“Perdi o controle da bicicleta e atropelei meu futuro marido”
Nosso Louco Amor: Sara Velloso, 52, conheceu o marido em um acidente de bicicleta e os dois já correram as seis maiores maratonas do mundo
“Até os 40 anos, eu nunca tinha corrido. Era sempre a última a ser escolhida na aula de educação física. Era míope e a mais alta da turma, então sempre fui desengonçada. Também era sedentária e mais tarde fui fumante, vício que larguei há vinte anos. Em 2008 estava recém-divorciada e meu irmão e minha cunhada me levaram à USP para conhecer a equipe de corrida. Fui sem grandes intenções, mas encontrei por lá muitas pessoas interessantes e fiz várias amizades. Acabei ficando e passei a correr todos os sábados. Era melhor do que qualquer especialização, qualquer MBA que eu pudesse fazer. Em 2011 corri a minha primeira maratona em Berlim e, quando voltei, tive uma fratura por stress na tíbia esquerda, inflamação comum em atletas por causa do esforço repetitivo. Quando me restabeleci, aproximei-me do ciclismo e deixei a corrida um pouco de lado.
Eu sempre pedalava em pelotões na estrada, mas naquele fim de semana, em dezembro de 2014, preferi dar uma volta na USP. Em dado momento, eu me distraí com o medidor de velocidade, perdi o equilíbrio da bicicleta e atropelei o Nelo, 56, que estava correndo. Existe uma rixa entre corredores e ciclistas, que reclamam que quem corre não respeita a pista. Ele não tinha se machucado, só o coração que ficou um pouco abalado, eu brinco. Parei para pedir desculpas e ele me disse que poderíamos discutir isso em um jantar. Trocamos os números de telefone e marcamos o encontro. Três semanas depois, começamos a namorar.
No início fiquei um pouco preocupada, porque eu não queria mais me casar. Eu dizia que não queria mais ninguém na minha vida, que era muito agitada. Marcava os dias para descansar em casa. Meus fins de semana eram dedicados aos treinos, viajava para fazer provas e ainda tinha o meu trabalho como administradora financeira. Mas, para mim, ou era sério ou não era para ser. Disse a ele que, se fosse para me colocar em “banho-maria” por anos, eu preferia ficar sozinha.
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Ele era maratonista e, quando o conheci, já tinha corrido os circuitos de Berlim e Nova York e estava treinando para Tóquio, que seria o seu terceiro. Foi ele quem me convenceu a voltar a correr. Eu era muito focada, queria fazer tudo certinho, e o Nelo dizia que eu precisava me divertir, gostar da prova, do contrário não valeria a pena. Ele me incentivou a me inscrever para o sorteio da Maratona de Nova York, e eu fiz a inscrição achando que não seria chamada. Em seguida, viajei para torcer por ele em Tóquio. Mandei fazer uma faixa — “Nelo!!! Eu te amo” — e escondi dele. Ele só foi descobrir o que estava escrito no quilômetro 35, quando nos encontramos.
Na mesma semana saiu o resultado do sorteio, e eu tinha sido selecionada para a prova. Isso foi em fevereiro e a maratona era em novembro. Nesse meio-tempo nós começamos a morar juntos, com pouco mais de três meses de namoro. Todo mundo perguntava quando iríamos nos casar, e a gente desconversava. O Nelo era separado fazia catorze anos e, desde então, tinha voltado a morar com os pais. Ele chegou a ficar noivo, mas nunca casava. Todo mundo estranhou quando ele arrumou as malas e veio morar comigo.
Foi então que descobrimos que tínhamos estado várias vezes na mesma prova, ao mesmo tempo. Inclusive em Berlim, em 2011. Nós votamos no mesmo colégio eleitoral a vida inteira, frequentávamos o mesmo mercado e o mesmo restaurante. Sempre fomos quase vizinhos e nunca nos encontramos! Até hoje minha cunhada diz que foi a mãe deles, na época já falecida, que olhou lá do céu e empurrou a minha bike para a gente se conhecer.
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Depois de um ano morando juntos, em 2016, resolvemos nos casar no cartório. Queríamos que fosse na mesma data que tínhamos nos mudado, que caía numa terça-feira. A atendente não queria deixar, disse que só faziam a cerimônia no sábado. Eu insisti e propus pagar à escrivã. Conseguimos nos casar na terça de manhã e mandei fazer docinhos para a nossa família e entregar em casa. Foi um casamento delivery.
Nós dois corremos a liga World Marathon Major, as seis maiores maratonas do mundo: Boston, Chicago, Nova York, Londres, Berlim e Tóquio. Menos de 150 brasileiros completaram todas. Essa história virou um livro que foi lançado neste ano, o Seis Corridas. Mas não somos atletas e não corremos sempre juntos, já que temos estilos bem diferentes. Ele é mais focado e prefere correr sozinho. Para mim, o esporte é minha vida social. É como se fosse happy hour, só que às 6 da manhã. Tem gente que bebe cachaça, eu bebo Gatorade. Por que não?
Não existe mar de rosas, né? Vida de Cinderela é só na história. Nós acordamos todos os dias e escolhemos fazer dar certo. Ele é cirurgião plástico e trabalha com administração hospitalar, então não parou na quarentena. Nós ficamos 130 dias sem treinar e estamos retomando agora. É complicado, mas prazeroso.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702.
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