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OLÁ,

Um olhar sonhador sobre a cidade

A São Paulo retratada pelo multiartista Gregório Gruber é misteriosa e solitária — e de uma beleza única

Por Vanessa Barone
24 jan 2025, 06h00
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Gregório Gruber em seu ateliê, diante do quadro do Largo São Bento: cidade silenciosa (Agliberto Lima/Veja SP)
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Um observador das horas mortas, quietas e tranquilas das madrugadas. Assim, o crítico de arte e curador Carlos von Schmidt (1929-2010), então diretor do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), definiu o multiartista e fotógrafo Gregório Gruber, 74. Na ocasião (agosto de 1976), Gregório, com 24 anos, abria naquele museu uma exposição de aquarelas, gravuras e outras obras. Para Von Schmidt, em depoimento ao jornal A Gazeta, os flagrantes noturnos do artista exibiam uma cidade diferente, quase utópica, de ruas vazias e silêncio profundo. Uma cidade despida de sua poluição visual e que, por isso mesmo, deixa à mostra as linhas de seus infinitos prédios, e a paisagem no entorno, iluminada. Um bálsamo para o olhar de quem vive ou já viveu aqui. “Amo o fato de São Paulo não ser uma cidade óbvia”, diz Gregório, um santista que, desde os anos 1970, tem a aniversariante capital do estado entre seus personagens preferidos.

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A Avenida Paulista, com o Masp em destaque: olhar amoroso com o centro da cidade (Reprodução/Reprodução)

Seu interesse estético por São Paulo, pode-se dizer, começou na infância. “Aos 10 anos de idade, mudei com a minha família para o centro”, conta. “Isso causou um grande impacto estético em mim”, recorda Gregório que, quando menino, estudou na Escola Caetano de Campos, então na Praça da República, e fazia das ruas ao redor seu espaço de descobertas. E foram tantas que, mais tarde, pautaram as suas obras. Ou como o físico teórico, crítico de arte e mentor intelectual de sua geração Mário Schenberg (1914-1990) definiu em um artigo de outubro de 1974 na Folha de S.Paulo: “É digno de nota que tenha chegado espontaneamente ao hiper-realismo pela necessidade de exprimir as suas vivências de adolescente na megalópole paulistana, antes mesmo de ter conhecimento do pujante movimento hiper-realista internacional”.

De fato, a tradução pictórica da cidade, feita por ele, parece retratar um cenário surreal, mesmo que levemente familiar. “Cursei artes plásticas, mas o meu interesse sempre foi a arquitetura”, relembra o artista, que foi reprovado — segundo ele, por culpa da física — por duas vezes no vestibular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Mas as formas arquitetônicas nunca deixaram de encantar os seus olhos. Nem as transformações da cidade.

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Perspectiva do Theatro Municipal e o Viaduto do Chá: descoberta da paisagem que começou na infância (Reprodução/Reprodução)
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“O Vale do Anhangabaú é um dos lugares que mais gosto de retratar, por conta de suas mudanças ao longo do tempo”, afirma ele, que pode citar outros tantos lugares icônicos de São Paulo que viraram arte pelas suas mãos, como o Elevado Presidente João Goulart (o Minhocão), a Avenida São João, o Largo São Bento e o Theatro Municipal. “Tudo aqui é uma constante surpresa, a começar pela arquitetura, tão variada e, por isso mesmo, fascinante”, afirma. “O visual paulistano é fruto de várias camadas, de várias épocas, que foram se sobrepondo.” Mas nunca perderam a graça para o artista, mesmo quando ele foi em busca de outros cenários, como Santos, Rio de Janeiro e Barcelona. “São Paulo cobra um preço de quem cisma de ficar”, aponta o pintor, que, como quase todo mundo que mora aqui, tem uma relação de amor e ódio com a megalópole de quase 12 milhões de habitantes. “A cidade nos enlouquece, por conta de problemas como a locomoção e a poluição” afirma. Por outro lado, também enxerga uma possível loucura positiva, que contagia pelo dinamismo e pela vibração estimulante — tanto que fez dela sua musa inspiradora. “Estive recentemente no centro e posso dizer que ele continua lindo.”

Filho do pintor expressionista, escultor e fotógrafo santista Mário Gruber (1927-2011), Gregório admite ter sido influenciado. Mas não a ponto de abrir mão de suas crenças. “A gente brigava muito porque eu sempre quis fazer as coisas do meu jeito”, recorda-se. Em um dos embates, conta, Mário tentou convencê-lo a fabricar a própria tinta, a exemplo do que ele fazia. “Ele tinha esse lado meio bruxo, com o seu caldeirão queimando coisas”, conta o filho, que, para tristeza do pai, preferia a praticidade dos produtos industrializados. Ao longo da carreira, Gregório vem experimentando diferentes suportes para a sua arte — que vão do desenho com nanquim à pintura, passando pelo pastel, pela gravura e pela escultura. E também pela assemblage (ou montagem, em francês): técnica que consiste em criar imagens tridimensionais a partir da junção de objetos. No caso das suas obras, a assemblage é feita com finas lâminas de madeira sobrepostas para formar imagens.

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Vista panorâmica do centro, feita a partir da técnica ‘assemblage’: a cidade e seu detalhes (Reprodução/Reprodução)
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Mas é a pintura sobre tela — que, vista de longe, parece fotografia — que mais sobressai no trabalho. E, para criá-las, Gregório se vale do registro fotográfico para manter-se fiel ao cenário que irá reproduzir com tintas e pincéis. “Faço isso, sobretudo, quando a cena é noturna”, destaca. Mas qualquer que seja a forma, o seu olhar amoroso para a cidade não se apagou. “Continuo retratando São Paulo, que ainda acho linda”, garante. “Hoje, a minha visão é mais onírica.”

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