Mãe de Isabella Nardoni está grávida
Ana Carolina Oliveira aguarda o nascimento de Miguel, primeiro filho com o marido, com quem se casou há dois anos
O país inteiro se solidarizou com as lágrimas de Ana Carolina Oliveira. Em março de 2008, sua filha, Isabella Nardoni, então com 5 anos, foi assassinada pelo pai, Alexandre Nardoni, e pela madrasta, Anna Carolina Jatobá. No dia da tragédia, antes de ser arremessada pela janela do 6º andar do Edifício London, na Vila Guilherme, na Zona Norte, a menina sofreu muito nas mãos dos adultos que deveriam estar cuidando dela. Apanhou com uma chave tetra, foi asfixiada e, quando estava inconsciente, atirada com vida de uma altura de 20 metros.
Tudo isso no fim de semana que passava com seus dois meios-irmãos, Pietro, então com 3 anos, e Cauã, com 11 meses. Os responsáveis tentaram, depois, simular que havia sido um acidente, mas acabaram sendo presos e condenados — ele a 31 anos e ela a 26 (veja o quadro nas páginas 32 e 33). É difícil imaginar dor maior que a de enterrar um filho. No caso de Ana Carolina, a situação tinha ainda vários agravantes, como a pouca idade da menina, a brutalidade do pai e da madrasta e a enorme exposição pública do caso.
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Com os desdobramentos da investigação, que incluíram revelações da perícia, a prisão preventiva e entrevistas dos suspeitos em que alegavam inocência, a narrativa da tragédia era acompanhada diariamente pela TV. “A comoção das pessoas me dava força. Muitos choravam como se tivessem perdido o próprio filho”, lembra Carol, como é chamada pelos mais próximos. Havia gente fazendo plantão na porta de sua casa e na da delegacia. Flores foram depositadas em frente ao local do crime.
Não demorou para que Ana Carolina começasse a frequentar o Santuário do Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi, na Zona Sul. Ela subia ao palco e, em algumas ocasiões, era puxada e abraçada pelas pessoas. Causava uma aglomeração a ponto de precisar sair pelos fundos. Na época, estava com 24 anos. Sua gravidez não havia sido planejada e o relacionamento com Alexandre tinha chegado ao fim logo depois do nascimento da bebê. Ela custou a acreditar na participação dele no crime e mergulhou em uma torrente de perplexidade e sofrimento. “Chega uma hora em que a dor sufoca de tal forma que você precisa da ajuda de um profissional”, diz.
Em busca de alívio, recorreu às sessões de terapia, três vezes por semana. Sua mãe, Rosa Oliveira, esteve ao seu lado o tempo todo e foi fundamental na superação do drama. Até hoje tem sido assim. “Com o tempo, aprendemos a nos acostumar com a dor. Alguns dias, no entanto, são mais difíceis que outros”, afirma a avó de Isabella. Na última segunda (18), a criança teria completado 14 anos. Nessa data, Rosa pegou a filha e dirigiu até o Litoral Norte, onde tem uma casa de praia, para que as duas pudessem descansar admirando o mar. “Não comparo dores, por isso não me fiz de coitada achando que os meus problemas eram maiores do que os dos outros”, diz Ana Carolina. “Lutei para voltar a ser feliz, pois essa é a imagem que a minha filha tinha de mim.” O marco da reconstrução de sua vida veio na forma de uma explosão de alegria dentro de um lugar inusitado: um banheiro público.
Com vontade de ser mãe novamente, no ano passado ela deixou de tomar anticoncepcional. Seu marido, o administrador Vinicius Francomano, 29 anos, havia baixado no iPhone um aplicativo para saber os dias em que a mulher estaria fértil. O sonho de ter um filho era comum. Poucas semanas depois das tentativas, o sinal de alerta acendeu, com o atraso da menstruação. Sem avisar Vinicius, Ana Carolina aproveitou o horário de almoço do trabalho — administradora, ela atua no setor de câmbio de uma instituição financeira — e foi ao Shopping Eldorado. Comprou um teste de farmácia e dirigiu-se a um dos toaletes do centro de compras. O exame deu positivo. A vontade era berrar de contentamento, mas segurou a emoção na hora. “No auge dos problemas, eu achava que jamais iria me casar vestida de noiva e ter filho. A vida dá muitas voltas.”
