Nosso Louco Amor: “Meu marido nunca me viu como anã”
Mesmo sem a aprovação da mãe, Rosinha namorou e casou com Cícero Teodósio, com quem também teve sua filha Heloísa
“Sou uma mulher adulta com 1 metro e 16 centímetros de altura. Na escola, quando crianças me chamavam de anãzinha, era como se fosse um soco na minha cara, e na adolescência perguntava a Deus por que minha irmã crescia e eu não. Não me aceitava e achava que o nanismo iria me impedir de arranjar um namorado.
Única pessoa pequena de Barbalha, no Ceará, só fui conhecer outros anões quando me mudei para São Paulo. Foi ainda no Nordeste que me apaixonei pelo Cícero, 51. Vi ele passar na minha rua e as costas dele me chamaram a atenção. Ele não me viu. Perguntei aos vizinhos quem era aquele homem e descobri que tinha vindo da Bahia para uma visita rápida à família. Acabei fazendo amizade com a irmã dele e pouco tempo depois ele se mudou para Barbalha.
Eu não acredito em amor à primeira vista, então nos tornamos amigos. Ele até me pedia conselhos sobre as outras namoradas que teve, mas um sentimento entre nós cresceu. Um dia ele estava sozinho, pensativo. Cheguei perto dele, agarrei-o e dei um beijo. Marcamos um encontro na praça, onde ele me pediu em namoro. Divorciado e pai de dois filhos, ele me perguntou, receoso, se eu queria que fosse um relacionamento escondido. Respondi que não me importava que todos ficassem sabendo, ninguém deveria palpitar na minha vida.
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Minha mãe não aprovou o namoro. Entre seus sete filhos, eu era a mais protegida por ser a única pequena. Ela achava que Cícero só queria ‘curtição’. Namoramos quase dois anos e depois engravidei, aos 22 anos. Ele pediu minha mão em casamento a minha mãe, que negou. Como eu era louca para casar, corri atrás dele quando deixou minha casa e lhe pedi para pôr a aliança no meu dedo. Casei com uma barriga de sete meses, de macacão branco e tênis.
Pedi a Deus que minha filha, Heloísa, hoje com 20 anos, não nascesse anã, por causa do preconceito que sofri. Ela não desenvolveu o transtorno, mas precisei da ajuda da família para carregá-la. Não conseguia segurá-la nos braços à medida que crescia.
Em 2011, a irmã de Cícero ofereceu a ele uma proposta de trabalho em São Paulo, e nos mudamos. Eu nunca tinha saído da minha cidade e pensei em terminar o casamento, tamanho era o receio da mudança. Barbalha é bom para morar, mas difícil para trabalhar. Por ser deficiente, só me ofereciam funções pesadas de produção ou limpeza.
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Cícero veio primeiro, e eu vim depois com nossa filha de ônibus. Morria de medo de viajar de avião. Durou três dias e me assustei com a quantidade de pessoas circulando quando desci na Rodoviária do Tietê. Desesperada e sem bateria no celular, encontrei meu marido me esperando.
Cícero nunca me viu como uma pessoa com deficiência física e me deu forças para encarar o mundo. Em casa, ele me ajuda com tarefas que uma pessoa pequena tem dificuldades, como lavar e estender os lençóis. Agradeço a Deus e a ele pela mulher forte que me tornei.
Em São Paulo, realizei o sonho de conseguir trabalhos mais administrativos. Comecei como recepcionista, passei para o departamento de recursos humanos de um hospital e agora sou analista de projetos em uma empresa de TI.
Em Barbalha, apenas crianças caçoavam de mim, mas aqui os adultos também têm preconceito. No metrô, as pessoas não fazem comentários sobre minha estatura, mas dão risada ou me olham com pena. Às vezes, motoristas de ônibus não descem o degrau do veículo completamente para que eu consiga subir. Não alcanço a máquina de cobrança, então comprei um pau de selfie para bater o bilhete. Brinco que vivo sem meu marido, mas não vivo sem esse aparelho.
Não peço ajuda porque gosto de me sentir capaz. Fui criada com pessoas altas, sou eu quem me adapto aos outros. Fiz amizades com vários anões em São Paulo e tive apoio do grupo sobre nanismo no Brasil, Somos Todos Gigantes.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718