Por dentro do acervo da Pinacoteca
Dez funcionários trabalham na conservação e restauro das quase 12 000 obras que integram a coleção do museu de 1905
Quem passeia pela Pinacoteca muitas vezes não faz ideia do tamanho do tesouro que se esconde em suas recônditas salas do subsolo. E do trabalho que dá preservá-lo.
O museu fundado em 1905 possui um acervo com quase 12 000 obras, que datam desde o século XVII. Mas doze mil? Você deve estar se perguntando onde caberiam tantos trabalhos assim. Na verdade, eles não estão todos lá: dividem-se entre duas salas climatizadas no subsolo da Pinacoteca (cerca de 7 000 moram lá), outras duas salas no museu-irmão Estação Pinacoteca, em galpões terceirizados (onde ficam as obras maiores) e em museus parceiros do Brasil e do mundo, para onde seguem com o intuito de fazer parte de exposições temporárias ou entrar em regime de comodato.
A responsável por cuidar deste acervo nada modesto é Valéria de Mendonça, de 58 anos, que há 20 criou o núcleo de conservação e restauro da Pinacoteca e atualmente coordena uma equipe de dez funcionários. “A missão de um museu é conservar e divulgar o seu acervo”, afirma, categórica, para explicar na sequência que “o trabalho de restauração é posterior, somente em caso de dano.”
Mas o trabalho não para por aí: sob encargo de Valéria também fica o controle da temperatura, a luminosidade incidente e a atenção na quantidade de poeira que acaba invadindo o museu diariamente. Ela também trabalha conjuntamente com outras equipes da Pinacoteca na conservação das salas (se há algum possível foco de infiltração ou goteira), o transporte e manuseio das obras, o treinamento de monitores para a vigilância e a prevenção de incêndio.
Todo esse cuidado vale tanto para as obras que fazem parte do acervo, como também para as que chegam para mostras temporárias, tanto nacionais, quanto internacionais. Uma vez dentro da Pinacoteca, a responsabilidade é do próprio museu. Isso significa que se por acaso alguma obra for avariada por um visitante, o único ônus será o estresse que ele poderá sofrer. “O primeiro passo é acalmar a pessoa que causou o dano. A responsabilidade é nossa”, diz Valéria. “Depois, partimos para a avaliação da obra e o seu futuro restauro.” Em 20 anos de Pinacoteca, Valéria disse nunca ter precisado reparar um grande dano.
Os cuidados necessários
O foco de seu trabalho é essencialmente a conservação. Quando VEJASÃOPAULO.COM visitou as salas de restauro e o acervo técnico (onde as obras ficam armazenadas), doze obras estavam passando por restauro. Valéria conta que o tempo, na maioria das vezes, é o maior inimigo. “O nosso trabalho consiste em sempre pensar na melhor maneira de conservar uma obra para a posteridade, quando inclusive o artista não estiver mais vivo”, revela, com brilho nos olhos.
Uma grande tabela periódica adorna uma das paredes da sala: é função do restaurador diagnosticar com precisão o problema da obra (seja por meio da experiência do profissional ou pelo auxílio de aparelhos, como raios X ou infravermelho, entre outros) e saber quais materiais (cola, verniz, etc) e mix de cores deve utilizar para aproximar o resultado final da obra original do artista. Já aconteceu de uma análise mais profunda ter mudado o tipo de material ao qual a obra havia sido originalmente catalogada – por exemplo, pensar que o aglutinante do trabalho era óleo e, na verdade, ser caseína.
No caso das obras contemporâneas há de se analisar o meio utilizado pelo artista para se pensar em como ele poderá ser preservado com a evolução da tecnologia – um exemplo recorrente é quando o trabalho foi realizado em uma fita VHS ou CD.
E quando o assunto são as 37 obras do acervo da Pinacoteca espalhadas pelo Parque da Luz? O trabalho de conservação lida, então, com as intempéries da natureza. “Já houve casos muitos engraçados, como, por exemplo, quando tivemos de chamar um apiário para retirar uma colmeia presa em uma das obras”, lembra Valéria.
Quem quiser acompanhar o trabalho dos profissionais ao vivo deve se dirigir até o subsolo da Pinacoteca, de terça a sexta, das 10h às 18h (às quintas, até as 22h). Depois da reforma realizada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, entre 1993 e 1998, há vidros por todo o espaço e é possível observar o trabalho minucioso dos restauradores nos bastidores.