“Não podíamos nos tocar antes do casamento religioso”
A muçulmana brasileira Mariam Chami, 29, conheceu o marido Mahmmud Manshni, 33, no Facebook. No mesmo ano, os dois se casaram e hoje têm um filho, Abdul
Como somos muçulmanos, sempre me perguntam se meu casamento foi arranjado. Eu brinco que foi sim, pelo Mark Zuckerberg, já que vi o Mahmmud, 33, pela primeira vez no Facebook. Achei ele muito bonito, mas não fiz nada. Mais ou menos dois anos depois, em junho de 2015, a irmã dele me mandou uma mensagem na mesma rede social perguntando se ele poderia me adicionar. É claro que eu aceitei e logo ele veio puxar assunto. Conversávamos com certa frequência e ele curtia todas as minhas fotos no Instagram.
Um dia, eu estava em um churrasco na casa dos meus tios e ele mandou uma mensagem dizendo que a mãe dele queria conversar com a minha. Minha família achou esquisito, já que ainda não tínhamos nada. Eu nem o conhecia pessoalmente, porque ele morava em Santa Catarina. Mesmo assim, decidi continuar conversando para ver onde iria dar. Então, quando ele me ligou pela primeira vez, nossas mães conversaram e minha sogra disse que ‘se tudo der certo, já marcamos o noivado’. Fiquei chocada, mas depois entendi que era uma questão de tradição familiar e respeito.
Na nossa religião, o homem e a mulher não podem se tocar antes do casamento, nem mesmo em um aperto de mãos. Os dois também não podem ficar sozinhos juntos, então quando saíamos sempre tinha alguém conosco. Nosso primeiro encontro foi no restaurante de comida árabe dos meus pais, o Chami Esfihas, em Santo André. O Mahmmud estava muito tímido, mas minha mãe fez um banquete e ele adorou. Depois disso, ele vinha para São Paulo um fim de semana por mês para me ver.
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Em outubro de 2015, ele propôs que fizéssemos o casamento religioso, em que assinamos um contrato perante Deus. Depois dessa celebração já poderíamos nos tocar e ficar sozinhos. Como ainda era cedo, eu estava em dúvida e fiz uma oração em busca de orientação. Senti que era o certo a ser feito, mas estabeleci que só iríamos consumar a união depois da festa de casamento, e ele concordou. Casamos no dia 31 de dezembro e eu estava supernervosa porque daria meu primeiro beijo, aos 24 anos. Estávamos muito felizes e ele pôde me ver sem o hijab pela primeira vez.
A festa aconteceu oito meses depois, em agosto. No dia, senti vontade de cancelar tudo porque ele desapareceu e não respondia às minhas mensagens. Estava enfurecida na sala da noiva quando a cerimonialista entrou e mostrou um vídeo que ele havia gravado naquela manhã, em que se declarava com uma série de cartazes coloridos. Em seguida, ele entrou vendado para me entregar o buquê, e eu derreti. A festa seguiu a tradição palestina, em que o noivo entra dançando junto com os amigos. Meu bolo de casamento gerou polêmica nas redes sociais, porque os noivinhos mostravam eu em pé, segurando uma frigideira, e ele sentado, fumando. Criticaram-me porque eu, uma mulher empoderada, estava servindo o meu marido. A verdade é que na época eu estava participando do programa Batalha dos Cozinheiros, na Record, e a boneca representava essa paixão. E eu nunca vi ninguém cozinhar sentado!
Depois que casamos, nos mudamos para Florianópolis e tivemos nosso primeiro filho, o Abdul, que nasceu no meio da pandemia. Desde o ano passado, eu produzo conteúdo no Instagram (@mariamchami_) para combater a intolerância religiosa. Recebo muitos comentários maldosos, de pessoas que acham que as mulheres muçulmanas são oprimidas ou supõem que meu marido tem outras mulheres e me força a usar o hijab. Tento lidar com humor e paciência. No começo, o Mahmmud não gostava da exposição, mas agora ele é meu empresário e já prometeu gravar um vídeo para o TikTok com a versão dele da nossa história.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711.