“Me utilizei do teatro para ser ouvido”
Após dois meses e meio em cartaz em Portugal, Marcos Caruso retorna a São Paulo com a peça Intimidade Indecente, ao lado de Eliane Giardini

D epois de passar por três anos de apresentações, incluindo dois meses e meio em Portugal, a peça Intimidade Indecente, protagonizada por Marcos Caruso e Eliane Giardini, retorna a São Paulo a partir de 11 de julho, no Teatro Renaissance, para encerrar a temporada.
Escrita por Leilah Assumpção, a comédia romântica sobre os encontros e desencontros de um casal da terceira idade já foi vista por milhares de espectadores e se tornou um sucesso em diferentes palcos.
“Sempre que voltamos a São Paulo é um sucesso estrondoso”, diz Caruso, que após essa temporada se prepara para atuar na próxima novela das 7 da Globo. Aos 73 anos, com mais de cinquenta de carreira no teatro e atualmente casado com o enfermeiro Marcos Paiva, o ator fala sobre maturidade, afeto e desafios nos palcos europeus.
Qual é a expectativa de retornar a São Paulo?
É o encerramento de um ciclo. Sempre que voltamos é um sucesso estrondoso porque a peça interessa, emociona, faz rir e, principalmente, refletir. Os velhos riem mais porque reveem o passado, e os jovens se emocionam mais enxergando o futuro. Depois dessa temporada paulistana, tenho uma novela para fazer (Coração Acelerado, próxima trama das 7 da Globo, prevista para estrear em janeiro de 2026). A ideia é que em agosto ou setembro do ano que vem a gente possa finalmente fazer uma excursão pelo Brasil, incluindo interior de São Paulo.
Como será seu personagem na novela?
Me convocaram e sei que tem um papel importante, mas ainda vou conversar com o diretor, e não tem nem a sinopse!
Você e Eliane já têm uma química criada na novela Avenida Brasil (2012). Como foi reconstruir essa parceria em outro tom?
É um outro tom mesmo. Nós sempre nos encontrávamos após os espetáculos de amigos e namorávamos essa ideia de trabalhar juntos. No caso de Avenida Brasil, o elenco todo falava a mesma língua e nós dois fomos muito felizes. Temos o mesmo humor, o que acho importantíssimo. Doze anos depois, quando fomos fazer a peça em Portugal, finalmente cumprimos o tão prometido encontro. O texto da Leilah é muito coloquial e propõe uma sobreposição de falas. É o que nós fazemos em cena, e isso você só consegue quando tem total confiança no parceiro e total desprendimento da vaidade.
Como foi viver em Portugal?
Já levei mais de nove peças para lá como ator, autor e diretor, mas tive duas grandes motivações. Em primeiro lugar, a experiência de trabalhar com o elenco português, que foi uma das coisas mais difíceis que fiz em toda a minha vida. Tive que contracenar com pessoas que falam um português tão rápido que parecia japonês… Ou dinamarquês. Os tempos de comédia e a relação de contracena mudam. A segunda motivação foi essa parceria entre Brasil e Portugal no teatro, porque temos uma troca forte na música, na literatura e até nas novelas, atores de lá vêm para cá, e vice-versa. Mas não tínhamos e não temos essa relação no teatro. É uma pena não termos mais dessa troca, pois temos muitas coisas em comum e, de todos os povos latinos, acho que o português é o mais afável neste terceiro milênio, em que a fraternidade está cada vez mais escassa.
De que maneiras você sente essa falta?
Estamos vivendo uma escassez de fraternidade, olhando muito para o próprio umbigo. E vivendo em um mundo mais visual que auditivo. Ninguém mais escuta, as pessoas veem e só querem ver, ver, ver. Essa é uma diferença entre o teatro brasileiro e o português. Em Portugal, ouve-se o teatro, aqui vê-se o teatro. E o que mais fazemos na peça é ouvir o outro.
E, quando você não está trabalhando, quem te ouve?
Bom, eu falo pra c******, então não é muito fácil me ouvir (risos). Meu filho me ouve e eu me ouço também, falo alto e comigo mesmo, para as palavras terem concretude. Quem me ouve acaba por ser o público, porque também me tornei autor para colocar o dedo na ferida de problemas políticos, sociais e econômicos do país. Nas peças que escrevi com Jandira Martini (atriz e dramaturga falecida em 2024), me utilizei do teatro para ser ouvido.
São 52 anos de palco e entrei na televisão aos 50. No começo fazia o que vinha, mas nos últimos vinte anos de vida teatral pude escolher o que queria fazer. Sempre escolhia a peça pela frase que queria falar. Só faço Intimidade Indecente para falar “nós não somos mais urgentes para os nossos filhos”. Esse é o momento em que a plateia inteira, pais ou filhos, avós ou netos, se sentem tocados.
De que forma esse espetáculo transformou sua percepção do envelhecimento?
Eu tive uma sorte muito grande na vida, meu pai viveu até os 98 com lucidez e capacidade física invejáveis. Ele dirigiu até os 94 anos, jogou tênis até os 89… Eu vi meu DNA envelhecer e vou procurar seguir a bula direitinho, porque deu certo. Na peça, obviamente tenho que fazer uma certa composição para o público acreditar que tenho 60 anos — mas estou bem fisicamente, acho que dá para acreditar (risos). Depois a Eliane e eu vamos para os 70, 80 e 90 anos. Esse envelhecimento todas as noites me ajuda, primeiro porque acabo o espetáculo e graças a Deus volto a ter 73. As dores e doenças ainda não vieram, mas a ruga, o cabelo branco e a mão manchadinha são bem-vindos para mim. O único medo que tenho é do sofrimento pré-morte. Não tenho nenhum inconveniente por enquanto.
Como foi para você o processo de se assumir gay?
Eu não assumi nada, a minha relação com as minhas ex-mulheres e a minha relação hoje com o meu marido é a mesma que tenho e tive com qualquer ser humano que amei e respeitei. Assumir acho que é se tornar uma coisa que você estava escondendo ser. Nós nos olhamos, nos entendemos, nos amamos como foi com todas as pessoas com as quais me relacionei. A diferença única e óbvia é a diferença de gênero.
Então a mídia retratou isso de forma equivocada na época em que você se casou de novo?
Mas é claro, porque é uma mídia que vai procurar pelo em ovo. Na medida em que você está com uma pessoa do mesmo sexo, você está sendo gay. As pessoas rotulam. E já tentei sair desses rótulos na vida profissional. Quando você faz um papel de médico, vai ser médico a vida inteira porque tem cara de Drauzio Varella? Eu fui fazer uma peça com a Sandra Bréa, para a qual o diretor estava procurando todos os galãs e eles não podiam participar. Eu dizia “eu posso fazer”. “Ah, mas você é careca.” Mas galã não pode ser careca? Eu comprei uma peruca, claro, mas eu fiz (risos). Tentei mudar o rótulo, só que o rotulador era tão grande que tive que pôr a peruca. Mas no fim da peça arrancava ela e era uma risada violenta!
Publicado em VEJA São Paulo de 4 de julho de 2025, edição nº 2951