No marco dos 25 anos do Altas Horas, Serginho Groisman fala sobre projetos futuros
Com trânsito livre na classe artística e convidados sempre ecléticos, o apresentador avalia a longeva carreira na televisão

Em uma sala dos Estúdios Globo, em São Paulo — onde passa ao menos dois dias por semana —, Serginho Groisman, 75, criou um pequeno refúgio que condensa mais de quatro décadas de carreira no jornalismo. Se desculpando pela “bagunça” ele recebe a reportagem da Vejinha e mostra algumas das lembranças penduradas nas paredes e espalhadas pelos móveis. Em uma mesa, um navio em miniatura traz o brasão do Corinthians, o time do coração, nas velas. “Uma raridade”, define. O presente foi dado por um dos detentos do extinto Carandiru, na época em que Serginho ousou algo inédito: gravar, em 1992, um programa de TV aberta dentro da Casa de Detenção de São Paulo.
Acima do navio, uma estante guarda álbuns de artistas que já passaram pela arena do Altas Horas — amigos, ídolos, parceiros de palco e conversa. Do outro lado, um quadro inusitado: Serginho, de palhaço, segura uma criança presa a uma nuvem de balões. “Foi num especial com o Cirque du Soleil. Tive quatro semanas para me preparar”, recorda. Agora, às vésperas de celebrar os 25 anos do programa, ele se prepara para um episódio especial: uma homenagem a Caetano Veloso, com a presença de Gilberto Gil, Ivete Sangalo e Ney Matogrosso — que foram surpreendidos com um presente do aniversariante ao ganharem plateias batizadas com seus nomes. “Gravamos há algumas semanas. São conversas maravilhosas. Ainda tem o Pretinho da Serrinha, o Kleber Lucas e os filhos do Caetano. E conseguimos recuperar minha primeira entrevista com ele, de 1981, na Band FM. Bem no comecinho de tudo”, antecipa.

