costumam partir ideias como a de todos os integrantes da escola se ajoelharem ao mesmo tempo, como ocorreu no ano passado, em meio à avenida. “Tem de ter ousadia”, defende. Para ingressar em seu grupo de bambas, é preciso passar por uma peneira rigorosa. Em 2015, mais de 300 pessoas se inscreveram no vestibular da cuíca. Desse total, apenas 21 pessoas estarão no desfile deste sábado, em meio aos ritmistas veteranos.
Ao lado dos componentes tradicionais dos desfiles, a Mocidade conta nos bastidores com a participação de personagens curiosos. A exemplo de outras escolas, mantém um pai de santo oficial. Na escola da Zona Norte, o posto é ocupado desde 2011 por Agostinho Aguiar.
Ele não desfila, mas tem papel importante, segundo a diretoria da entidade. No dia a dia, atua como um conselheiro. O ritual para abrir os caminhos ocorre durante o percurso dos carros alegóricos do barracão ao Anhembi, antes dos ensaios técnicos e na concentração do desfile oficial. Ele consiste em espalhar água de cheiro, ervas secas e defumar os locais. “O diferencial da nossa escola é ter muita fé. Nisso, somos quase que imbatíveis”, afirma Aguiar.
Os rivais reconhecem a força da escola, independentemente da ajuda do além. “A Mocidade é a grande favorita de 2015, todas as outras estão correndo por fora”, admite Thobias da Vai-Vai. A escola do Bixiga neste ano faz uma homenagem à cantora Elis Regina. O samba-enredo com citações de músicas da artista é apontado como a maior pedra no caminho da Mocidade rumo ao tetra. Recentemente, em uma palestra fechada para parte dos 3 500 integrantes que desfilarão neste sábado, entre lágrimas, Solange Cruz admitiu a preocupação com a Vai-Vai. Mas dizia que acreditava no triunfo e repetiu o seu bordão predileto: “A vitória vem da luta, a luta vem da força, e a força, da união”.
NA CADÊNCIA DA ZONA NORTE
Fundação: 24 desetembro de 1967
Começo: os irmãos Juarez, Salvador e Carlos Cruz criaram o bloco Primeiras Mariposas Recuperadas do Bom Retiro, em 1958, o embrião da Mocidade
Títulos do Grupo Especial: 1971, 1972, 1973, 1980, 2004, 2007, 2009, 2012, 2013 e 2014
Assuntos que já foram abordados em seus enredos: sorriso, coração, Jorge Amado, sedução e fé
Presidente: Solange Cruz, desde 2003. Ela é uma das três filhas de Carlos Cruz e desfilou na escola pela primeira vez em 1973, na Ala das Miudinhas. Atualmente, além de comandar a quadra e o barracão, dá palestras a empresas sobre a liderança de equipes e vendas. Chega a cobrar 10 000 reais por evento
Tema do Carnaval 2015: a vida da atriz Marília Pêra (a própria será destaque do último carro alegórico a entrar no Sambódromo)
Intérprete: Igor Sorriso, também puxador oficial da São Clemente, do Grupo Especial do Rio de Janeiro
Investimento no desfile deste ano: 3,5 milhões de reais, bancados por 23 patrocinadores, mais as verbas da prefeitura e da Rede Globo
Fique de olho na avenida: no meio da apresentação deste sábado (14), os integrantes da escola se dividirão em dois grupos para abrir espaço a um elemento-surpresa que surgirá durante o desfile
Componentes: 3 500
Preço de uma fantasia: a partir de 450 reais, podendo chegar a 600 reais
AS CAMPEÃS DO CIRCUITO
Com seis títulos nos últimos dez anos, a Mocidade já está entre as três maiorais da avenida em todos os tempos
Vai-Vai: 14
Nenê de Vila Matilde: 11
Mocidade Alegre: 10
Camisa Verde e Branco: 9
Rosas de Ouro/Lavapés: 7
Unidos do Peruche: 5
Gaviões da Fiel: 4
Império de Casa Verde/X-9 Paulistana: 2