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Maria Bonomi completa 90 anos defendendo a arte independente

Em entrevista a Vejinha, uma das maiores gravadoras do país faz apelo contra o mercado, fala da esposa, Lena Peres, e de sua nova exposição retrospectiva

Por Ana Mércia Brandão
Atualizado em 1 ago 2025, 14h32 - Publicado em 1 ago 2025, 06h00
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Maria Bonomi em seu ateliê: nos preparativos para nova exposição (Agliberto Lima/Veja SP)
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Se chamam Maria Bonomi, 90, de “senhora”, ela gentilmente corrige: “A senhora está no céu!”. Bem-humorada, com mais de setenta anos de carreira, ela mantém os pés no chão. “Se cheguei aos 90, penso que tem alguma coisa que ainda preciso fazer. A sensação é que passou tudo muito depressa. Sinto uma responsabilidade. Me pergunto por que estou aqui. Como corresponder a essa prova de confiança? Não é um discurso religioso, não sou católica praticante. Mas sou devota de Padre Pio, desse papa que foi embora (Francisco), de Nossa Senhora Aparecida, de São Judas Tadeu e de todos os orixás.”

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Maria posa com a xilogravura ‘Roofs’ (2015): domínio da técnica (Agliberto Lima/Divulgação)

Vanguardista da gravura brasileira, além de escultora e muralista, Maria recebeu a reportagem de Vejinha em seu ateliê, uma espécie de templo dessa técnica. Na casa de quatro pisos no Jardim América, ela tem espaço para produzir tanto xilogravuras, as gravuras em madeira, quanto litografias, aquelas feitas sobre blocos de pedra. No dia da visita, feita dois dias após seu aniversário, em 8 de julho, o espaço estava a todo vapor, com algumas peças sendo embaladas para fazer parte da próxima exposição da artista, uma megarretrospectiva com 250 obras, prevista para setembro, no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. “Para mim, é muito emocionante. E uma conclusão: não sei se farei mais exposições, acho difícil”, reflete.

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Maria com a obra ‘Babel’ (2025): produção recente (Agliberto Lima/Veja SP)

Maria diz que a mostra só poderia acontecer no Rio. “Eu incomodo aqui em São Paulo”, dispara. Desde os anos 70, ela não tem representação em galeria e fez questão de construir sua carreira longe do que chama de “conchavos” do mercado de arte. “O mercado para mim está completamente equivocado, ele trabalha contra a arte. Tivemos uma invasão comercial na esfera cultural. E eu vi que podia muito bem existir sem as galerias”, segue.

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Maria com Lasar Segall em 1956 (Acervo Maria Bonomi/Divulgação)

Nascida na Itália em 1935, de mãe brasileira e pai italiano, ela deixou o país natal aos 6 anos, fugindo da Segunda Guerra Mundial. Chegou ao Brasil aos 8, quando a família se estabeleceu em São Paulo. Primeiro, enveredou pela pintura, mas, ao se tornar aluna de Lívio Abramo, em 1954, foi posta cara a cara com sua verdadeira paixão: a gravura. Essa escolha a levou a ilustrar livros de Hilda Hilst, Cecília Meireles, Sérgio Buarque de Holanda e Haroldo de Campos (que escreveu O Elogio da Xilo em sua homenagem), e trabalhou como figurinista e cenógrafa, quando conheceu seu ex-marido, o diretor teatral Antunes Filho, com quem teve um filho, Cássio Luis Bonomi Antunes. A madrinha de Cássio era uma grande amiga da artista e ilustre conhecida do público: a escritora Clarice Lispector.