O programa vai ao ar no dia 11 de outubro. O pontapé inicial do Altas Horas, embora nunca exibido, surgiu em 1999 e já dava pistas do que se tornaria a produção. Nele, Elza Soares e Cássia Eller dividiram o estúdio em um ao vivo de quatro horas. O resultado, no entanto, não agradou ao grupo focal reunido por Marluce Dias, então diretora-geral da Globo. “Ela falou: ‘não foi aprovado, vamos começar outro projeto’. Aí pensei: o Silvio (Santos) tinha razão. Ele dizia que eu não era a cara da Globo, e sim do SBT”, conta ele, sem mágoas, lembrando do exchefe que tentou mantê-lo na antiga emissora. Desanimado, cogitou voltar para a antiga casa. Mas, pouco depois, veio a reviravolta: Marluce deu carta branca ao apresentador.
“Quatro horas era uma loucura. Aí pensei em fazer gravado, com duas horas, começando meia-noite.” Na prática, nunca foi bem assim. “Teve madrugada em que começou 3h15 e terminou às 5h15”, ri. Um dos maiores acertos do programa, jogar os holofotes na plateia, é um modelo que o apresentador construiu ao longo dos 38 anos na televisão entre muitos perrengues. “Uma vez, no SBT, uma menina pediu pra ficar pelada. Eu falei: ‘então tira a roupa’. E ela tirou”, conta com a naturalidade de quem já viu de tudo.
Com a chegada das redes sociais, momentos como esse ressurgem e viralizam. Recentemente, voltou à tona o episódio com a banda The Smashing Pumpkins. “Eles tinham uma visão bem desprezível do Brasil e davam patada na plateia. No intervalo, tive a ideia de perguntar qual brasileiro eles queriam conhecer no Brasil. Responderam: ‘Ronaldo Fenômeno’. Por coincidência, ele estava ali nos estúdios. Mandei chamar.” O resultado? O ídolo do futebol entrou no palco, levando as arquibancadas à loucura — e ainda pediu autógrafo para a banda. “Ele nem sabia quem era a banda”, diverte-se.
Em uma era de streaming, o Altas Horas se mantém como uma instituição nas madrugadas brasileiras, alcançando média de 11 pontos no Painel Nacional de Televisão — 83% acima da soma dos concorrentes — e, em 23 de agosto, bateu recorde com 15 pontos. Para além dos números, Serginho mira o futuro com renovações do conteúdo. Parte disso já começou: o retorno pontual de quadros clássicos — como a sexóloga Laura Muller, que já fez uma participação em maio lembrando o quadro no programa, que comemora um quarto de século. Outros são projetos em execução do apresentador, que analisa trazer colunistas e mais debates.
Dono de um currículo diversificado — chegou a cursar direito e história, formou-se jornalista e foi professor universitário de rádio e TV na Faap —, agora quer resgatar esse lado, discutindo temáticas da educação. “Tenho algumas ideias para o ano que vem. Projeto de estúdio, mas fora do Altas Horas. A ideia é focar em adolescentes”, antecipa. Do tempo em que lecionava, tirou também a vontade de criar um programa em arena, com luz dividida entre plateia e convidados, o que se concretizou em 1990, com o Matéria Prima, na TV Cultura, e se consolidou com o Programa Livre, no SBT, a partir de 1991. Hoje, com mais de trinta anos nas telinhas, quer voltar às ruas. “Quero experimentar essa saída não mais como repórter anônimo.”, admite.
Fora do trabalho, mantém uma vida pessoal discreta. “As redes sociais, só uso para o trabalho, não tem fotos da minha família.” Ainda assim, o filho, Thomas, 10, vez ou outra aparece no programa, fruto da vontade própria. “Outro dia, a gente estava na rua e gritaram: ‘Ó, o Thomas!’ Aí eu percebi que já associam ele também.”
Serginho também tem outros planos no audiovisual. Um deles: um documentário sobre o Colégio Equipe, onde fez cursinho e foi produtor cultural, sendo responsável por inúmeros shows que aconteceram por lá durante a década de 70. Ali surgiu uma paixão pelo trabalho com o meio musical que rendeu inúmeras histórias. Um pedaço dela está no escritório na Globo, que abriga uma imagem sua encostado em um Fusca (veja o quadro na pág. 12). “Usava ele para pegar os artistas nos hotéis. Eu dirigia devagar e conversava com eles. Uma vez, entrou nesse carro o Delegado (mestre-sala da Mangueira), o Cartola, a Dona Zica, a Clementina de Jesus e o Nelson Cavaquinho. Eu só pensei: ‘Meu Deus, se eu bater esse carro eu acabo com a música brasileira’. Fui a 10 por hora”, brinca.


Na terça-feira (23), quando a reportagem visitou o estúdio, o apresentador emendou duas gravações e recebeu Supla, Tom Zé, Demônios da Garoa, Ton Carfi e Adriana Lessa para uma edição em homenagem à cidade de São Paulo. No comando de uma equipe de quinze pessoas, Serginho não deixa de cumprimentar um por um da produção, já pronto para gravar vestindo calça jeans — são duas que usa nos programas — e camiseta estampada. Logo, colegas de produção estranharam o calçado, um sapato social. “É só para as fotos!”, avisou, trocando depois por um par de tênis. Para ele, acessibilidade na linguagem e conforto no figurino são inegociáveis.
Trajetória
1970 • Colégio Equipe
Entrou como aluno e continuou por uma década coordenando o Centro Cultural.

1983 • Rádio Bandeirantes
Primeiro trabalho como repórter. Lá, entrevistou nomes da música e do esporte.

1987 • TV Mix
A entrada na televisão. O programa de variedades ficou no ar até 1989.

1990 • Matéria Prima

Com foco em entrevistas, Serginho deixava as perguntas para a plateia.
1991 • Programa Livre

O programa no SBT solidificou o estilo descontraído com conteúdo atual.
2000 • Altas Horas

Após quase um ano na geladeira da Globo, ele estreou com a presença de Rita Lee.
Publicado em VEJA São Paulo de 3 de outubro de 2025, edição nº 2964