Quem são os santos populares de São Paulo?
"Canonizados" pela crença popular, milagreiros da capital paulista ganham identificação em seus túmulos e série nas redes sociais

Nove milagreiros acabam de ter seus túmulos identificados em seis cemitérios de São Paulo. Com histórias variadas de vida e morte muitas vezes trágica, são pessoas que tiveram milagres atribuídos a elas pela população local, mas não reconhecidos pela Igreja Católica. São os chamados santos populares, cuja existência simboliza a religiosidade que permeia a cidade.
A lista inclui, por exemplo, Domitila de Castro (1797-1867), a Marquesa de Santos, que, para além do fato de ter sido amante de Pedro I, ficou conhecida pela generosidade. Após sua morte, relatos de milagres atribuídos a ela fizeram de seu túmulo, no cemitério da Consolação, um local de peregrinação.
“Quem confere a condição de uma pessoa se tornar santo é a Igreja, mas o reconhecimento da divindade para o milagreiro é feito pelo particular. Sem devoto não existe o milagreiro”, explica Thiago de Souza, autor do livro Milagres de Cemitério — Cidade de São Paulo e idealizador do projeto “O que Te Assombra?”, programa de tours guiados por cemitérios, com foco em história, arquitetura e lendas urbanas desses locais.

Em parceria com a concessionária Consolare, que administra cemitérios na capital, ele instalou placas nos túmulos com informações sobre a trajetória de vida até a “canonização popular”. São figuras como Neusa Vidal (1950-1957), “a menina que chora”, enterrada no Cemitério de Santana e visitada por quem busca consolo para perdas precoces, e Antoninho da Rocha Marmo (1918-1930), menino que, segundo relatos, oferecia seu sofrimento pela cura de outras crianças e que, atualmente, está em processo de beatificação pela Igreja Católica.
De acordo com o pesquisador, não existe uma razão ou método específicos para se tornar milagreiro: “Às vezes a vida virtuosa já é um indicativo, mas a forma como morreu é mais determinante”. Além da perda sentida pela população, o corpo ininterrupto — quando os restos mortais não passam pelo processo natural de decomposição, mesmo sem aplicação de técnicas de conservação — costuma ser definidor.

O projeto de Thiago resultou ainda na série de vídeos Memórias e Milagres, publicada neste mês nas redes da Consolare. “Meu desejo é catalogar todos os cemitérios do Brasil”, conclui Thiago. Santos de casa também fazem milagres.
Conheça os milagreiros
Apesar de não serem considerados santos oficiais pela Igreja Católica, os milagreiros são reconhecidos pela população em torno dos cemitérios paulistas. Antes do projeto das placas, os túmulos já recebiam homenagens e pedidos de graça. Foram nove intercessores populares identificados pelo projeto. São eles:
Luigi Guglielmo (Cemitério da Vila Mariana)– Religioso desde pequeno, teve visões espirituais e dizia conversar com Jesus. Antes de morrer de pneumonia, afirmou que intercederia por todos os que tivessem fé. Seu túmulo é hoje local de orações e pedidos.
Silvinha (Cemitério do Tremembé)– Com uma morte precoce, ela ficou conhecida após as vigílias diárias de sua mãe no cemitério. Seu túmulo foi transformado em um santuário, visitado por fiéis tocados por sua história.
Neusa Vidal, a “Menina que chora” (Cemitério Santana) – Após sua morte precoce, surgiram relatos de uma figura infantil vagando entre os túmulos e sons de choro. Sua sepultura é visitada por quem busca consolo para perdas precoces.
Menina Débora (Cemitério Vila Formosa) – Ela foi assassinada com apenas cinco no início dos anos 80. Seu túmulo recebe pedidos de proteção para crianças, além de brinquedos e flores.
Felisbina Muller (Cemitério da Quarta Parada) – Pouco se sabe sobre sua vida, mas relatos indicam que seu corpo permaneceu incorrupto após a morte. É conhecida por conceder graças ligadas à saúde, à proteção de animais e à aprovação em vestibulares.
Padre Adelino (Cemitério da Quarta Parada) – Sacerdote português que tinha devoção a Nossa Senhora do Bom Parto. Seu túmulo é procurado por pessoas que buscam ajuda em temas como maternidade, saúde e harmonia familiar.
Antoninho da Rocha Marmo (Cemitério da Consolação) – Menino religioso que oferecia seu sofrimento pela cura de outras crianças. Em vida, ele desejava a criação de um hospital, que foi concretizado por sua família. Atualmente, Antoninho está em processo de beatificação pela Igreja Católica.
Maria Judith, a santa dos vestibulandos (Cemitério da Consolação) – Mulher que teria sido vítima de violência doméstica. Maria ficou conhecida principalmente pelos vestibulandos que atribuíram suas aprovações a ela.
Marquesa de Santos, Domitila de Castro (Cemitério da Consolação) – Conhecida por seu caso com D.Pedro I, Domitila de Castro ficou marcada por sua generosidade e obras sociais. Após sua morte, relatos de milagres atribuídos à sua intercessão fizeram de seu túmulo um local de peregrinação.
Publicado em VEJA São Paulo de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957