“Foi Clarice quem me deu um empurrão para perceber que a matriz de uma gravura tem muitas possibilidades. Ela me ajudou muito quando eu era estudante nos Estados Unidos. Chegou uma hora que eu disse: ‘Clarice, queria te dar uma gravura de presente.’ E ela respondeu: ‘Você me daria uma matriz?’. Isso foi um pouco como uma revelação, sabe? Passei a olhar a matriz de outra maneira, ver que ela é semente”, conta. Foi aí que, além de imprimir gravuras no papel, passou a levar seu trabalho ao concreto. Maria é autora de dezessete obras de arte pública em São Paulo, em locais como a Estação da Luz e a Avenida Paulista. A mais recente foi o painel Propulsão, no Colégio Bandeirantes, em 2023. E já prepara uma nova, também na capital paulista, prevista para 2026. A artista faz mistério sobre o local onde será instalada. “É um espaço institucional. Vou te dar uma pista. Quando fui convidada, este ano, disse para a comissão que me convidou: ‘Mas essa obra não fica vinculada ao poder?’ E responderam: ‘Não, os governos passam e a obra fica’. Achei isso muito importante, porque se você faz uma obra no espaço público, ela atravessa gerações.” Emenda em outra história para ilustrar sua fala: “Tenho uma pequena escultura na Praça Oswaldo Cruz. Como moro lá perto, vejo sempre as criancinhas sentadas no chão desenhando a escultura. É a coisa mais linda. A obra é compartilhada, ela não pertence a ninguém, pertence a quem vê, minha grande plateia.”

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‘Propulsão’ (2023) (Romulo Fialdini/Divulgação)

Maria Bonomi comemorou suas nove décadas em um jantar com cerca de quinze amigos próximos. “A média de idade era 80 e poucos anos”, brinca. Lá estavam personalidades como Maria Adelaide Amaral, Ignácio de Loyola Brandão e Celso Lafer. Quem organizou foi Maria Helena Peres, dona do Instituto Transarte e sua companheira de vida há mais de vinte anos. “Você imagina a luta que foi encarar a homofobia. Fui uma pessoa que me antecipei. Sou uma veterana de um percurso de risco. De 2005 para cá, tem uma série de novas obras que são muito geradas por essa instância”, conta a artista plástica, que promete falar mais da vida amorosa e outros aspectos pessoais na nova exposição, curada por Maria Helena e Paulo Herkenhoff.

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Lena e Maria (Agliberto Lima/Veja SP)
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Maria em frente a suas obras na 8ª Bienal de São Paulo, em 1965 (Acervo Maria Bonomi/Divulgação)

Foi Lena (como ela chama a parceira) a responsável por catalogar todas as obras de Maria e ainda o acervo bibliográfico, que inclui catálogos, livros, jornais e cartas datando desde 1948. “Queria deixar o trabalho dela organizado para as próximas gerações. Para que possa continuar sendo projetado e pesquisado, não cair num vazio de abandono”, explica Lena, que no ano passado foi representar Maria — que precisou ficar em casa após contrair covid-19, H1N1 e chikungunya seguidamente — na 60ª Bienal de Veneza. A obra da artista retornou à cidade italiana após ser exibida na primeira edição do Pavilhão do Brasil na feira, em 1964. Na Bienal de São Paulo, esteve oito vezes, a última em 1989. Na 8ª edição (1965), ganhou o prêmio de Melhor Gravador Nacional e, na hora de receber a honraria das mãos do então presidente Castello Branco, entregou-lhe o pedido, assinado por diversos intelectuais, de revogação das prisões preventivas de Cruz Costa (1904-1978), Mário Schenberg (1914-1990), Florestan Fernandes (1920-1995) e Fernando Henrique Cardoso. Considerada subversiva, chegou a ficar dois dias presa no DOI-Codi da Rua Tutoia, em 1974. Preferiu construir carreira no exterior a compactuar com a ditadura militar. “Estou falando muitas coisas porque estou indo embora. Não é uma declaração de despedida, mas sei que tem que se dar o recado.” Sua vida e obra reverberam história.

Publicado em VEJA São Paulo de 1º de agosto de 2025, edição nº 2955.

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