“Minha mulher engravidou de gêmeos e eu também amamentei nossos filhos”
A relação de Marcela Tiboni e Melanie Graille começou por causa de uma goiaba e hoje elas planejam o terceiro filho
“Minha relação com a Mel, 31, começou por causa de uma goiaba. No intervalo de uma aula de pós-graduação, eu tirei a fruta da bolsa e dei uma mordida. Ela, que folheava distraidamente um livro, fez uma cara de nojo e disse: ‘Nossa, goiaba?’. Respondi incisiva: ‘É, estou comendo uma goiaba’. Mel me achava arrogante e eu achava ela chata, até que, em um debate na sala, afirmei que queria ter filhos com a minha esposa na época, e ela disse que também queria ter com a então namorada. Daí comecei a vê-la com outros olhos. Eu nem sabia que ela era lésbica, para mim ela tinha uma cara absurda de heterossexual. Eu sou artista visual e sabia que ela era produtora de uma das maiorias galerias de São Paulo, então sentei ao seu lado para conversar. No começo ela não me olhava nos olhos, e eu continuava comendo minha goiaba. Depois percebemos que tínhamos muito que falar. Ela morava perto do meu ateliê e no final da aula ofereci carona.
Certa vez, quando fazíamos um trabalho pela internet, ela me perguntou, à queima-roupa, qual era o meu tipo de mulher. Acabei descrevendo-a: cabelos e olhos castanhos e com diferença de idade de até 7 anos. Ela é exatamente 7 anos mais nova do que eu. Um dia marcamos de nos encontrar na esquina do Sesc Pompeia e nos beijamos pela primeira vez. Eu brinco que, em uma relação lésbica, no primeiro encontro você dá o beijo e, no segundo, leva as malas. Namoramos por um mês e, no seguinte, fomos morar juntas. Decidimos nos casar em 2017 porque, para registrar filhos em nome de duas mães no cartório, é necessário apresentar o documento de casamento civil. Escolhemos nossos próprios pais para celebrar a cerimônia, que reuniu oitenta pessoas.
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O sonho da Mel era engravidar e eu também queria, mas percebi que relacionava o processo de gestação com dor. Quando vi que era o que a mulher da minha vida queria, eu abri mão da gravidez. No fundo, carregava o preconceito de que gestar é o que me faria mãe. Esse foi o momento que mais me senti sapatão. Mesmo sem passar pela angústia do parto, teria filhos. Queríamos ter duas crianças e até pensamos em entrar com a papelada da adoção ao mesmo tempo que a Mel engravidou por fertilização in vitro, mas esperamos para ver se viriam gêmeos — e vieram. Bernardo e Iolanda hoje têm 2 anos.
É natural a vontade de ter filhos para um casal de mulheres, mas não sabíamos por onde começar. Um casal hétero simplesmente vai para a cama, e nós precisávamos de um médico. Tínhamos dúvidas: como escolher a melhor clínica? Vamos sofrer homofobia? Posso acompanhar o processo? Encontrei, por meio da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, o doutor Caio Barbosa, que tem experiência gigantesca com relacionamentos homoafetivos. Nós, como empreendedoras, não teríamos licença-maternidade, então dividimos as funções. Segui um protocolo para induzir a amamentação por meio de bomba e medicamento. Aos 7 meses de gravidez da Mel, eu já produzia as primeiras gotas de leite. Disseram-me que os bebês não aceitariam meu seio e que meu leite era ‘artificial’, mas eles nunca mostraram predileção por uma das duas. Sempre tem um comentário inconveniente. Uma vez estávamos com os bebês em um restaurante e a mulher da mesa ao lado perguntou quem era o pai. Quando a Mel chegou, eu dei um beijo bem cinematográfico e a mulher foi embora. Hoje, não deixo nenhuma dessas perguntas sem resposta.
Quando a Mel engravidou, eu procurei mas nunca encontrei uma obra sobre maternidade entre mulheres. Então escrevi a nossa história no livro chamado Mama: um Relato de Maternidade Homoafetiva. Para 2022, planejamos ter nosso terceiro filho.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704.