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“Após cinquenta anos, provei algo para mim mesmo”, diz José Rubens Chachá

Prestes a completar meio século de carreira, astro de 'O Rei da TV' reflete sobre o amor por música, mudanças no cenário teatral e conservadorismo

Por Barbara Demerov
Atualizado em 14 abr 2023, 07h17 - Publicado em 14 abr 2023, 06h00
José Rubens Chachá como Silvio Santos, de terno roxo
Chachá: Senor Abravanel no streaming e defensor do teatro autoral (Lorena Dini/Divulgação/Divulgação)
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Natural de Santos, José Rubens Chachá, 68, se aventurou no papel de Silvio Santos em O Rei da TV, série disponível no Star+ com duas temporadas. Este novo trabalho no streaming, cujo foco nunca foi o de imitar o apresentador, vem para reforçar o domínio do ator fora dos palcos — lugar onde passou boa parte de sua extensa carreira, prestes a completar cinquenta anos. Ávido defensor do teatro autoral, Chachá ainda relembra o flerte com a área musical, outra grande paixão.

A segunda temporada de O Rei da TV aborda a candidatura de Silvio Santos à Presidência. Caso isso acontecesse, como imagina que teria sido?
Na época, eu já era adulto e me lembro que pensei que era um absurdo uma figura popular se candidatar faltando pouco tempo. Mas, hoje, me pergunto: ele seria muito pior que o Collor? Foi um desastre total. Certamente seria uma aventura, e talvez ele teria ido para o buraco por tentar segurar a barra do Brasil e do grupo Silvio Santos.

A série não é chapa-branca. Acha que essa é uma de suas características mais atraentes?
Sem dúvida. Para todo mundo que eu falo que é uma série não autorizada, sinto que vem um brilho no olhar. O público está acostumado com biografias em que a pessoa meio que dita tudo para os autores, mas aqui não. Silvio Santos ficou sabendo da série por um figurante que vendia doce na casa dele. Silvio disse para o homem que não sabia de nada, mas completou: “Vai ser um sucesso”.

Silvio criticou a série após a estreia. Ele entrou em contato com você ou a equipe?
Nunca entrou. Eu acho que houve uma expectativa, talvez, de que fosse um documentário. As pessoas não compreendem que é uma peça de ficção. A ficção às vezes aglutina alguns casos por uma questão de narrativa, mas isso não quer dizer que seja uma inverdade. É normal uma narrativa tentar unificar os acontecimentos para gerar frisson de assistir.

Como fez para dar personalidade própria a uma figura que é tão conhecida e imitada?
Como eu já havia trabalhado no SBT, eu o via de forma diferente, longe do palco. Me baseei muito no que eu vi na empresa. E, na época em que comecei os testes, já havia até uma pessoa quase contratada. Eu disse à equipe que não imitaria o Silvio. Afinal, todo mundo consegue imitá-lo. Quando me revelaram que isso não seria necessário, fiquei contente. Além disso, o grande personagem na série é Senor Abravanel. Ele criou o maior personagem da TV brasileira. Só um gênio para inventar algo assim.

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Você começou no teatro, mas no caminho passou por dificuldades financeiras. Chegou a cogitar desistir?
Nunca. Desde os 14 anos eu sabia que esse era o desafio. A música me fazia brilhar, mas o teatro me pegou de jeito. Fiz um musical atrás do outro. Quem me levou para o teatro foi a música — de onde eu não deveria ter saído.

“Eu compunha com um parceiro chamado Sérvulo Augusto, e um dia mostramos uma canção para Elis Regina. Ela ficou encantada. Íamos gravar, mas ela morreu seis meses depois”

Pensa em voltar?
Nunca abandonei por completo. Mas, sinceramente, vivi um episódio que me deixou um pouco brigado com a música. Eu compunha com um parceiro chamado Sérvulo Augusto, e um dia mostramos uma canção para Elis Regina. Ela ficou encantada. Íamos gravar, mas ela morreu seis meses depois. Fiquei dois anos sem comprar discos. Até hoje não consigo ver entrevistas de Elis. Ali eu pensei: “Agora é a hora, ela vai gravar comigo igual fez com Gonzaguinha e João Bosco”. Voltei a compor depois de certo tempo, mas sem o mesmo entusiasmo.

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Peças autorais permeiam sua carreira. O que acha das remontagens de espetáculos da Broadway no Brasil?
Já me convidaram para fazer, mas eu pergunto: “É daqueles musicais que vocês não colocam os nomes dos atores na divulgação?”. Quase nunca vejo os nomes daqueles que fazem cinco, seis espetáculos por semana. Grandes produções como essas roubam espaço, assim como stand up. São dois polos que estão fazendo o teatro autoral sofrer. Às vezes, nós ensaiamos três meses, gastamos em montagem e figurino… e a pessoa chega com a roupa do corpo contando piadas horríveis. Eu assisto muita coisa e, realmente, poucos se destacam. Mas, no fim, teatro tem de ser democrático. Tem de ter peça grande e peça do Samuel Beckett. Só é preciso dividir melhor o espaço.

Nos anos 80, uma peça que fez chegou a ser censurada. Como vê o crescimento do conservadorismo dos últimos anos?
Nossa peça, Teledeum, foi censurada quatro meses após a estreia. Assim se desnudou uma atmosfera hipócrita, pois a peça falava sobre religião. E era uma comédia excelente. Agora, sobre o conservadorismo no Brasil, infelizmente é uma tendência mundial. A direita, que era silenciosa, pois estava oprimida por sua própria burrice, não tinha um verbo para se manifestar. Agora, ganhou voz por meio de vários populistas que se espalharam mundo afora. Vamos ter de conviver e ensinar as pessoas que tem para todo mundo.

Sua carreira engloba TV, teatro, cinema e agora streaming. Qual aspecto do seu trabalho você diria que perdurou ao longo do tempo?
É no teatro que eu conto meu tempo de carreira. Neste ano, completo cinquenta anos. O teatro é a construção de tudo. Você vai se achando como ser humano e artista no palco, onde você está inteiro. Com o tempo, fui descobrindo o valor e o prazer que é fazer TV e cinema. Vi que é o mesmo trabalho — só é preciso alguns ajustes. O que foi ficando é que ganhei mais habilidade para ajustar essa sintonia. Fiquei tão feliz de me ver em O Rei da TV, pois senti que dominei. Após cinquenta anos, provei algo para mim mesmo.

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Você está em Travessia, na Globo, e esteve na Record em Reis. O que acha do modelo de negócios atual, com contratos por projeto?
Está funcionando, mesmo porque tive um contrato de dez anos com a Globo e me sentia incomodado. Acabava uma novela e eles me esqueciam. Tinha de ligar para eles. Acho que esse novo formato por obra tirou o pessoal da zona de conforto. Isso dá certa liberdade, apesar de ser duro não ter como planejar tanto a longo prazo.

Publicado em VEJA São Paulo de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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