“Eu saí do Skank, mas não briguei com a minha música”, diz Samuel Rosa
O músico, que se mudou para São Paulo, fala sobre a nova fase, com a filha recém-chegada, Ava, e o primeiro disco solo após três décadas na banda mineira
Tudo novo de novo para Samuel Rosa, 58. Vivendo em São Paulo desde 2020, no Jardim Paulista, o cantor e compositor mineiro acaba de lançar seu primeiro disco solo, Rosa (2024).
É um capítulo inédito na carreira após 32 anos dedicados à banda Skank, que encerrou suas atividades em 2023, harmoniosamente, com turnê de despedida pelo Brasil.
Para completar as boas novas, veio ao mundo em março sua terceira filha, Ava, fruto do relacionamento com a publicitária Laura Sarkovas. “É o ponto mais bonito aonde o ser humano pode chegar”, diz o artista, sobre a pequena.
Esses novos ventos inspiraram o álbum, com dez faixas inéditas, a maioria escrita no início do ano. Nesta sexta (2), a turnê de lançamento passa por São Paulo, onde não faltarão os hits do grupo que o consagrou, como Resposta e Dois Rios. Samuel também aborda sua relação com o cancioneiro da banda no papo a seguir.
Está se acostumando à vida de paulistano?
É muito louco. Para quem vive na estrada, uma mudança de cidade não é tão impactante. Sou um nômade há trinta anos, ainda que sempre fiz questão de ter o meu lugar, que era Belo Horizonte. Imaginei que fosse estranhar um pouco viver em outra cidade, apesar de São Paulo e BH guardarem algumas semelhanças, como o clima e a atmosfera urbana. Estou achando bem tranquilo. Agora, é diferente você se mudar para uma cidade que tem uma porção de amigos e família, afinal, eu casei com uma paulista. Domingo tem pizza, entendeu? (Risos) Me sinto muito acolhido, e, para quem trabalha com música, não tem comparação, é muito mais fácil morar aqui. Sinto que meu ciclo em BH foi cumprido. É uma cidade que traz muita nostalgia e que não é mais aquela em que eu cresci.
Qual a sensação de ser pai pela terceira vez, a essa altura da vida?
O nascimento da Ava mexeu muito comigo, emocionalmente. Eu compus o disco enquanto a Laura estava grávida, e acho que isso, inconscientemente, impactou as músicas. A iminência de ser pai de novo. É inegável a motivação de ver uma criança sendo gerada. E agora me bateu de novo quanto um ser humano precisa de investimento, de carga afetiva, de carinho, de amor, de dedicação para virar uma pessoa. Cuidar de alguém é das coisas mais nobres e sublimes. É um doar sem nenhum tipo de retorno, a não ser o bem-estar do outro. Não estou cuidando da Ava para que um dia ela me abrace e diga: “Pai, obrigado”. Provavelmente ela não vai fazer isso, porque tenho outros dois e já sei como é (risos). O agradecimento vem através de gestos, do carinho, do olhar.
“Cuidar de alguém é das coisas mais nobres e sublimes. É um doar sem nenhum tipo de retorno, a não ser o bem-estar do outro”
Como foi o processo de composição do disco?
O nosso processo criativo é muito glamorizado. A forma com a qual eu consigo ter um fluxo maior de criação é me propondo um exercício cotidiano, uma disciplina. Então me programei e, no verão inteiro, compus de manhã, sempre sozinho, em Belo Horizonte. À tarde, ia para o estúdio mostrar as músicas. Foi muito solitário, não no sentido melancólico, mas como um processo pessoal, eu estava precisando disso. Fiquei em uma banda por trinta anos, cara. Quantas vezes você já ouviu falar em turnê de comemoração de 25, trinta, quarenta anos? Banda velha é isso. Então fui no “vai ou racha”, e busquei a matéria-prima para o álbum em mim mesmo. Ainda mais agora, que me descolei de uma instituição que durou três décadas, em que tudo era resultado de trabalho em equipe. A banda eram cinco, com o Fernando Furtado, nosso empresário, que também opinava artisticamente. Dessa vez, não tinha isso, daí que o disco é um pouco autorreferente, e por isso esse título.
O primeiro show do Skank foi em São Paulo, em 1991. O que você lembra daquela noite?
Me lembro muito bem dessa noite, foi no dia 5 de junho. O Skank nunca mudou a formação, já éramos eu, Henrique (Portugal), Lelo (Zaneti) e Haroldo (Ferretti). Nós somos a exceção à regra, nenhuma banda durou trinta anos no Brasil, nem no mundo, com a mesma formação, não é para durar esse tempo todo (risos). Em atividade, só os Paralamas (do Sucesso). Aqui em São Paulo, tinha uma casa que se chamava Aero Anta. Lá, às quartas, tinha uma programação do Otávio Rodrigues, ele escrevia sobre reggae. Ele ouviu o nosso trabalho, bem dancehall, misturado com música brasileira, e nos convidou para tocar lá.
Seu filho Juliano é vocalista e guitarrista da banda Daparte. E sua filha Ana também canta. Como é ver essa herança musical em seus filhos?
O Juliano já está em um esquema mais profissional, a banda vai lançar agora o terceiro álbum. A Ana estuda arquitetura, mas tem um flerte com a música, e começou a se apresentar em alguns lugares e receber elogios. Agora está encarando uns botecos em Belo Horizonte. Ela me surpreende pela tranquilidade. Eu, na situação dela, não teria o desprendimento que ela tem no palco. A música faz bem em qualquer instância. Quem trabalha com isso deveria agradecer muito por poder tocar e cantar. Quando eu descobri a música, minha vida mudou completamente. Me fez um bem, de autoestima, de socialização, de entender o mundo, culturalmente…
O que você diz para as pessoas que esperavam uma ruptura completa com o som do Skank?
Acredito que eu não estou repetindo o Skank. É a percepção de cada um. Acredito que sou um artista versátil, e quero exercitar isso. O Skank foi uma banda muito diversa também. Não fiquei preocupado com a ruptura, porque eu sei que ela veio e virá ao longo dos anos. Então alguém ouve o disco e fala: “Achei bem diferente do Skank”. E outro: “Lembra muito o Skank”. Justificável, o compositor é o mesmo (risos). O Skank não era filiado a nada, não tinha estilo. Então é muito difícil soar diferente de algo que eu ajudei na concepção e foi tão plural, é uma briga perdida. Eu saí do Skank, mas eu não briguei com a minha música. Não vou deixar de tocá-las, essa não é a minha preocupação.
Quais os próximos passos de sua carreira?
Tenho um outro disco pronto, mais dez músicas que não entraram nesse por algumas questões. A primeira foi o tempo, porque a minha filha nasceu e eu já tinha gravado dez — o que, para o mundo do streaming, é quase um álbum triplo. Ninguém escuta mais disco hoje. Mas uma coisa é certa: não quero ficar tanto tempo sem gravar músicas inéditas, como o Skank ficou.
Publicado em VEJA São Paulo de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904