Na época do assassinato, Ana Carolina estava namorando, mas o relacionamento acabou meses depois. Ficou solteira por quase dois anos, até encontrar o futuro marido, em um bar no bairro de Santana. “Ficamos conversando e rolou um magnetismo”, lembra ela. Assunto não faltava. Os pais dela são donos de uma loja de roupas onde a mãe de Vinicius abastecia o guarda-roupa do filho. Os dois eram vizinhos de bairro, tinham amigos em comum e frequentaram os mesmos lugares na infância — mas até então os destinos não haviam se cruzado. Nos primeiros instantes do encontro no boteco na Zona Norte, Vinicius não ligou Ana Carolina ao caso Isabella. Como todo o Brasil, ele acompanhou tudo pelo noticiário, mas demorou algum tempo naquela noite para perceber que estava diante de uma das personagens principais da história.
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Certa vez, em 2008, ele precisou refazer o caminho na volta para casa porque a Rua Santa Leocádia, onde fica o Edifício London, estava interditada devido a um trabalho de perícia ligado à investigação do crime. Como naqueles filmes de comédia romântica, o primeiro beijo aconteceu onde menos se esperava. Na semana seguinte ao primeiro encontro, Ana Carolina foi para uma balada com amigas no interior — mas foi barrada na portaria por estar com uma máquina fotográfica na bolsa.
Na hora em que foi guardar o pertence no carro, encontrou Vinicius no estacionamento. A paixão nasceu naquela noite, mas eles tiveram de enfrentar uma fase de namoro a distância, no caso, de 10 000 quilômetros. Por incentivo de seu psicólogo, que achava importante a paciente respirar ares diferentes e ter uma nova rotina, ela havia comprado um pacote de seis meses de intercâmbio na Califórnia e estava prestes a embarcar para os Estados Unidos. “Carol manteve o plano, mas nós nos falávamos todos os dias em que ela esteve por lá”, diz Vinicius. O que seriam seis meses de ausência viraram cinco. No último mês, ele foi encontrá-la no exterior.
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Eles aproveitaram para viajar para San Diego, Miami e Nova York. No começo do relacionamento, ele ficou assustado com o tipo de reação que sua companheira despertava. Devido à exposição durante as investigações e o julgamento da morte de Isabella, as pessoas a reconheciam nas ruas. Algumas chegavam a pedir autógrafo. Um jantar do casal foi interrompido em um restaurante porque alguém quis fazer uma foto. “Ela não é celebridade nem atriz de novela”, diz o marido. “Entendo terem carinho, mas, na minha cabeça, não faz sentido tirar um retrato com alguém que ficou conhecido naquela situação.” Apesar do desconforto, o relacionamento prosperou. “Tem gente que fala que fui corajoso”, conta Vinicius. “Não penso assim. Amo a Carol, então foi natural seguir com a nossa história.” Ana Carolina levou um tempo para se acostumar com esse tipo de assédio.
No ano seguinte à morte de Isabella, ela foi à festa junina da Catedral Anglicana, no Alto da Boa Vista. Na ocasião, usava óculos de sol enormes de forma a esconder o rosto e passar incógnita. “Pedi para ela tirar aquilo do rosto, abrir-se para o mundo e deixar um novo amor entrar em sua vida, pois no futuro eu faria o casamento dela”, conta o reverendo Aldo Quintão, o líder religioso do lugar e amigo pessoal. As palavras foram proféticas.
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O casamento aconteceu no mesmo local de tijolos à vista e pé-direito alto, em abril de 2014. Um dos maiores desafios da psicologia diz respeito ao enfrentamento da perda de um filho. “A morte é a mais fiel das companheiras, pois permanece ao nosso lado a vida toda e nos leva quando tem de levar”, afirmou, em uma entrevista realizada há alguns anos, o autor de novelas Manoel Carlos, que enterrou três de seus cinco filhos. “Durante o luto, a pessoa revê a sua vida e as expectativas que projetou para si e para a criança”, afirma Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC. “Mas a exposição pública desse processo pode fazer com que ele se torne mais prolongado.” Com o caso da morte da filha na mídia o tempo todo, Ana Carolina viveu exatamente isso.
“No passado, eu não me negava a dar entrevista. Mas me senti usada em determinados momentos”, lembra. Passou também por inconvenientes, como na ocasião em que um repórter perguntou se estava feliz “por Deus ter levado a Isabella”. Atônita com a abordagem, encerrou ali a conversa. O carinho das pessoas a ajudou a se levantar, mas trouxe também preocupações. “Se eu estava triste, me chamavam de coitada. Se sorria, era julgada por ter superado o luto.”
