Prestes a lançar novo filme, Irene Ravache fala sobre novos projetos
'Não me vejo fazendo novela", afirma a atriz

Considerada uma das damas do teatro e da televisão, Irene Ravache vive um momento de renovação. Aos 81 anos, a atriz carioca não pensa mais em fazer novelas. Além de continuar se dedicando aos palcos, trabalho que, em São Paulo, a fez ser reconhecida com o título de cidadã paulistana, ela quer se entregar ao cinema. Depois de participar dos filmes O Clube das Mulheres de Negócios (2024), de Anna Muylaert, e Passagrana (2024), de Ravel Cabral, integra o elenco do novo Os Enforcados (2025), lançado no dia 14 deste mês.
Ela interpreta a mãe de Regina (Leandra Leal), uma mulher que cai numa espiral de crime e violência junto do marido Valério (Irandhir Santos), ambos envolvidos em um esquema de caça-níqueis no subúrbio carioca. A guinada cinematográfica não para por aí, pois Irene atua em (Des) controle, de Rosane Svartman, ao lado de Carolina Dieckmann, com previsão de lançamento para 2026.
Apesar da agenda cheia, está em um momento de pausa para destinar tempo às “pequenas coisas”. A decisão veio após ser hospitalizada no início deste ano, com um quadro de pneumonia e hepatite. O estado de saúde a obrigou a suspender a peça Alma Despejada, mas o repouso não deve demorar muito, pois outros projetos já estão no radar. Confira a entrevista abaixo.
Por que quis fazer parte de Os Enforcados?
Achei o roteiro muito divertido. Só tem gente maluca. É uma destruição atrás da outra. A mãe que eu faço é uma antimãe de todas que já fiz. Eu sou a Dona Lola, de Éramos Seis (1994). Eu sou mãe do Brasil, de certa forma. Até hoje, quando as pessoas me veem, falam com carinho sobre ela e me olham com cara de filho. Aí surge essa mãe de Os Enforcados, descarada e pouco maternal. Achei o filme tão corajoso, irreverente e despudorado.
Quais foram suas referências para a personagem?
A principal veio do noticiário policial. Quando você lê aquela notícia e pensa: que tipo de mulher é essa, que não está protegendo sua cria? Tem uma coisa da decadência, ela tenta tirar proveito das pessoas, fazer o jogo do bandido, mesmo que ferrando a filha. Quando você envelhece, precisa estar atento e forte quase diariamente para preservar a integridade moral e ética e não cair nessa.
Sua primeira cena é uma leitura de tarô. Você é entusiasta de práticas esotéricas?
Já fui mais. Assim que me mudei para São Paulo, em 1967, estava começando a minha carreira e conheci um homem que fazia leitura da mão de personalidades importantes. Era um apartamento na Avenida São Luís. Ele pegou a minha mão e disse: “Nunca vi o triângulo da medicina tão bem desenhado em uma palma, esse é o seu caminho”. Respondi que estava começando no teatro e ele rebateu: “Nada disso, é medicina”. Fiquei cabisbaixa. Nunca pensei em ser médica, mas faço um bom curativo (risos). Para a personagem, comprei um baralho de tarô, para ter familiaridade na cena, e o diretor nos deixou duas profissionais à disposição. Acho bonito o jogo, é muito teatral.
O que a encanta no novo cinema brasileiro?
Amo filme de gente jovem. Posso até não entender muito por que fazem como fazem, mas sempre digo aquela frase do Belchior: “O novo sempre vem”. É bom que venha. Estudo envelhecimento, leio e escrevo muito sobre isso, mas não sou de falar que tudo era melhor no meu tempo. Tinha coisa melhor e pior.
Como vê o consumo de novelas hoje em dia? Por que personagens como a Dona Lola ficam marcadas até hoje?
Eu credito o sucesso da personagem à história, de fácil identificação. É de uma família que sofre, mas tem positivismo. Os personagens não são cafajestes, como se vê hoje em muitos roteiros. É uma história possível, com pessoas possíveis. Não assisto a muita novela atualmente. Vejo a do meu neto ator, Cadu Libonati. É Guerreiros do Sol, a melhor do momento, acompanho com prazer. Teve outras que não me encantaram.
Sou mãe do Brasil. Até hoje, quando as pessoas me veem, falam com carinho sobre a Dona Lola, de Éramos Seis (1994), e me olham com cara de filho
Que trabalhos pensa em fazer hoje em dia? Voltaria aos folhetins?
Não me vejo fazendo novela. Me vejo fazendo filme, teatro. Quando você se compromete a fazer novela, tem que calcular um ano à disposição. Hoje em dia, um ano para mim é muito, minha fita métrica é curta. Tem coisas que quero fazer. No ano passado fiz uma excursão pelo Sul e Sudeste do Brasil com meu espetáculo, Alma Despejada. Continuei no início de 2025, mas fiquei doente, tive pneumonia, hepatite, fui hospitalizada. Decidi parar a temporada e me dar um tempo. Sem a intenção de fazer grandes coisas, como viagens, mas com a intenção de fazer as pequenas coisas de que não tive chance quando o ritmo de trabalho era intenso. Tomar um chá com uma amiga, pegar a neta na saída da escola, levar para tomar sorvete. Me dei de presente este ano.
Tem projetos em vista?
Recebi convites, continuo recebendo, alguns recusei. Em maio, fui a Buenos Aires fazer um trabalho ligado à literatura. Provavelmente farei um filme ainda neste ano.
Tem algum sonho que quer realizar?
Nunca fiz um personagem masculino. É muito difícil fazer e pensar como um homem. Não é só o invólucro, mas o todo. Os hormônios são diferentes. Me intriga muito. Nunca tive um grande desafio na carreira. Já tive que fazer uma mulher mais velha, mas nesse caso seria outra alma. É uma transformação visceral.
Como encara procedimentos e pressão estética?
Quando decidi não fazer nada foi porque eu pensei assim: como vai ficar minha cara? Eu vou aguentar esse negócio de me ver ficando velha? As pessoas não aguentam conviver com a ruga, com a beleza indo embora. Às vezes penso em fazer meus lábios ou minhas pálpebras, mas nunca parto para a ação. Quando saio, passo um batom, porque sempre ouvia minha mãe dizendo para as amigas: “Não vai passar nem um batonzinho?”. Mas também tenho saído de cara lavada. Todos os homens saem.
Como divide a rotina entre Rio e São Paulo?
Moro mais em São Paulo. Meus filhos e minha neta moram aqui. Ganhei o título de cidadã paulistana, mas sou carioca. Sou Flamengo e Corinthians. Mas quando brigo ou fico nervosa, vem uma mulher cheia de “chiadeira”. Gosto muito de cidades pequenas. Não queria estar em nenhuma capital, por causa da falta de liberdade e de segurança. Enquanto isso, tento aproveitar o que cada uma tem de melhor. Sou muito grata a São Paulo, fico boba quando pensam que sou paulistana.
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de agosto de 2025, edição nº 2956