Morena Nascimento: ‘Arte contemporânea criou espaço de difícil acesso’
Bailarina ex-integrante da companhia de Pina Bausch fala sobre seus projetos, como <em>Estudos para Claraboia</em>, que ampliam o diálogo com o público
A mineira Morena Nascimento, de 32 anos, sabe muito bem o que é rigor e comprometimento. Por cinco anos trabalhou com uma das maiores companhias de dança do mundo, a Tanztheater Wuppertal, fundada por ninguém menos do que Pina Bausch (1940 – 2009). A bailarina, coreógrafa, professora e diretora alemã exerceu forte influência sobre o trabalho apresentado atualmente pela brasileira.
Estudos Para Claraboia, que esteve cartaz no Sesc Belenzinho em janeiro, é uma sequência de Claraboia, o primeiro trabalho que Morena criou logo que saiu da companhia alemã, em 2010. A pedido do Centro da Cultura Judaica, ela desenvolveu um espetáculo baseado no jogo de luz proporcionado por uma claraboia. E foi assim que inverteu o ponto de vista comum e vem conquistando plateias cada vez maiores. “Estou gostando de habitar lugares improváveis”, afirma ela.
Claraboia também volta para dez apresentações em 2013, graças ao fomento da Funarte: dessa vez, em Curitiba, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Ainda em abril, Morena apresentará um novo espetáculo, sem nome, no subsolo do Sesc Pinheiros, e no dia 30 de novembro de 2013 participará de uma homenagem a Pina Bausch na Alemanha.
Leia abaixo a entrevista com a bailarina:
VEJASAOPAULO.COM – A que atribui o sucesso de Claraboia e, agora, Estudos Para Claraboia?
MORENA NASCIMENTO – Acho que a questão mais óbvia é a inversão do ponto de vista. Além disso, o diálogo integrado entre as artes é outro ponto atrativo: o espetáculo mistura dança, artes visuais, música, jogo de luzes. Isso alimenta muito o público, é uma experiência rica, cheia de informações. Todo o elenco vem atuando com muito prazer e paixão e percebo que o público sente essa verdade com que estamos trabalhando.
De que forma Pina Bausch influenciou o seu trabalho?
O rigor pela qualidade. A dança e a arte são meus caminhos de vida, não tenho como dissociá-las da minha vida pessoal. Sinto que só fui parar na companhia de Pina Bausch por já ter tudo isso intrínseco. A experiência com Pina foi bem sofrida, mas às vezes me parava para perguntar por que insisti por tanto tempo. Foi por causa de um grande envolvimento, comprometimento e amor, tudo o que levo para o meu trabalho hoje.
Como foi a transição de intérprete para coreógrafa?
Depois de trabalhar por cinco anos com a companhia de Pina, fui reunindo muitas ideias. Tive vontade de criar e arriscar. Logo que cheguei, no final de outubro de 2010, fui convidada para criar um espetáculo que dialogasse com o tema “luz”, no Centro da Cultura Judaica. Desde o começo, eu sabia que não queria fazer no palco. Eu me apaixonei pela claraboia e pensei numa dança para ser vista de baixo. A princípio, o trabalho foi solo e depois fui reunindo diversos coreógrafos e bailarinos para um espetáculo em conjunto, o que veio a se tornar o Estudos Para Claraboia, cuja direção é minha e de Andreia Yonashiro. Essa reunião de pessoas comprometidas, que transmitem uma verdade no que fazem, é o tônus do meu trabalho. A criação do espetáculo foi muito rápida e intensa, sem crises. Um dos processos mais prazerosos que já tive.
Qual é o significado da claraboia para você?
A claraboia é um espaço pensado para viabilizar a entrada de luz. Ela atrai públicos dos mais diversos nichos. Há uma atração natural das pessoas: a claraboia desperta uma curiosidade muito forte, que normalmente não existe na dança contemporânea. É muito engraçado o que acontece quando ensaiamos e está tendo aula de natação embaixo. Logo após saírem da aula, os alunos vêm perguntar do que se trata – e compram ingresso e trazem amigos. Estudos para Claraboia é um trabalho complexo na sua concepção, mas, ao mesmo tempo, acessível. E o público está completamente disposto a dialogar com isso. A arte contemporânea, no geral, criou um espaço de difícil acesso, que eu chamaria até de elitista. O claraboia devolveu o acesso.