Volta ao mundo em casal: paulistanos viajam pelo planeta sem parar de trabalhar
De avião ou motorhome, parceiros embarcam na vida de nômades digitais para conhecer todos os continentes
E m um motor home de 8 metros quadrados, Laís Sousa e Renan Jereissati sonham em dar a volta ao mundo. “Sempre quis fazer essas viagens de bicicleta e, quando começamos a namorar, ela disse ‘não vai rolar, mas de carro pode ser’ ”, diverte-se Renan. “Na época, a aventura custaria o preço de um apartamento. Em vez de nos casar, compramos uma van antiga para reformar por conta própria”, relembra Laís.
Após muito planejamento, o casal decidiu iniciar a jornada no Brasil, em 2020, e só sairia do país após percorrer todo o mapa por um ano. “Quando vimos as aglomerações indevidas no litoral durante a pandemia, mudamos de rota e fomos até Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, e só depois descemos a costa brasileira”, diz Renan.
Três anos mais tarde, chegou a hora de a dupla carimbar o passaporte pela América Latina e dar início a um roteiro que deve durar pelo menos mais dez anos e inclui até uma visita à Antártica. Com duas pranchas de surfe, eletrodomésticos, cama king-size retrátil e um terraço, o automóvel reformado é uma das alternativas para quem planeja atravessar os continentes sem parar de trabalhar.
“Começamos com um modelo menor de 25 000 reais e agora investimos no novo, com tudo o que gostaríamos de ter no nosso lar”, explicam. No total, gastaram cerca de 500 000 reais e hoje faturam com o próprio conteúdo das viagens pela marca Traveleiros, com perfil em redes sociais como Kwai. “Nossa casa é pequena, mas o quintal é o mundo inteiro”, reflete Laís.
O desejo de ter vários “quintais” não passou despercebido pela agente de viagens Jacqueline Dallal, que notou a demanda dos nômades digitais e atende clientes interessados em viajar sem interromper o trabalho. “As pessoas entenderam que poderiam estar em qualquer lugar do mundo”, observa.
O roteiro feito sob medida costuma contemplar pelo menos três continentes e todos os países escolhidos pelos viajantes. “Existe uma passagem específica de volta ao mundo com bilhetes aéreos mais baratos, mas precisa obedecer uma ordem e número mínimo de voos”, explica. “São muitas variáveis, é como montar um quebra-cabeça.”
Passando por locais como Tailândia, Vietnã e Nova Zelândia, Vania Ferrari e Anna Nogueira aproveitaram o trajeto de dois meses para celebrar quinze anos de casamento. “Nossa empresa de palestras completou dez anos, então acabamos estreando um projeto e no tempo livre decidimos entrevistar brasileiros nesses lugares”, conta Vania.
A aventura começou pelas Ilhas Maldivas e deve terminar no Japão. “Estou com zero saudade de casa, mas não conta pra minha mãe”, brinca. “Tínhamos dúvidas se ficaríamos cansadas, mas não fazemos aquele turismo que inclui tudo. Deixamos coisas de fora para apreciar o que der. E já começamos a pensar em outros percursos para o próximo ano.”
Para ter um respiro, nem toda volta ao mundo é feita de uma vez só. No caso de Enrico Andrade e Rafael Brito, a “sede” em São Paulo é um porto seguro para retornar à família, aos amigos e à cachorrinha de estimação. “Com o privilégio de trabalhar remotamente, viajamos uma vez por mês”, diz Enrico, que atua como coordenador de riscos. “Passamos duas semanas fora e duas em casa.”
Eles usam parte das economias e dos salários para manter essa rotina, sempre caçando opções baratas de hospedagem e passagens aéreas. “E gostamos de conhecer tudo, sempre fica a sensação de que vivemos mais que quinze dias”, completa Rafael.
Nesse formato, já desbravaram cidades do Nordeste, parte do Uruguai e países nórdicos como Noruega, Suécia e Dinamarca. “Ainda cogitamos a possibilidade de viver viajando, mas é bom ter rotinas diferentes”, pondera Enrico. “Quando estamos perto de uma praia, dá para acordar bem cedinho antes de ter que bater o ponto.”
Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2023, edição nº 2842