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Tati Bernardi: “Também existe preconceito na elite progressista”

No recém-lançado 'A Boba da Corte', a escritora criada na Zona Leste narra em livro sua jornada de não pertencimento por diferentes grupos sociais paulistanos

Por Laura Pereira Lima
24 abr 2025, 06h00
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Tati: autora se vale da autoironia em nova obra (Bob Wolfenson/Divulgação)
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No aniversário de 43 anos de Tati Bernardi, três anos atrás, uma amiga carioca chegou atrasada após se perder. Uma confusão levou-a ao Largo do Maranhão, no Tatuapé, em vez de à Rua Maranhão, em Higienópolis. As duas realidades distintas — a primeira, um “lugar que parecia de desova de corpo”, nas palavras da amiga perdida, e a segunda, um reduto de intelectuais abonados — estão ligadas por uma pessoa: a própria Tati, que cresceu no Largo do Maranhão e hoje mora na rua homônima.

O encontro entre a infância na Zona Leste e a vida adulta, permeado pela sensação de não pertencimento à elite paulistana, levaram-na a uma crise de pânico com a qual inicia A Boba da Corte, no catálogo da editora Fósforo. “Sei que cresci com muitos privilégios, mas, quando me mudei para a região central, percebi uma série de códigos sociais, e no livro tiro sarro disso e da minha obsessão de pertencer”, conta.

Colunista da Folha de S.Paulo há doze anos, ela começou a carreira em publicidade depois de se formar no Mackenzie e migrou para projetos autorais, entre eles os podcasts Desculpa Alguma Coisa e Meu Inconsciente Coletivo. No dia da entrevista, que pode ser conferida a seguir, Tati estava doente. “Você me pegou num dia com gripe, então estou bem amargurada”, fez o alerta.

Quais são as diferenças entre a elite publicitária e a intelectual?

A elite da publicidade fala para a mulher que ela tem que sentar com a perna fechada, falar pausadamente, não sentir raiva, não arrumar encrenca. A elite intelectual fala de outra forma: ‘Medite, faça ioga, encontre o seu eu’, mas na verdade ambas estão dizendo que é para a mulher baixar a bola e ser elegante. A elite da grana se porta de uma forma mais tosca, mais ostensiva, arrota tudo o que tem. E me usava como boba da corte, tirava sarro porque uma vez não identifiquei que um gramado era um campo de golfe e fui devolver a bolinha branca na recepção. Quando cheguei na elite intelectual, me questionavam: ‘De onde você saiu?’. Era uma pergunta muito curiosa para mim. Depois fui entender que isso era porque eu não tinha feito Vera Cruz, Santa Cruz, Bandeirantes, Gracinha, USP, não frequentei a casa de tal colunista e tal sociólogo. A elite intelectual é progressista, então o preconceito é menos escancarado. Mas ele existe.

Pensava que, quando saísse da elite da publicidade, das casas horrorosas da Vila Olímpia e dos condomínios fechados em Iporanga, ia me encontrar nessa elite progressista. Já me senti muito mal em festas em bibliotecas de pé-direito alto em Perdizes ou em Higienópolis. Não era bem tratada, com a desculpa de ser loira e publicitária, mas percebi que no fundo era porque eu não tinha feito as escolas que eles fizeram. Dá para ter mal-estar nas duas elites.

Você recebe muitas críticas?

Geralmente, sou criticada por uma galera desaplaudida, que adoraria vender livro e não consegue, porque estudou muito, mas na hora de se comunicar é chata. Tem épocas que fico mais abatida, tem épocas que ignoro. Graças a Deus, saí do Twitter (atual X), porque ali tinha um bando de desempregados xingando quem está trabalhando. Já teve escritor ensebado que veio falar: ‘Se você e a sua arte fossem verdadeiras, você seria uma daquelas pessoas em um apartamento minúsculo na Pompeia com um milhão de livros que não se vendem’. Comprei meu primeiro apartamento porque a primeira comédia que roteirizei fez 4 milhões de bilheteria nos cinemas. Comprei à vista e, quando saio com esses amigos ensebados, com três mestrados e dois doutorados, tenho que pagar almoço e jantar para eles. Não quero essa vida para mim. Sou muito feliz ganhando dinheiro, gosto demais de dinheiro e ganho dinheiro sendo artista no Brasil. Tenho muito orgulho disso.

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Seus estudos de psicanálise fazem parte da sua escrita?

Sim. Comecei a estudar psicanálise quando a Maria Adelaide Amaral, que trabalhava comigo na Globo, disse: ‘Você escreve bem os personagens que se parecem com você e escreve mal os que não se parecem. Isso significa que você tem um estilo, mas também significa que você não é uma boa colaboradora’. Saí achando que aquilo era uma crítica, acordei no dia seguinte achando que foi o melhor elogio que já recebi. Estudei psicanálise para entender a psique humana e criar personagens para além da minha obsessão de me entender. Isso só aumentou a minha necessidade louca de falar de mim. Entendi que não ia dar certo escrever sobre personagens. Mas não sou psicanalista, não estudei nem um décimo do que deveria. Por isso, em todos os meus projetos de psicanálise, me coloco num lugar de aprendiz.

“Estudei psicanálise para entender a psique humana e criar personagens para além da minha obsessão de me entender. E só aumentou a necessidade louca de falar de mim”

Como é escrever sobre a própria vida? Tem medo de magoar pessoas?

Fico com medo, mas não deixo de fazer. Tenho medo de magoar a minha mãe, de a minha filha crescer e não gostar de alguma coisa. Tive pavor de lançar esse livro, porque ele expõe muito um ex-namorado que amei profundamente. Mandei o livro para ele antes, e ele deixou publicar. Meu ex-marido também já ficou muito chateado, por isso há muito tempo não escrevo nada sobre ele.

Como é sua relação com São Paulo?

Tentei morar no Rio de Janeiro e foi quando entendi o quanto amo São Paulo. É onde estão meus pais e meus amigos. E gosto de coisas feias. Gosto do Minhocão, daquela subida chegando na Consolação, daquele túnel… Aquilo me dá um prazer. Gosto dos cinemas, dos cafés, dos teatros, de todos os restaurantes. Amo o Ici Bistrô, é aqui em Higienópolis. Lembro desses apartamentos cheios de bibliotecas, que eram meu sonho.

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Sente que o estereótipo de paulistanos serem workaholics é verdadeiro?

A minha geração ficou muito doente. Meu primeiro emprego foi em agência de propaganda, e era uma época em que se não trabalhasse dezesseis horas por dia era demitida. Quando comecei a fazer meus projetos autorais, entendi que amava trabalhar, e aí está o perigo. Porque às vezes trabalho o dia inteiro. Alguns relacionamentos meus acabaram por causa disso. Tenho mais prazer em trabalhar do que em namorar. Mas não acho mais que isso é algo de que tenho que ter orgulho. Estou começando a achar que é ridículo, que estou perdendo coisas, deixando de ver amigos. Tenho 45 anos, estou no auge da minha taradice, e muitas vezes deixo de transar para ficar trabalhando. Será que eu vou estar no auge da minha taradice daqui a quinze anos? Depois da menopausa? Agora, estou tentando focar no que importa e não pegar tudo o que aparece.

Publicado em VEJA São Paulo de 23 de abril de 2025, edição nº2941.

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