Estrangeiros fazem sucesso reagindo a conteúdos brasileiros no YouTube
Música, comida, costumes, memes, língua. Tudo é visto e avaliado pelos produtores de conteúdo nos chamados vídeos de reação
Assistir a pessoas assistindo a pessoas. Os vídeos de reação, ou react, são febre no YouTube praticamente desde que o site existe. A receita é simples: uma pessoa se filma (ou registra um terceiro) enquanto é exposta pela primeira vez a alguma coisa, captando seu reflexo natural. Ao longo dos últimos anos, no entanto, o formato vem evoluindo. As mudanças não são necessariamente estéticas, mas principalmente de alcance. Centenas de youtubers passaram a se dedicar exclusivamente ao segmento, criando um mercado próprio.
Por aqui, chama atenção um nicho que vem ganhando força. Trata-se de canais estrangeiros que produzem vídeos exclusivamente para o público brasileiro. “Os gringos estão começando a aprender que é só colocar ‘Brasil’ no título que as visualizações são garantidas.” É o que diz um comentário em um dos vídeos de Nienke Helthuis, holandesa de 21 anos e símbolo deste movimento.
Ela entrou na plataforma em 2013, mas seu canal NiceNienke tinha roteiros variados. Envolvia viagens, maquiagem, perguntas e respostas. Foi só em 2016, quando a jovem publicou uma produção tentando falar “português brasileiro”, que finalmente tropeçou em seu público.
“Quando gravei o vídeo, os brasileiros lotaram minhas redes sociais. Eu pensei ‘eles são de tão longe’. Foi aí que começou meu amor pelo país”, conta. Hoje, a moça tem mais de 3 milhões de inscritos no seu canal, já veio seis vezes ao Brasil, tatuou a palavra “gratidão” no braço e é procurada por marcas daqui para realizar parcerias. Entre suas publicações de maior sucesso, aparecem vídeos reagindo a gêneros musicais (sertanejo, funk, forró), provando comidas típicas e fazendo parcerias com youtubers brasileiros.
Antropóloga e professora titular do departamento de cinema, rádio e televisão da ECA-USP, Esther Hamburger argumenta que, no Brasil, a cultura audiovisual é muito forte, já que a área literária era muito restrita até os últimos cinquenta anos. “Existe um fascínio pela tecnologia audiovisual e a possibilidade de levar as pessoas para além das barreiras tradicionais. Aqui, a gente comprou televisão antes de ter máquina de lavar”, resume. Com a TV perdendo espaço para a internet, YouTube e Netflix se tornaram herdeiros naturais neste fenômeno.
É justamente o que diz Eliandra Gomes, estudante de 16 anos que comanda uma fanpage de Nienke no Instagram. O perfil, que posta atualizações quase diárias da holandesa, tem quase 70 000 seguidores. “É muito gratificante quando eles se apegam ao nosso país. Acontecem tantas coisas aqui, então acho incrível quando alguém de tão longe gosta da nossa rotina”, comemora.
Para entender a febre, é preciso analisar também o caminho dos vídeos dentro da plataforma. Diretor do InternetLab, centro de pesquisa nas áreas de direito e tecnologia, Francisco Brito Cruz explica que tudo gira em torno do algoritmo do YouTube. “É uma espécie de receita, feita para distribuir os conteúdos no site”, explica. Existe o setor de busca e o de recomendação. A página vai filtrando suas pesquisas e vídeos previamente assistidos, criando uma lista de outros materiais que podem ser relevantes para você.
Fã de Nienke, Eliandra descobriu o canal Young Marcus assim. Trata-se de uma dupla britânica de 20 anos, Ally Ali e Marcus Dwayne, que acumula mais de 39 milhões de visualizações em seu canal, reagindo quase exclusivamente a vídeos e músicas de rap nacional. Eles explicam que, no início, o foco era reagir a lances plásticos de jogadores de futebol como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar.
Tudo mudou quando, na seção de comentários da plataforma, começaram a pedir para que os dois jovens de Newcastle vissem Vai Malandra, de Anitta. “Nós nos apaixonamos pelo estilo. E agora chegou em um ponto que simplesmente reagimos ao que nos pedem”, explica Ali. Quase que naturalmente, devido ao gosto pessoal dos dois, foram se especializando em rap, hip hop e trap.
Dwayne explica que as interações com o público passaram a acontecer tão regularmente, que vários artistas procuram a dupla oferecendo dinheiro para que reaja às suas músicas. “A gente rejeita. Temos emprego e estudamos, não queremos fazer dinheiro no YouTube”, crava. Eles nunca vieram ao Brasil, mas prometem que de 2019 não passa. A ideia é realizar encontros com os fãs e tentar absorver a cultura o máximo possível.
Nativos da internet, estes canais se valem da inexistência de fronteiras e universalizam ou segmentam seu conteúdo, conforme a necessidade. Brito Cruz aponta uma única barreira que ainda persiste, a linguística. Mas não por muito tempo. Nienke, Ally e Marcus fazem aulas de português há mais de um ano, e, quando necessário, possuem uma legião de fãs disposta a criar legendas para os seus vídeos.
Confira algumas produções dessa onda: