O universo de Raul Seixas e Paulo Coelho pelos atores Ravel Andrade e João Zappa
Parceria icônica do rock brasileiro ganha vida pelos intérpretes e amigos nos 80 anos do roqueiro baiano, homenageado em exposição no MIS

Difícil pensar que não foi obra do destino o encontro dos atores Ravel Andrade, 33, e João Pedro Zappa, 36, na pele de Raul Seixas (1945- 1989) e Paulo Coelho, respectivamente, na produção Raul Seixas: Eu Sou. A química que transborda da série do Globoplay mais vista desde a sua estreia, em junho, não é só fruto de muito trabalho, mas também da amizade entre os intérpretes.
Lançada em meio às homenagens do aniversário de 80 anos do roqueiro baiano, assim como a exposição Baú do Raul, em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS) até 28 de setembro, a biografia audiovisual chacoalhou a vida de muitos — da família do ícone do rock nacional aos dois atores.

O carinho e o entrosamento entre eles estavam no ensaio de fotos exclusivo dos amigos para esta edição de VEJA SÃO PAULO. Os dois costumam competir pelos mesmos papéis, por causa do tipo físico e idade semelhantes. “É um milagre estarmos juntos em um trabalho tão grande. Ravel é um ator magnífico”, elogia o carioca João, que é fã de Raul Seixas desde criancinha. “Criamos esses personagens juntos. Tenho ele como um professor e um irmão”, afirma o gaúcho Ravel, que também é músico.

Um dos culpados dessa junção muito bem-sucedida é o diretor Paulo Morelli. “Testamos várias pessoas para os papéis. O Ravel, além de ser um gigantesco ator, tem um físico parecido, toca violão e canta muito bem”, diz ele, que dividiu a direção com seu filho, Pedro.
“João não parou de surpreender. Ele foi incorporando o Paulo Coelho, com todo um gestual de corpo e voz”, completa. Com oito episódios e produção da O2 Filmes, a obra aborda toda a vida de Raul Seixas — desde a descoberta do rock na infância até sua morte, em seu apartamento na Rua Frei Caneca, em São Paulo.

Após descobrir que seria o protagonista, em dezembro de 2022, Ravel passou mais de dois meses em preparação. “É um personagem de composição. Ou seja, ele anda, fala e olha diferente de mim. Até a última diária (de gravação), chegava em casa e continuava estudando”, conta. Com direção musical do produtor Kassin, as cenas de cantoria misturam a voz do ator com a do artista maranhense Tony Gambel, cover de Raul.
João Zappa trouxe o seu “sotaque” do Paulo Coelho desde o primeiro teste. Além de toda uma equipe de profissionais, a parceria dos atores ajudou nas transformações e acrescentou um tempero especial aos episódios. “Estávamos vestidos com esses personagens, que eram completamente diferentes de nós, mas o olhar e a admiração eram reais”, diz Ravel.

Com roteiro de Denis Nielsen com Lívia Gaudencio e Marcelo Montenegro, a produção ainda embarca nos misticismos que não poderiam faltar quando se fala da dupla de compositores, ativa entre 1971 e 1978, com frutos como as canções Sociedade Alternativa, Gita e Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás.
Quem conhece muito bem todas essas letras e melodias é João. “Quando pequeno, eu endeusava o Raul. Depois fui humanizando ele, e fiquei ainda mais fã”, diz o ator, que começou no teatro aos 13 anos, na tradicional escola O Tablado, no Rio. Aos 19, estrelou seu primeiro longa, Ressaca (2009), de Bruno Vianna. Destacou-se em filmes como Boa Sorte (2014) e Gabriel e a Montanha (2017) e no seriado biográfico Santos Dumont (2019), da HBO.



Viveu dois anos em São Paulo, na Vila Madalena, até o fim das gravações da série, que aconteceram no Butantã, na região central e também no interior. Para viver o letrista, que veio a se tornar um dos escritores mais lidos da história, com o sucesso O Alquimista (1988), João ganhou 8 quilos. “Raul não teria sido o que foi se eles não tivessem se encontrado. E certamente o Paulo não seria esse best-seller se não tivesse aprendido com ele a se comunicar com as massas”, opina.
Ravel também interpretou Paulo Coelho, ao lado do irmão, Júlio Andrade, na cinebiografia Não Pare na Pista (2014). Mas seu primeiro teste, coincidentemente, foi para o papel de Raul, em um programa da TV Globo — aos 14 anos, mergulhou na obra do cantor, mas não conseguiu o papel. Aos 16, entrou em uma escola de teatro em Porto Alegre. Aos 19, veio para a capital paulista, onde morou por dez anos. “São Paulo foi onde nasci artisticamente. Fui completamente abraçado pela cidade”, diz ele, que hoje mora no Rio de Janeiro com sua companheira, a atriz Andréia Horta, e a filha, Yolanda.



Em paralelo aos filmes e séries, também forma com Danilo Mesquita a dupla musical Beraderos. Além de novidades audiovisuais, como a série Brasil 70 — A Saga do Tri, da Netflix, e os filmes Rio de Sangue e Asa Branca — A Voz da Arena, Ravel vai lançar um disco solo.
A decadência e o alcoolismo não são esquecidos em Raul Seixas: Eu Sou. “A ideia não era fazer algo chapa-branca. Inclusive, no contrato com as herdeiras, era uma condição: não queríamos submeter o roteiro a nenhum tipo de aprovação”, diz Paulo Morelli. A intenção foi humanizar uma figura folclórica da cultura nacional. “A maneira como ele morreu foi muito ruim. É importante lembrar que, antes do ‘maluco beleza’, existia um ser humano sensível e amoroso”, pontua Ravel.

O retorno mais emocionante que os atores receberam sobre a série foi de Scarlet, filha de Raul com Gloria Vaquer. “Ela escreveu que a série foi uma espécie de cura”, diz Ravel. “Quando li, não acreditei. Uma série em que ajudei a contar a história do meu ídolo foi tão especial a ponto de dissolver mágoas na família. Nenhum prêmio é melhor que isso”, complementa João, ainda impressionado com o impacto.
Única filha de Raul que vive no Brasil, Vivi Seixas compartilha sua reação ao assistir à série. “Senti orgulho, mas também um peso emocional, porque é a nossa vida ali exposta.” Antes das gravações, ela trocou com Ravel sobre o pai. “Houve um cuidado que fizemos questão de passar: Raul falava baixo, de maneira calma, era muito educado, sensível, nada espalhafatoso.” Outra resposta importante sobre a série veio de Paulo Coelho, com elogios em entrevistas e e-mails para a produtora, além de solicitar o contato de João Zappa para lhe agradecer.

Ao falar da conexão entre Raul e Paulo, Ravel lembra do primeiro encontro com João. “Quando nos conhecemos, rolou uma conexão muito profunda.” Os dois se encontraram por meio de uma ex-namorada e amiga em comum. “Quando fui cumprimentá-lo, ele me deu um abraço que parecia que a gente se conhecia. Na segunda vez que nos vimos, já foi uma festa”, conta João. Nada como a força de uma amizade para criar arte. “Em nossas cenas tem amor verdadeiro, sem nenhuma mentira nem maquiagem, só uma irmandade muito forte”, sintetiza Ravel.

Exposição sobre Raul Seixas está em cartaz no MIS
Baú do Raul está em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS) até 28 de setembro. A exposição, uma das melhores programações do ano, é um verdadeiro mergulho nos objetos pessoais do “maluco beleza”, com cerca de 500 itens ao longo de quinze salas expositivas. Os destaques incluem os manuscritos originais de canções como Cowboy Fora da Lei e Gita, o colete usado por Raulzito no clipe desta última e seu primeiro violão.

Os itens são das coleções de Kika e Vivi Seixas, respectivamente sua excompanheira e sua filha caçula, e também do fã número 1 e guardião de sua memória, Sylvio Passos. “É uma união de fontes legítimas, cuidadas com muito carinho e respeito”, sintetiza Vivi.
O museu terá programação especial neste sábado (23), com o lançamento de livros sobre Raul e a exibição, às 16h, dos dois primeiros episódios da série, gratuitamente. MIS. Avenida Europa, 158, Jardim Europa, ☎ 2117-4777. ♿ Ter. a sex., 10h/19h. Sáb., 10h/20h. Dom. e feriados, 10h/18h. R$ 30,00 (ter., grátis). Até 28/9. ■

Publicado em VEJA São Paulo de 22 de agosto de 2025, edição nº 2958