Artistas transgêneros e andróginos renovam cena musical da cidade
Liniker e a banda As Bahias e a Cozinha Mineira são alguns dos músicos que desafiam rótulos
Na década de 70, em plena ditadura militar, o grupo Secos & Molhados, estrelado por Ney Matogrosso, causou furor no país com suas canções (uma mistura de rock, folk e MPB), e com os trajes e maquiagens extravagantes usados nos shows. Ecos dessas performances andróginas, embaladas por boa música, podem ser encontrados, quase cinquenta anos depois, em figuras que começam a se destacar entre a nova safra de artistas do circuito alternativo paulistano.
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Na próxima sexta, 15, alguns dos expoentes do movimento vão se apresentar no Cine Joia, no centro, no festival Salada das Frutas. Uma das estrelas da noite é a banda As Bahias e a Cozinha Mineira. O som da turma tem pitadas de bossa nova, jazz e forró, entre outros ritmos. O repertório é composto das faixas de Mulher, álbum de estreia do grupo, lançado em 2015. As vocalistas da banda são as travestis Raquel Virgínia, paulistana do Grajaú, e Assucena Assucena, de Vitória da Conquista, na Bahia, que cantam sobre relacionamentos e adoram emular no palco o timbre de Gal Gosta.
Raquel e Assucena se conheceram na Universidade de São Paulo, onde cursavam a faculdade de história, e formaram o conjunto ao lado do guitarrista mineiro Rafael Acerbi. Por mês, fazem atualmente uma média de doze apresentações em casas de espetáculos de porte médio, com cachês de até 15 000 reais, quase sempre com bilheteria esgotada.
Essa cena começou a atrair a atenção de grandes patrocinadores, como a Avon. Veiculada no fim de junho e vista mais de 8 milhões de vezes, a nova campanha on-line da companhia traz as Bahias e outros colegas do circuito com o slogan “Para todes” — assim mesmo, sem as vogais “a” ou “o”. “Escolhemos artistas que têm orgulho de ser quem são”, diz Ricardo Patrocínio, vice-presidente de marketing para cosméticos da multinacional.
No vídeo, aparece também Liniker, companheiro das Bahias no projeto Salada das Frutas. Nascido em Araraquara, no interior de São Paulo, o cantor de 21 anos embala canções soul com sua voz rouca e suave. Apresenta-se ao lado da banda Os Caramelows sempre de batom, saia ou brincos grandes. Em período de crise econômica, conseguiu um feito considerável.
Por meio de um site de financiamento coletivo, pediu 70 000 reais para bancar a produção do primeiro disco, Remonta. Uma semana antes do fim do prazo, que expira em catorze dias, acumula uma quantia ainda maior, de mais de 80 000 reais. O disco deve chegar ao mercado em setembro, com dois shows de lançamento no Auditório Ibirapuera, marcados para 1º e 2 de outubro.
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Fazem ainda parte da onda nomes como Rico Dalasam (o primeiro rapper a assumir sua homossexualidade) e o cantor e compositor Jaloo. De visual andrógino, Jaloo foi escolhido pelo Itaú Cultural para se apresentar no festival Todos os Gêneros — Mostra de Arte e Diversidade, no início de julho. “Quando vim para São Paulo, encontrei pessoas como eu”, diz o rapaz de 28 anos, nascido em Castanhal, no interior do Pará. No seu primeiro disco, #1, de outubro passado, ele contou com um padrinho relevante no meio, o produtor Carlos Eduardo Miranda. “O Jaloo consegue unir o som das divas do pop com a vanguarda da música eletrônica e as raízes brasileiras”, diz o profissional.
As experiências pessoais deram origem à militância a favor do fim das barreiras entre os gêneros. Hoje com 27 anos, Raquel, de As Bahias e a Cozinha Mineira, lembra direitinho da primeira vez que saiu de casa vestida de mulher, em 2012. Andou da Rua Maria Antônia até o ponto de ônibus, na Rua da Consolação, e foi para a USP. Na época, pouco se parecia com a loira maquiada de olhar confiante que canta à frente da banda. Ouviu comentários agressivos, mas seguiu em frente. “Estava na minha hora e eu precisava me sentir bem comigo mesma”, diz.
Mas não é só a atitude política contra o preconceito que faz com que esses artistas chamem atenção. “Não adianta nada aparecer com um discurso bem articulado se não tiver o que mostrar no palco”, afirma Edson Natale, gerente do núcleo de música do Itaú Cultural. “É preciso talento para cativar as pessoas, algo que essa turma tem de sobra”, completa.