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Um perfil do multiartista paulistano Arnaldo Antunes, que lança álbum com participação de David Byrne

Ex-Titã fala sobre a carreira musical, São Paulo e a desilusão com os tempos atuais

Por Tomás Novaes
17 abr 2025, 06h00
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 (Romulo Fialdini/Veja SP)
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Na sala de estar, estantes cheias de livros e, por todos os cantos, obras de arte e poemas visuais. Um figurino brilhante, um violão à espreita e, na mesa de centro, um livro do poeta concreto Augusto de Campos. O cabelo do anfitrião está levemente raspado nas laterais e sua voz é grave. Não tem erro: a casa é de Arnaldo Antunes, 64, multiartista paulistano que acaba de lançar o álbum “Novo Mundo” (2025), pelo selo Risco, com shows de lançamento em São Paulo nos próximos dias 25, 26 e 27, no Sesc Pompeia.

O universo poético do cantor e compositor transborda do seu apartamento em Higienópolis e surge no disco com uma sonoridade fresca e letras que vão da desilusão com a situação político-social do planeta para a delicadeza do amor. “Queria voltar para um som de banda, mais dançante, pesado, com uma performance de palco mais rock and roll, mas com um som diferente”, diz o ex-titã, que, então, decidiu trazer colaborações inéditas: na produção e bateria, Pupillo, e na guitarra, Kiko Dinucci. Para completar a banda, o parceiro de longa data Betão Aguiar, no baixo, e nas teclas Vitor Araújo, pianista com quem excursionou em duo nos últimos três anos com o show “Lágrimas no Mar” (álbum de 2021) — um trabalho minimalista, sonoramente oposto ao que se escuta em Novo Mundo. “Ficou com uma identidade diferente de tudo que eu já tinha feito com banda e, ao mesmo tempo, muito original e contemporânea. Novo Mundo inaugura uma outra fase da minha carreira”, pontua.

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A capa do disco “Novo Mundo” (Leo Aversa/Divulgação)

Sobre o resultado, Betão, que acompanha Arnaldo desde 2006, diz: “Fazia tempo que eu não o via tão feliz e empolgado”. Há ainda a participação luxuosa de David Byrne em duas faixas, além de Ana Frango Elétrico, Marisa Monte e Vandal — é o seu disco solo mais colaborativo. “Tinha ali um contato (com Byrne), mas nunca tínhamos feito nada juntos. Fiz o convite, ele foi muito solícito e receptivo, começamos a compor por e-mail, passou quase um ano até ele gravar as partes dele lá de Nova York”, conta.

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Ensaio aberto do show no Sesc Pompeia: sessões em São Paulo nos próximos dias 25, 26 e 27 (José de Holanda/Divulgação)

A canção que abre o álbum é um desabafo de quem observa um planeta em desencanto. “Fui compilando observações muito atormentadas sobre o que estamos vivendo. O convívio com a intolerância, o ódio, a violência, tudo desaguou nessa letra”, diz, citando a devastação ambiental e a tensão geopolítica. “Parece que não há uma chave de consciência que mobilize as pessoas — muito pelo contrário, tem muito negacionismo, parece que a humanidade está indo para um caminho suicida. Convivemos com guerras reais acontecendo e o crescimento da extrema direita no mundo.”

O impacto das redes no convívio social também pinta o quadro medonho dos nossos tempos. “Quando a internet começou, tínhamos esperança de que propiciasse um diálogo mais livre e tolerante, mas na verdade se acirraram os guetos, com discursos de ódio, muitas vezes impulsionados pelos algoritmos.”

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Apesar de toda a desilusão, o músico sinaliza saídas para uma realidade tão dura. “A própria conscientização desse retrato distópico é necessária para encontrarmos formas de reagir. Penso que sou um otimista incorrigível”, define, citando antídotos como o amor, na faixa “O Amor É a Droga Mais Forte”, a conduta, em “Pra Não Falar Mal”, e a renovação, em “É Primeiro de Janeiro”.

“Parece que a humanidade está indo para um caminho suicida. Convivemos com guerras reais acontecendo e o crescimento da extrema direita no mundo.”

No centro da obra de Arnaldo está a poesia. E, desde o início da sua carreira, a forma como ela é expressa ultrapassa linguagens, do visual ao texto, do som à performance. Afinal, no início dos anos 80, quando morava no Bixiga com o artista plástico José Roberto Aguilar, integrou a Banda Performática, que misturava música, teatro, poesia e pintura. “Minhas criações podem até prescindir da palavra, mas não da significação poética. Não me aventuro a fazer uma obra puramente visual, por isso as considero poemas visuais”, explica o músico.

“Para mim, ele faz parte de uma linha do tempo da arte brasileira que se inicia com os concretos, depois segue com os neoconcretos, os tropicalistas e para nos tribalistas. Ele é o expoente máximo da geração pós-tropicalista de artistas multidisciplinares”, diz Daniel Rangel, diretor do Museu de Arte Contemporânea da Bahia e curador da mostra mais recente do artista, “Rascunhos”, exibida no Instituto de Arte Contemporânea (IAC) em 2024. “Faço muitas versões, vou de certa forma no corpo a corpo com a linguagem. Nunca acredito muito no que fiz na hora, preciso refazer, recompor, materializar — é como se eu tivesse um cérebro externo nos pedaços de papel e de melodias gravadas”, esmiúça Arnaldo.

