Jesuíta Barbosa estreia peça em São Paulo: “Quero continuar fazendo teatro”
Depois de viver Ney Matogrosso em 'Homem com H' — primeiro lugar no streaming —, o ator volta ao palco com a Companhia Brasileira de Teatro em 'Sonho Elétrico'

Jesuíta Barbosa, 34, está feliz. Em um dia de sol entre nuvens, o ator pernambucano conversou com a reportagem de VEJA SÃO PAULO no Sesc Vila Mariana, onde estreia, neste sábado (28), a inédita Sonho Elétrico, peça com a Companhia Brasileira de Teatro.
O seu retorno aos palcos após seis anos, em plena semana do seu aniversário, celebrado na quinta-feira (26), é um presente. “Estou com meu coração aberto. Nos últimos tempos eu amadureci no melhor sentido, faço 34 em um ano muito importante para o cinema e a cultura do país, feliz de ter feito um filme que tem sido bem recebido e de estar nessa companhia”, diz o artista, que, nas últimas semanas, emocionou mais de 630 000 espectadores nos cinemas com sua interpretação de Ney Matogrosso em Homem com H (2025), película que liderou a audiência da Netflix após sua estreia na plataforma, no dia 17. Neste momento de sucesso absoluto, Jesuíta está exatamente onde queria estar.
Pessoalmente, os olhos verdes parecem até mais vívidos do que nas telas. A entrevista com o ator, no sábado (21), foi uma pausa em meio à correria de ensaios. “Sempre fui admirador da companhia. E ‘paquerava’ o pessoal, queria trabalhar com eles”, conta ele, que se conectou de vez com o grupo na temporada da montagem Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém] (2024), com Renata Sorrah. A última vez que Jesuíta esteve em cartaz foi em 2019, com Lazarus, de Felipe Hirsch. “Tenho essa formação no teatro, comecei no palco, é o que eu gosto, e estava com saudade”, garante.

No novo espetáculo, com direção e texto de Marcio Abreu, o ator divide a cena com Cleomácio Inácio, Idylla Silmarovi e Jessyca Meyreles, que formam uma banda. O enredo navega no limiar entre vida e morte, a partir do momento em que um dos músicos é atingido por um raio e entra em coma. O processo de criação, compartilhado entre o diretor, Nadja Naira, Cássia Damasceno e José Maria, incluiu residências artísticas e inspirações como o livro Sonho Manifesto: Dez Exercícios Urgentes de Otimismo Apocalíptico (2022), de Sidarta Ribeiro.
Uma das razões que levaram Jesuíta a morar em São Paulo, sete anos atrás, foi justamente o desejo de fazer teatro. Depois de viver no Baixo Augusta, fixou-se na Vila Buarque. Na vizinhança, costuma ir à Sala São Paulo e ao Tomás Uma Bar. “E gosto de caminhar pelo centro, me mudei para lá pensando nisso”, diz.
Relembre a trajetória de Jesuíta:






Ele nasceu em Salgueiro e cresceu em Parnamirim, pequenas cidades no interior de Pernambuco. De família católica, seu primeiro palco foi a igreja. “Era uma saída para mim do sistema de ensino em que não me encaixava. Procurava algum lugar para pertencer, e, na igreja, vi a oportunidade de dizer algo”, lembra ele, que se formou como ator em Fortaleza.

Na capital cearense, colaborou com o coletivo As Travestidas, fundado por Silvero Pereira. “Ali consegui formar uma outra possibilidade de existência enquanto corpo no mundo, de experimentar, me montar, criar uma liberdade que eu não tinha”, afirma.
Esse entendimento de um corpo livre, por força do destino, plantou a semente do trabalho mais importante da sua carreira. “Na época o grupo montou uma peça que tinha uma música do Ney, Mal Necessário. Fiz uma drag (na série Onde Nascem os Fortes, da Globo, em 2018) e pedi ao diretor para incluir essa música, que virou o tema da personagem. Acho que, de alguma forma, isso chegou nas pessoas, e consegui fazer o filme”, conta.
A partir de 2013, quando venceu o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema do Rio pelo longa Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, Jesuíta passou a ser figurinha carimbada no audiovisual brasileiro, estreando na televisão com Amores Roubados, minissérie da TV Globo, e atuando em filmes como Praia do Futuro, de Karim Aïnouz, ambos de 2014.

De personagem em personagem, como Jesuíta constrói e desconstrói suas criaturas? “Vou te dizer que às vezes me dispo para construir uma personagem. Temos que estar disponíveis para receber aquela estrutura e entender quais lugares ela vai habitar no corpo. Meu processo não tem muita regra”, detalha. Mas, segundo ele, sua abordagem mudou. “Tenho olhado muito para um caminho técnico. Alguns lugares não me interessam mais, como partir de um trauma, um sofrimento. Hoje consigo dividir uma vivência pessoal sem que isso me machuque tanto.”
Sobre Ney Matogrosso, o artista ressalta o trabalho coletivo da atuação. “Eram cinco frentes: canto, dança, prosódia, ensaios dos shows… Um dia desses escutei uma crítica dizendo que é ‘visceral’. Mas não é só isso, porque, quando você coloca um texto na boca e aquilo precisa ser filmado, a técnica é fundamental”, afirma. Assim, a desconstrução não traz tanto mistério. “Dividir o trabalho em frentes e com outras pessoas dá mais chances de entender que a construção pode ficar ali. Trabalho com isso porque gosto do processo coletivo”, explica.

“Orgulho” é outra palavra do novo momento de Jesuíta, que colhe os frutos da cinebiografia que estrelou. “Esmir (Filho, diretor do filme) escreveu um roteiro minucioso, com a intenção de comunicar sobre esse corpo disruptivo e libertário. O Brasil tem uma cultura muito diversa, mas em algum momento fomos de encontro a algo reacionário que não nos representa muito — temos agora a possibilidade de um pensamento mais plural, e o Ney defende isso com seu corpo livre”, acredita o ator.
Jesuíta tem algo a dizer com a sua arte. “Vivemos uma realidade muito distópica, artificial, e de alguma forma o teatro está retomando o público pela necessidade da troca”, reflete. De alguma forma, a nova peça também fala sobre isso. “Esse raio que a banda recebe é uma figura de linguagem muito forte sobre a necessidade de criarmos uma consciência coletiva no Brasil, de percebermos que a arte é um caminho para um entendimento maior sobre a existência. Nós beiramos o fim do mundo e ainda assim precisamos reagir, porque estamos vivos”, afirma Jesuíta, empolgado.
“Estou feliz aqui, é o melhor lugar em que poderia estar. E quero continuar fazendo teatro”, é o desejo simples, mas poderoso, do artista para o futuro. A sorte será nossa, de ver esse talento brilhar cada vez mais. ■

Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, ☎ 5080-3000 ♿ Qua. (9 e 30/7), 18h e 15h. Qui., sex. e sáb., 20h. Dom., 18h. R$ 70,00. Até 3/8. sescsp.org.br.
*Colaborou Luana Machado
Publicado em VEJA São Paulo de 27 de junho de 2025, edição nº 2950