Casada com um homem discreto, Ana Carolina procura viver longe dos holofotes. Ela nem sequer tem rede social. Durante a gestação, foi reconhecida apenas uma vez, na Zona Norte. “Uma mulher veio me dar os parabéns e dizer que estava feliz por mim”, lembra. Comparado ao período de gravidez de Isabella, quando tinha apenas 17 anos, ela conta ter sentido algumas diferenças. “Enjoei bastante e fiquei mais inchada”, diz ela, hoje com 32 anos.
Por outro lado, vive a experiência da maternidade tendo ao seu lado um marido. “Eu e Vinicius escolhemos todas as roupas, a decoração do quarto, a lembrancinha do hospital…”, enumera. Apenas uma decisão não foi tomada em conjunto. Miguel nascerá palmeirense roxo. Fanático pelo clube (Vinicius tem uma coleção de mais de cinquenta camisetas de uniformes do time), o futuro papai comprou sapatos, macacão e urso de pelúcia do Verdão. “Ele não perde um jogo”, conta a corintiana Ana Carolina. O filho do casal, daqui a alguns anos, certamente vai acompanhar Vinicius nessas ocasiões. Mas eles não devem estar sozinhos por muito tempo. “Queremos ter um segundo filho”, planeja Ana Carolina, reconstruindo a própria história de maneira comovente.
Entrevista: “Isabella estaria feliz”
Com sandálias e vestido de malha, Ana Carolina Oliveira, de 32 anos, abre a porta de seu apartamento na Zona Norte contando ter engordado 10,5 quilos nos oito meses de gestação. Miguel será seu primeiro filho com o marido, o administrador Vinícius Francomano, 29 anos. Com a sala decorada com porta-retratos de Isabella e um ultrassom do filho que está a caminho, ela falou sobre este novo capítulo de sua vida:
Como enfrentou uma perda traumática? Com apoio de família, religião e terapia. Até certo ponto, você aguenta sozinha. Mas tem uma hora em que a dor sufoca. Eu demorei dois meses para procurar terapia e cheguei a fazer três sessões por semana. Nos primeiros meses, o caso da minha filha aparecia todos os dias na TV. De certa forma, a comoção das pessoas me ajudou. Havia quem chorasse como se tivesse perdido o próprio filho. Recebi muitas cartas, muitos abraços. As pessoas torceram e sofreram por mim. Não comparo problemas e dores, mas não me permitia ter um papel de coitada e ir para o buraco.
Como vai contar para o seu filho o que aconteceu com a irmã dele? Vai ser de forma tranquila e em etapas. No começo, penso em falar que ele tinha uma irmã que não está mais entre nós. Depois, quando for mais velho, explicar como foi. Não tem como omitir nada, pois o caso está na internet para quem quiser ver.
O que passou pela sua cabeça quando soube da gravidez? Quem sofre problemas trágicos pode encarar uma segunda gravidez como uma substituição. Não será o meu caso. Cada filho tem uma história.
Qual é a sua religião? Sou católica de formação, mas frequento o espiritismo. Essa prática aliviou o meu coração, dando algumas explicações. Aqui era apenas um plano para a minha filha, a história dela não acabou. Ter partido tão cedo e daquela forma deve ter uma explicação.
No auge da sua dor, pensou que um dia pudesse se casar e ter filhos? Não tinha esperança em relação a isso. Mas tudo mudou. Estou vivendo o meu primeiro casamento. Com o outro (Alexandre Nardoni), eu nem sequer morei junto. Fiquei grávida de Isabella aos 17 anos, hoje tenho 32.
Onde conheceu o seu marido? No Bar do Luiz, aqui na Zona Norte, em 2010. Eu fui com o meu irmão e o Vinicius estava com uma amiga em comum. Conversamos muito, mas não passou disso. Uma semana depois, nós nos encontramos sem querer em uma balada. Ficamos e, desde então, estamos juntos.
Você morou fora do Brasil? Eu o conheci um mês antes de viajar para fazer seis meses de intercâmbio nos Estados Unidos. Segui meus planos, mas levei para lá um telefone a rádio e nós nos falamos todos os dias.