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(Leo Aversa/Divulgação)
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Segundo Kiko Dinucci, “a arte do Arnaldo só poderia ser feita em São Paulo”. Há um traço comum entre o tribalista e a metrópole. “É como se a cidade fizesse parte de mim. Tem uma desidentidade em São Paulo que me atrai muito. Inspirado nisso, fiz canções como Lugar Nenhum e Inclassificáveis”, comenta. Na Bela Vista, o Colégio Equipe foi o berço do nascimento dos Titãs, em 1982. Alto de Pinheiros, Vila Madalena, Perdizes e Butantã são alguns bairros onde viveu. “Quando morava no Pacaembu, na Rua Ilhéus, ia a pé para o estádio assistir ao jogo com meus irmãos. E lembro de, quando morava na Alameda Itu, descer de skate a ladeira da esquina com a Nove de Julho”, recorda.

O “Novo Mundo” de Arnaldo Antunes nasce após um reencontro com seu passado. Entre 2023 e 2024, mais de trinta anos após sua saída dos Titãs, em 1992, se reuniu com Tony Bellotto, Branco Mello, Charles Gavin, Nando Reis, Paulo Miklos e Sérgio Britto na grande turnê “Encontro”. “Foi muito emocionante cantar aquelas músicas, com várias gerações no público. Ajudou a impulsionar esse anseio de voltar a fazer um trabalho mais pesado.”

“A própria conscientização desse retrato distópico é necessária para encontrarmos formas de reagir. Penso que sou um otimista incorrigível.”

Em março, Bellotto revelou o diagnóstico de um tumor no pâncreas — na semana passada, passou por uma cirurgia bem-sucedida. “Estou acompanhando, na torcida para que ele se recupere. E o Branco (que retirou um tumor nas amígdalas em 2024) também está bem. Fico muito feliz de ver os Titãs resistindo”, diz ele, que, nos próximos meses, volta à estrada com sua nova banda, em show com direção artística de Batman Zavareze e figurinos de Marcelo Sommer.

No disco, além de parcerias com Marcia Xavier, sua esposa, e Erasmo Carlos, há uma participação especial do seu caçula, Tomé, tocando guitarra em “Pra Brincar”. Arnaldo tem outros três filhos: Celeste, Brás e Rosa. A paternidade o aproximou do universo infantil, com projetos como a banda Pequeno Cidadão, parcerias com a Palavra Cantada e outras músicas que marcaram muitas infâncias, como “Lavar as Mãos” e “Saiba”. “O olhar infantil muitas vezes revela coisas que são evidentes, mas que a gente não repara. De certa forma, você passa por muitas etapas complexas para atingir uma simplicidade muito primária que espontaneamente as crianças têm”, define.

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No palco, Arnaldo é a mais punk das crianças: sempre inquieto e dançante, com seus característicos chutes no ar, seja em um ensaio aberto para dezenas de pessoas, como aconteceu nos dias 3 e 4, no Sesc Pompeia, ou em um estádio lotado, no sábado (12) passado, em sua participação no show de Gilberto Gil. “Não sou jovem, mas me sinto jovem. Não me identifico muito com essa obsessão com a saúde, mas também não vou ser uma pessoa sedentária e deixar isso de lado. Procuro um equilíbrio. Os shows me fazem muito bem — além de rejuvenescedores, são um exercício físico.”

Sobre religiosidade, costuma dizer que não acredita em Deus, e sim em deuses. “Não me sinto nem religioso, nem ateu. Mas penso que o espiritual tem seu espaço, junto com o material”, sintetiza. Para ele, a finitude é um aprendizado. “É curioso que, quanto mais a gente vive, mais os outros morrem e mais rápido o tempo passa. A gente vai aprendendo a conviver com a morte, e de certa forma isso vai nos preparando para a nossa própria.”

Em meio ao ritmo frenético, se as certezas parecem se desintegrar a cada segundo, pode ser revolucionário fazer uma pergunta simples: afinal, tanta pressa para quê? “Se faz mais do que nunca necessária a busca por um outro uso do tempo. Um tempo de contemplação, do ócio criativo, da leitura, para contrapor a essa velocidade”, defende. Nesse compasso de Arnaldo Antunes, com certeza a gente chega mais longe.

Sesc Pompeia. Rua Clélia, 93, Pompeia, 3871-7700. → Sex. (25) e sáb. (26), 21h30. Dom. (27), 18h30. R$ 70,00. 14 anos. sescsp.org.br.

