Marco Pigossi fala sobre carreira internacional e parceria com o marido em filme
Ator que mora em Los Angeles está em São Paulo para a estreia nacional do longa americano "Maré Alta", que chega dia 20 aos cinemas

“Minha terra tem mais rosas / E quase que mais amores… / Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá.” Os versos do poema Canto de Regresso à Pátria, de Oswald de Andrade, abrem o filme Maré Alta (High Tide, no original), produção americana que estreia nos cinemas na quinta (20). A escolha, assim como outras no filme, tem o dedo do intérprete do protagonista, Marco Pigossi.
Na trama, o ator paulistano, que mora em Los Angeles desde 2018, é Lourenço, um paulista de Itu que se muda para Provincetown, cidadezinha litorânea nos Estados Unidos, a fim de viver sua sexualidade livremente, longe da família conservadora. Abandonado pelo ex-namorado, ele mora na propriedade do solitário Scott (Bill Erwin) e trabalha limpando casas de aluguel, enquanto vive a iminência de ter o visto de turista expirado. Ao conhecer Maurice (James Bland), depara com a possibilidade de encontrar seu lugar. Obra de estreia do diretor e roteirista Marco Calvani, trata-se de uma história de amor e acolhimento. “É um filme sobre pertencimento”, define Pigossi.

Parte da seleção oficial do Festival do Rio 2024 e premiado no Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade no mesmo ano, o longa ganhou prêmios internacionais e arrebatou a crítica americana, com destaque para a performance do ator. “Fiquei emocionado de ler críticas tão elogiosas a meu trabalho. Sem falar o quanto o filme é pertinente neste momento nos Estados Unidos [com a política antimigratória do presidente Donald Trump]”, destaca.
A trama diz muito sobre o momento que Pigossi atravessava há cerca sete anos, quando se mudou para a América do Norte. “Eu conheci o Calvani e contei o quanto gostaria de falar sobre aquela etapa da minha vida. Tinha saído da Globo, onde havia terminado minha 13ª novela, pois me sentia preso no papel do mocinho. E estava me assumindo sexualmente”, lembra o ator, que acabou engatando um relacionamento com Calvani, com quem se casou no fim das filmagens. “Há especificidades que só o Marco poderia trazer ao Lourenço. Há linhas inteiras dele no roteiro, o personagem se tornou brasileiro depois que o conheci. O roteiro acabou virando nosso filme, um filho que geramos por dois anos”, conta o parceiro.
Satisfeito com as escolhas que fez, Pigossi está numa fase profissional prolífica. “Minha vida deslanchou”, exclama. O ator, que esteve na cidade para gravar uma adaptação do suspense O Quarto do Pânico, dirigida por Gabriela Amaral Almeida, tem apostado suas fichas no cinema independente. “Sem dúvida, é onde tenho maior liberdade para contar as histórias que realmente me movem”, afirma ele, que em novembro participou aqui de outro projeto, em fase de finalização: Privadas das Suas Vidas, longa de horror dirigido por Gustavo Vinagre e Gurcius Gewdne com produção de Rodrigo Teixeira (de Ainda Estou Aqui).

“Encontrei o Rodrigo no festival de Nova York e ele se apaixonou pela ideia”, conta Vinagre, que logo pensou em Pigossi para uma participação especial. “Até pouco tempo atrás, tínhamos gays no armário fazendo papéis de hétero, então, me pareceu muito interessante ter alguém assumido fazendo um hétero top tóxico, até para a discussão sobre sexualidade e gênero que o filme traz”, explica. “Ele é uma pessoa segura o suficiente para, neste momento da carreira, topar fazer um papel pequeno, num filme tão absurdo como esse, se abrir para o não convencional”, elogia o diretor.

‘Quarto do Pânico’,
que acaba de rodar
em São Paulo (Kelly Fuzaro/Divulgação)
Em breve, o paulistano, que cultiva velhos hábitos como comer no Le Jazz e visitar o Masp, estreia nos Estados Unidos a comédia de terror Bone Lake: Jogo de Mentiras, dirigida por Mercedes Bryce-Morgan, enquanto aguarda a finalização da comédia romântica You’re Dating a Narcissist!, na qual volta a contracenar com Marisa Tomei, como fez em Maré Alta. “Uma das maiores atrizes com quem trabalhei.” Ela retribui: “É raro conhecer um ator tão inteligente e generoso. Senti que, juntos, criamos algo mágico e elevamos o roteiro já lindo que Calvani escreveu para nós. Trabalhar com Marco trouxe de volta tantas memórias de minhas várias viagens ao Brasil e me aproximou de sua cultura, seu povo, sua alma”, diz a atriz ítalo-americana. Que a boa maré o leve além.