Quando se casaram? Em abril de 2014, na Catedral Anglicana. Era um sábado e chovia muito. Minha mãe, minha sogra e minhas duas cunhadas estavam no mesmo salão e se atrasaram para chegar. Imagina a cena: a noiva dentro de um carro na porta da igreja esperando os familiares para poder se casar. O reverendo chegou a deixar o lugar dizendo que tinha outro casamento para fazer e não poderia mais ficar ali. Meu pai foi buscá-lo no meio da rua. No fim da cerimônia, ele cantou Faz um Milagre em Mim (Como Zaqueu / Eu quero subir / O mais alto que eu puder / Só para te ver). Todos choramos pensando em Isabella.
A sua gravidez foi planejada? Sim, engravidei dois meses após deixar de usar o anticoncepcional. Durante o almoço, em um dia de trabalho, fiz o teste sozinha no banheiro de um shopping. Liguei para o meu marido dizendo que tinha um assunto sério para falar. O Vinicius achou que era uma DR (discussão de relação) e estava bravo em casa, pois era dia de jogar futebol com os amigos. Quando mostrei uma caixa com uma carta minha e o teste de gravidez, caímos juntos no choro.
Uma peça chamada Edifício London, do grupo Os Satyros, encenaria a história da Isabella… Isso foi há três anos, mas não chegou a existir a peça. Entrei com uma ação por danos morais contra o grupo (no roteiro, uma boneca era decapitada).
Você perdoaria o casal Nardoni? Isso não é comigo, é com Deus.
A Isabella diria o que de sua gravidez? Ela completaria 14 anos na semana passada. A Isa sempre me viu feliz — e é assim que estou hoje. Tenho certeza: Isabella estaria feliz.
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OITO ANOS ATRÁS DAS GRADES
Colchão especial e visita mensal dos filhos hoje fazem parte da rotina de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá
Separados por 8 quilômetros de distância em penitenciárias de Tremembé, a 147 quilômetros da capital, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá acordam todos os dias às 6 da manhã. Após o café e a pausa para escovar os dentes, às 7 horas começam a trabalhar. Ela dá expediente na oficina de uniformes para o sistema carcerário, pilotando máquina de costura. Já Nardoni trabalha no departamento de marcenaria e tem a atribuição de consertar mesas e cadeiras de escolas estaduais.
O comportamento de ambos é avaliado como “bom”. Algumas presas, no entanto, sentem ciúme do que consideram “regalias” para Anna Carolina. Por ter problemas na coluna, a madrasta de Isabella Nardoni conseguiu o direito de levar para a cela um colchão ortopédico especial. Alérgica, também pediu uma tela de proteção na janela para evitar a entrada de insetos, benefício que foi estendido depois para as demais celas. Durante o banho de sol, Anna Carolina troca conversa com outras presas célebres pelos crimes cometidos, caso de Suzane von Richthofen, que orquestrou o assassinato dos pais, e Elize Matsunaga, presa por matar e esquartejar o marido, o empresário Marcos Matsunaga.
Ao contrário da magreza que mostrava no início da reclusão, em maio de 2008, Anna Carolina se queixa de estar gordinha. Alexandre recebe todas as semanas a visita de seu pai, o advogado Antônio Nardoni. Nessas ocasiões, ganha “jumbos” — nome dado aos alimentos que familiares levam — para passar a semana. Ele também leva alimentos para a nora. Os dois filhos do casal aparecem pelo menos uma vez por mês. Pietro, hoje com 11 anos, e Cauã, com 9, moram com os avós maternos e não usam o sobrenome Nardoni e Jatobá para poderem passar incógnitos. Os avós tomam todo o cuidado para mantê-los no anonimato.
Advogado do casal, Roberto Podval entrou com um último recurso para pedir a anulação do júri e a diminuição da pena — de 31 anos, um mês e dez dias para ele; e de 26 anos e oito meses para ela. O caso está parado há dois anos no Supremo Tribunal Federal e ainda não há data para ser analisado. “Muitas arbitrariedades foram cometidas no julgamento”, diz Podval. Ele argumenta no processo que a população não teve acesso a todo o julgamento. “Foi decidido tornar pública apenas a decisão, enquanto todos os atos processuais deveriam ser públicos.”
Em 2014, outro desdobramento do caso. Uma carcereira afirmou ter escutado Anna Jatobá falar que Isabella foi jogada da janela por orientação do sogro, Antônio. O DHPP abriu um inquérito para apurar o caso em dezembro de 2015 e ainda não o concluiu. “Essa acusação não tem cabimento”, diz Podval.