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OLÁ,

“Me utilizei do teatro para ser ouvido”

Após dois meses e meio em cartaz em Portugal, Marcos Caruso retorna a São Paulo com a peça Intimidade Indecente, ao lado de Eliane Giardini

Por Humberto Abdo
Atualizado em 4 jul 2025, 09h52 - Publicado em 4 jul 2025, 09h17
Marcos Caruso
Marcos Caruso (Marcio Farias/Divulgação)
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D epois de passar por três anos de apresentações, incluindo dois meses e meio em Portugal, a peça Intimidade Indecente, protagonizada por Marcos Caruso e Eliane Giardini, retorna a São Paulo a partir de 11 de julho, no Teatro Renaissance, para encerrar a temporada.

Escrita por Leilah Assumpção, a comédia romântica sobre os encontros e desencontros de um casal da terceira idade já foi vista por milhares de espectadores e se tornou um sucesso em diferentes palcos.

“Sempre que voltamos a São Paulo é um sucesso estrondoso”, diz Caruso, que após essa temporada se prepara para atuar na próxima novela das 7 da Globo. Aos 73 anos, com mais de cinquenta de carreira no teatro e atualmente casado com o enfermeiro Marcos Paiva, o ator fala sobre maturidade, afeto e desafios nos palcos europeus.

Qual é a expectativa de retornar a São Paulo?

É o encerramento de um ciclo. Sempre que voltamos é um sucesso estrondoso porque a peça interessa, emociona, faz rir e, principalmente, refletir. Os velhos riem mais porque reveem o passado, e os jovens se emocionam mais enxergando o futuro. Depois dessa temporada paulistana, tenho uma novela para fazer (Coração Acelerado, próxima trama das 7 da Globo, prevista para estrear em janeiro de 2026). A ideia é que em agosto ou setembro do ano que vem a gente possa finalmente fazer uma excursão pelo Brasil, incluindo interior de São Paulo.

Como será seu personagem na novela?

Me convocaram e sei que tem um papel importante, mas ainda vou conversar com o diretor, e não tem nem a sinopse!

Você e Eliane já têm uma química criada na novela Avenida Brasil (2012). Como foi reconstruir essa parceria em outro tom?

É um outro tom mesmo. Nós sempre nos encontrávamos após os espetáculos de amigos e namorávamos essa ideia de trabalhar juntos. No caso de Avenida Brasil, o elenco todo falava a mesma língua e nós dois fomos muito felizes. Temos o mesmo humor, o que acho importantíssimo. Doze anos depois, quando fomos fazer a peça em Portugal, finalmente cumprimos o tão prometido encontro. O texto da Leilah é muito coloquial e propõe uma sobreposição de falas. É o que nós fazemos em cena, e isso você só consegue quando tem total confiança no parceiro e total desprendimento da vaidade.

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Como foi viver em Portugal?

Já levei mais de nove peças para lá como ator, autor e diretor, mas tive duas grandes motivações. Em primeiro lugar, a experiência de trabalhar com o elenco português, que foi uma das coisas mais difíceis que fiz em toda a minha vida. Tive que contracenar com pessoas que falam um português tão rápido que parecia japonês… Ou dinamarquês. Os tempos de comédia e a relação de contracena mudam. A segunda motivação foi essa parceria entre Brasil e Portugal no teatro, porque temos uma troca forte na música, na literatura e até nas novelas, atores de lá vêm para cá, e vice-versa. Mas não tínhamos e não temos essa relação no teatro. É uma pena não termos mais dessa troca, pois temos muitas coisas em comum e, de todos os povos latinos, acho que o português é o mais afável neste terceiro milênio, em que a fraternidade está cada vez mais escassa.

De que maneiras você sente essa falta?

Estamos vivendo uma escassez de fraternidade, olhando muito para o próprio umbigo. E vivendo em um mundo mais visual que auditivo. Ninguém mais escuta, as pessoas veem e só querem ver, ver, ver. Essa é uma diferença entre o teatro brasileiro e o português. Em Portugal, ouve-se o teatro, aqui vê-se o teatro. E o que mais fazemos na peça é ouvir o outro.

E, quando você não está trabalhando, quem te ouve?

Bom, eu falo pra c******, então não é muito fácil me ouvir (risos). Meu filho me ouve e eu me ouço também, falo alto e comigo mesmo, para as palavras terem concretude. Quem me ouve acaba por ser o público, porque também me tornei autor para colocar o dedo na ferida de problemas políticos, sociais e econômicos do país. Nas peças que escrevi com Jandira Martini (atriz e dramaturga falecida em 2024), me utilizei do teatro para ser ouvido.

São 52 anos de palco e entrei na televisão aos 50. No começo fazia o que vinha, mas nos últimos vinte anos de vida teatral pude escolher o que queria fazer. Sempre escolhia a peça pela frase que queria falar. Só faço Intimidade Indecente para falar “nós não somos mais urgentes para os nossos filhos”. Esse é o momento em que a plateia inteira, pais ou filhos, avós ou netos, se sentem tocados.

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De que forma esse espetáculo transformou sua percepção do envelhecimento?

Eu tive uma sorte muito grande na vida, meu pai viveu até os 98 com lucidez e capacidade física invejáveis. Ele dirigiu até os 94 anos, jogou tênis até os 89… Eu vi meu DNA envelhecer e vou procurar seguir a bula direitinho, porque deu certo. Na peça, obviamente tenho que fazer uma certa composição para o público acreditar que tenho 60 anos — mas estou bem fisicamente, acho que dá para acreditar (risos). Depois a Eliane e eu vamos para os 70, 80 e 90 anos. Esse envelhecimento todas as noites me ajuda, primeiro porque acabo o espetáculo e graças a Deus volto a ter 73. As dores e doenças ainda não vieram, mas a ruga, o cabelo branco e a mão manchadinha são bem-vindos para mim. O único medo que tenho é do sofrimento pré-morte. Não tenho nenhum inconveniente por enquanto.

Como foi para você o processo de se assumir gay?

Eu não assumi nada, a minha relação com as minhas ex-mulheres e a minha relação hoje com o meu marido é a mesma que tenho e tive com qualquer ser humano que amei e respeitei. Assumir acho que é se tornar uma coisa que você estava escondendo ser. Nós nos olhamos, nos entendemos, nos amamos como foi com todas as pessoas com as quais me relacionei. A diferença única e óbvia é a diferença de gênero.

Então a mídia retratou isso de forma equivocada na época em que você se casou de novo?

Mas é claro, porque é uma mídia que vai procurar pelo em ovo. Na medida em que você está com uma pessoa do mesmo sexo, você está sendo gay. As pessoas rotulam. E já tentei sair desses rótulos na vida profissional. Quando você faz um papel de médico, vai ser médico a vida inteira porque tem cara de Drauzio Varella? Eu fui fazer uma peça com a Sandra Bréa, para a qual o diretor estava procurando todos os galãs e eles não podiam participar. Eu dizia “eu posso fazer”. “Ah, mas você é careca.” Mas galã não pode ser careca? Eu comprei uma peruca, claro, mas eu fiz (risos). Tentei mudar o rótulo, só que o rotulador era tão grande que tive que pôr a peruca. Mas no fim da peça arrancava ela e era uma risada violenta!

Publicado em VEJA São Paulo de 4 de julho de 2025, edição nº 2951

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