A trajetória de Arnaldo em cinco fotos

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Arnaldo Antunes (ao centro, atrás da violinista) em performance com Aguilar (ao piano), em 1980, na Pinacoteca: esboço da Banda Performática (Patricia Rousseaux/Divulgação)
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Os Titãs nos anos 80, em foto sem data: Arnaldo Antunes, Nando Reis, Paulo Miklos, Charles Gavin, Branco Mello, Tony Bellotto, Sérgio Britto e Marcelo Fromer (Rui Mendes/Acervo Dedoc)
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Carlinhos Brown, Marisa Monte e Arnaldo Antunes, em 2002, ano do lançamento do primeiro disco dos Tribalistas: sucesso nacional (Jorge Rosenberg/Acervo Dedoc)
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Edgard Scandurra, Betão Aguiar, Arnaldo Antunes e Curumin: banda do DVD “Ao Vivo Lá em Casa”, gravado em 2010 no terraço da antiga casa do artista, em Pinheiros (Fernando Laszlo/Divulgação)
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Registro de um dos shows da turnê Encontro, dos Titãs, em 2023: reunião histórica aconteceu até março de 2024, encerrando no Lollapalooza Brasil (Fabiano Jr Photo/Divulgação)

Legião de fãs

Artistas relembram momentos vividos com Arnaldo Antunes

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Carlinhos Brown, cantor e compositor

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(Dodô Villar/Divulgação)

“A primeira vez que vi Arnaldo foi no Chacrinha e logo me encantei com ele e todo o grupo. Em um show na Concha Acústica, tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Levamos um longo papo sobre música e percebi ali que ele era mais que um grande artista. Com todo aquele rock and roll e uma doçura imensa. A gente se aproximou, ele me falou de sua paixão por Caymmi e fizemos nossa primeira música, Doce do Mar. Tínhamos muitas coisas em comum, e hoje ele é meu compadre, padrinho de Cecília, minha filha, e um irmão- amigo muito próximo. O que eu mais admiro e me espelho é a força dele com o ineditismo, ele é inesgotável. Arnaldo tem muita atenção para a poesia e é fortemente coletivo, sabe lidar de uma forma muito bonita com todas essas forças, esses poemas — esse concretismo nos aproxima e me faz admirá-lo. Boa sorte no novo mundo, Arnaldo.”

Edgard Scandurra, guitarrista, cantor e compositor

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(Ana Karina Zaratin/Divulgação)

“A gente é amigo desde quando ele estava nos Titãs e no Ira!, no começo. Quando ele saiu em carreira solo, me convidou para fazer parte da banda dele, então abracei essa causa e participei de vários discos, fizemos muitas músicas juntos. Ficamos muito amigos, gravamos um disco em Mali, com Toumani Diabaté. Teve o Pequeno Cidadão, um projeto muito bacana de pais com seus filhos que estudavam nas mesmas escolas. É um amigo de longa data e compadre — Arnaldo é padrinho do meu filho Joaquim. É bacana ver como ele viabiliza os seus projetos, desde os mais simples até os mais audaciosos. Admiro muito isso nele, e procuro seguir na minha carreira: sempre ter um conceito, nunca fazer um projeto revisionista ou um punhado de canções pop para tentar emplacar algo. Ele sempre tem alguma coisa muito profunda a dizer.”

Marisa Monte, cantora e compositora

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(Leo Aversa/Divulgação)

“Conheci Arnaldo antes de ele me conhecer. Eu já era muito fã dos Titãs — quando comecei a cantar, Comida estava no repertório do meu primeiro show, na semana de lançamento do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987). Logo depois, ainda antes do meu primeiro disco, fui cantar no Aeroanta, em São Paulo, e convidamos os Titãs para assistir. Foi lá que eu conheci o Arnaldo. Sobre a nossa parceria, a única regra certa é a liberdade. A própria criação decide o papel de cada um, caso a caso. Ele é brilhante como poeta e letrista, um grande filósofo do mundo contemporâneo e um melodista de mão-cheia. Então, às vezes a gente faz tudo junto, às vezes eu faço a melodia e ele faz a letra, vice e versa. Arnaldo é completo como pensador e compositor de letras e músicas. Nossa primeira parceria foi Beija Eu, junto com nosso amigo Arto Lindsay.”

Augusto de Campos, poeta

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(Fernando Laszlo/Acervo Dedoc)

“Arnaldo é um grande amigo, poeta e performer que sigo sempre com o maior apreço. Devo a ele e a André Vallias algumas das primeiras aventuras de computação. Com Arnaldo executei alguns trabalhos bastante complexos, quando eu ainda nem tinha computador, como os que estão em meu livro Rimbaud Livre, assim como o meu poema Brinde (1991), que tem uma história curiosa. Arnaldo tinha uma impressora matricial, que ao processar o poema, por uma falha técnica, borrou todo o papel. Ia para o lixo, mas, atento às lições de Duchamp, eu o salvei a tempo. Depois, ainda voltei ao Arnaldo para pedir que acrescentasse ao texto a expressão “cansado de canções”, que eu tinha esquecido ao datilografar… Um pequeno episódio, que mostra um pouco das habilidades do meu amigo-poeta e o meu débito para com ele.”

Publicado em VEJA São Paulo de 17 de abril de 2025, edição nº2940.

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