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Vera Holtz retorna aos palcos paulistanos depois de mais de dez anos

Em cartaz com 'Ficções', solo baseado no best-seller 'Sapiens - Uma Breve História da Humanidade', atriz septuagenária fala sobre sua relação com São Paulo

Por Júlia Rodrigues
Atualizado em 28 Maio 2024, 09h12 - Publicado em 13 jan 2023, 06h00
A atriz Vera Holtz, uma senhora idosa, branca, de cabelos lisos brancos presos em um coque, vista do busto para cima. Ela usa um sutiã marrom e segura no alto um crânio de animal
A atriz: dilemas do ser humano em monólogo (Ale Catan/Divulgação)
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A partir de quinta (19), o público paulistano verá uma mulher, a atriz Vera Holtz, 70, centralizar os dilemas do Homo sapiens numa peça que parte do best-seller Sapiens — Uma Breve História da Humanidade. Desde que foi lançado, em 2014, o livro do filósofo israelense Yuval Noah Harari (2015, 464 págs., L&PM) vendeu 23 milhões de cópias pelo mundo e conquistou leitores dos mais aos menos acadêmicos. Nele, o pesquisador retorna às nossas raízes evolutivas para entender as estruturas da sociedade, partindo da premissa de que, diferentemente de outras espécies, nós governamos o planeta devido à nossa capacidade de acreditar em narrativas imaginadas, como deuses, nações e o dinheiro.

O espetáculo, Ficções, que chega ao Teatro Faap após temporada de sucesso no Rio, não pretende ser uma adaptação exata do livro, mas estabelecer um diálogo com as ideias apresentadas nele. Sob idealização do produtor cultural Felipe Heráclito Lima e direção do premiado Rodrigo Portella, de Tom na Fazenda (2017), Vera Holtz vive uma gama de personagens nesse solo, interpretando, por vezes, a si mesma. “Eu já havia lido o livro. Na peça, o Rodrigo faz um recorte muito interessante: será que a nossa capacidade incrível de moldar o mundo nos tornou pessoas mais felizes?”, indaga.

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A artista é acompanhada pelo músico italiano Federico Puppi, que toca violoncelo, teclado e harpa, em vários momentos de improviso musical. “Ficções tem esse tom de jam session”, explica Portella. No cenário, apenas dois elementos: uma réplica de um meteorito e uma grande moldura prateada, representando o contraste entre a natureza e o que foi criado pelo homem. Na produção da dramaturgia, o diretor diz ter “escrito um pouco para ela”. “Vera é uma atriz muito singular, traz um caráter performativo ao trabalho. Em cena, evoca um pouco dessa ideia wagneriana (do compositor alemão Richard Wagner) da ‘arte total’ que o teatro tem, reunindo música, cenografia, artes visuais e a palavra”, acredita.

Essa pluralidade de linguagens está presente na vida de Vera desde cedo. Ainda em Tatuí, sua cidade natal, no interior de São Paulo, estudou música e cursou faculdade de artes plásticas. Foi só em uma de suas idas à capital paulista, aos 20 e poucos anos, que o “bicho do teatro” a pegou. “Assisti a uma peça com a Myriam Muniz, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come, no Teatro Anchieta. Tive uma epifania e, naquele dia, decidi que era isso que eu queria fazer”, relembra.

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Com o interesse despertado, mudou-se para a cidade no início dos anos 70 e estudou durante dois anos na Escola de Arte Dramática (EAD), na Universidade de São Paulo. “Fui com um amigo em uma tarde de muita chuva. Na época, a escola ficava em um galpão e foi difícil de achar. Me atrasei. As inscrições já haviam sido encerradas, mas o secretário abriu uma exceção para mim. São muitos os acasos na minha vida”, brinca ela, que não chegou a terminar o curso.

Foto de perfil em preto e branco de Vera Holtz quando jovem
Vera na época em que estudava na EAD, no início dos anos 70: vida paulistana (Acervo Vera Holtz/Divulgação)

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Em 1975, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde construiu a maior parte de sua carreira, com sucessos nos palcos e na teledramaturgia, dando vida a papéis fortes e de repercussão, como a professora Santana em Mulheres Apaixonadas (2003), que sofria de alcoolismo, e Mãe Lucinda, em Avenida Brasil (2012), ambas na TV Globo.

Foi durante a temporada na capital paulista de Pérola, no fim da década de 90, peça na qual foi dirigida por Mauro Rasi (1949-2003) e contracenou com Sérgio Mamberti (1939-2021), que Vera adquiriu um apartamento nos Jardins. “São Paulo e Rio, para mim, são como bairros. Estou sempre pulando de lá para cá.” É em sua morada paulistana, inclusive, que ela produz as fotografias icônicas e “conceituais” de seu Instagram, transformado hoje em mais um meio para seus projetos artísticos.

A atriz Vera Holtz, uma senhora de cabelos lisos, brancos e presos para trás, posa em foto conceitual. Ela apoia sua cabeça em uma mesa preta, ao lado de maçãs enfileiradas, e segura uma flecha em um das mãos, em direção à cabeça
Fotografia inspirada em obra do artista plástico Zemog: no apartamento nos Jardins (Renato Santoro/Reprodução)
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Apesar de frequentemente estar em São Paulo, Vera ficou mais de dez anos longe dos palcos da cidade — a última vez foi com Palácio do Fim, de Judith Thompson, no Teatro Anchieta, em 2012 (a atriz ainda fez uma participação, por projeção de vídeo, no musical Merlin e Arthur, um Sonho de Liberdade — Ao Som de Raul Seixas, no qual interpretava Merlin, no Teatro Shopping Frei Caneca, em 2019). A temporada no Rio no pós-pandemia reiterou a paixão pelo encontro. “É muito interessante ver que os teatros estão lotados. Estar junto do outro e se reconhecer no outro é uma coisa deliciosa”, celebra. No alto dos 70 anos, mas com o frescor de uma “mente de criança”, como o diretor Portella descreve, Vera não para: em sua fila de projetos, está uma peça inspirada no romance de James Joyce Finnegans Wake (1939) e um filme, Viveiro de Vozes, baseado em obras do escritor e artista plástico Nuno Ramos.

Ficções. (80min). Rec. 12 anos. Teatro Faap. Rua Alagoas, 903, Higienópolis, ☎ 3662-7233. ♿ Sex. e sáb., 20h. Dom., 18h. R$ 50,00 e R$ 150,00. Estreia quinta (19). Até 26/3. faap.br/teatro.

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Publicado em VEJA São Paulo de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824

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