“Sinto a representatividade que é cantar a música do povo”, diz Thiaguinho
O cantor e compositor paulista fala sobre o sucesso do projeto Tardezinha, os 40 anos de vida e a importância cultural do pagode no Brasil
No final deste mês, em um espaço de tempo de sessenta dias, Thiaguinho, 40, terá reunido 160 000 pessoas em quatro shows esgotados só na cidade de São Paulo.
Depois de duas apresentações no Anhembi, em outubro, as últimas datas da etapa atual do projeto Tardezinha, nos dias 16 e 17, acontecerão na Neo Química Arena.
“Cantar no estádio do time para o qual eu torço, e que frequento há tantos anos, é especial”, disse o cantor e compositor, natural de Presidente Prudente, em entrevista à Vejinha.
Com 40 anos de vida completados em março, e vinte anos de carreira no ano passado, parece que o sucesso se renova com o mesmo vigor a cada novo projeto de Thiago André Barbosa.
Seu último lançamento autoral, de 2021, rendeu um dos maiores sucessos da carreira, Falta Você, mais um hino do pagode para a conta dele, que ficou conhecido do público no reality show Fama, da Globo, e alcançou o sucesso no Exaltasamba, do qual fez parte entre 2003 e 2012 como vocalista.
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Você foi criado em Mato Grosso do Sul, mas mora em São Paulo desde o início da carreira. Qual a sua história com a capital paulista?
Toda a minha família é de Presidente Prudente. Mas meus pais, professores de educação física, foram trabalhar em Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. Voltei para fazer faculdade de comunicação social, que tranquei quando entrei no Fama. Quando fui convidado peloExaltasamba, começou a minha história com São Paulo capital, em 2003 — completei duas décadas morando aqui. Quando cheguei, tinha muita dificuldade em me locomover pela cidade. Primeiro porque eu não tinha carro, e segundo porque não conhecia nada. Por isso, resolvi morar na rua do escritório da banda (risos), no bairro de São Judas, uma região que me marcou muito aqui em São Paulo.
Como a fama repentina, em uma idade tão jovem, mexeu com você?
Quando me mudei, meu pai ficou em Ponta Porã e minha mãe e irmã vieram, porque eu ainda não conseguia me virar sozinho em São Paulo, e eles tinham medo. Isso mexeu muito na estrutura da minha família, foi uma grande transformação. Na minha cabeça, eu sempre achei que fosse viver do jeito que eu vivo. Então, quando tudo aconteceu, foi mais uma confirmação da minha intuição do que qualquer outra coisa. É muito doido tentar explicar isso para as pessoas. Eu esperei, sonhei, lutei, estudei e me preparei para isso. Então, quando surgiu a oportunidade de participar do Fama, foi a chance que eu tinha pedido para Deus. E, quando saí do programa e fui convidado para participar do grupo, foi a confirmação de que o sonho estava certo. Nunca tive a cabeça voltada para a fama, sempre fui voltado para a música, o canto e a composição. Assim começou a busca pela minha melhora musical, que é constante. Faço fono todos os dias, até hoje, e tento todos os dias me superar. Emocionalmente, tenho uma família muito sólida, que me ajudou e ajuda muito, e que nunca me tratou diferente. Meus amigos são praticamente os mesmos… Minha cabeça não mudou muito.
Em março, você completou 40 anos de vida. Qual o significado dessa nova década?
Na semana do meu aniversário, passou um filme na minha cabeça. Fui para casa e fiquei sozinho durante uma semana. Pude olhar para trás e comemorar tudo que vivi. Todas as dificuldades, celebrei. Todas as vitórias, também. Todos os sonhos que consegui realizar foram muito maiores do que eu tinha sonhado. Foi um período de boas reflexões e de olhar para a frente. Eu me sinto jovem, cheio de gás e vontade de mostrar muita coisa, lançar músicas inéditas, tentar participar da vida das pessoas. E acho legal exercer um papel na vida dos mais jovens, principalmente na música. Hoje em dia tenho amizade com os novos cantores, que já fazem muito sucesso e me pedem conselhos, declaram ser influenciados por mim, como Ludmilla, Ferrugem, Dilsinho. Já é hora de pensar que tenho essa responsabilidade também.
Você citou a Ludmilla, e o projeto Numanice é um exemplo de grande sucesso no pagode com uma voz e compositora feminina. Como você vê o lugar das mulheres nesse gênero, atualmente?
O samba sempre foi muito forte no lado feminino. Alcione, Clara Nunes, Leci Brandão, Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara sempre foram vozes muito marcantes, que têm músicas que estão em qualquer roda de samba. Nos anos 90, os grupos de pagode masculinos foram predominantes, mas também tinha vozes femininas, como Eliana de Lima, Adryana & A Rapaziada. Fico muito feliz hoje em ver o sucesso da Marvvila, da Ludmilla, da Gica. São grandes talentos, que fico muito feliz em cantar junto, e espero cada vez estar mais próximo.
E qual a importância do pagode para a cultura brasileira?
O Brasil é um país muito rico musicalmente. E tem gêneros que, quando você escuta, não tem como não pensar no povo brasileiro. Eu sinto a representatividade que existe em cantar samba, pagode, a música do povo, que sofreu tantos preconceitos e venceu grandes barreiras para chegar até aqui, nos grandes palcos e festivais, virando uma festa como a Tardezinha, que este ano se torna a maior turnê brasileira da história. É uma honra poder viver de samba, e uma responsabilidade muito grande.
Por que o projeto Tardezinha faz tanto sucesso?
Acho que o que as pessoas mais gostam de fazer no Brasil, depois de trabalhar a semana inteira, é curtir uma roda de samba no sábado ou domingo à tarde. É um evento muito despretensioso musicalmente, mas que acabou acertando o coração do público, porque eles veem um pagodeiro ali no palco, cantando o que gosta. Exige também uma entrega muito grande da minha parte, porque pode durar cinco, seis e até sete horas, sem interrupção. Começou em 2015, paramos em 2019 e, dessa vez, a gente resolveu voltar maior do que nunca. O ano de 2023 é o mais especial da minha vida. É surreal, a Tardezinha vai se tornar a maior turnê de samba da história da música brasileira. Isso é muito sério e grande. Eu, que sempre sonhei com coisas gigantescas, nunca cogitei isso.
A turnê tem data para terminar?
A Tardezinha é eterna. Não sei te dizer de quanto em quanto tempo, mas vai durar para sempre na minha vida, disso eu tenho certeza. Neste momento, ela se encerra nos dias 16 e 17. Falta pouco, já estou com saudade (risos). É hora de pensar em um novo projeto. Eu gravo um novo álbum em janeiro, com participações mais que especiais. Estou muito empolgado, faz um tempo que não lanço músicas inéditas. Gosto muito de compor e escrever. É um disco bem moderno, que promete bastante e vai surpreender as pessoas.
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871