Os mosaicos de Isabel Ruas, que tocou restauração de mural de Di Cavalcanti no Cultura Artística
A arquiteta planeja nova obra, em parceria com a galeria Nara Roesler
Entre 2010 e 2011, a arquiteta Isabel Ruas tocou a restauração do mural Alegoria das Artes (1950), de Di Cavalcanti, no Teatro Cultura Artística. Atingido por um incêndio que tomou o prédio em 2008, o painel resistiu — mas precisava de correção em avarias e também em mudanças feitas inapropriadamente numa reforma nos anos 70.
Grandiosa, a missão lhe rendeu o prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, homenagem conferida a expressões artísticas que preservam o patrimônio cultural brasileiro. Como a conclusão da reconstrução do teatro segue travada por uma questão burocrática ligada à venda do potencial construtivo na região da Rua Nestor Pestana, ainda não dá para saber quando será possível apreciar como se deve a obra. Felizmente, outros trabalhos de Isabel Ruas marcam cenários paulistanos.
Em um edifício de onze andares, na Avenida Angélica, Isabel empreendeu o maior painel em mosaico da cidade — na foto ao lado —, que ocupa 600 metros quadrados. Para completar a missão de transpor o desenho original do artista Claudio Tozzi para mosaico, ela teve de recorrer a dezoito tonalidades de azul. “Nós reunimos todas as marcas de materiais que existiam em São Paulo para dar a sensação aquarelada da pintura. O projeto dele estava em uma folha A2. Existe uma mudança de escala e de linguagem para cada pintura original, e isso é muito especial”, conta a mosaicista. Para conferir o aspecto em degradê e cromático prescrito, foi utilizado 1,5 milhão de pastilhas no painel.
A artista, também arquiteta e paisagista, iniciou a sua trajetória com os mosaicos a um continente de distância. Nascida em Lisboa, decidiu, em 1975, vir ao Brasil para complementar seus estudos em arquitetura, iniciados em Portugal, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), inicialmente por dois anos. O período foi suficiente para adotar o Brasil como sua pátria de coração — ela não deixou o país desde então.
“Saber ler o ambiente e descobrir como você vai interferir é pura linguagem e arquitetura”
Uma coleção de pequenas pedras e peças antigas que trouxe de sua terra natal foi o combustível para consolidar a sua jornada em direção aos mosaicos. Nos projetos e jardins paisagistas que desenhava, decidiu implementar esses itens. “A relação que eu tenho com os materiais é muito forte e ela está na base de todo o trabalho”, conta Isabel. “É sobre criar espaços e poder relacionar a arte com a arquitetura, mas muito pelos materiais em si: as pedras, o vidro, as pastilhas. As peças me atraem demais.”
Prova desse vínculo se materializou em um trabalho que fez a arquiteta viajar até Veneza, na Itália, em busca de toneladas de peças ideais. Para o painel de Candido Portinari encomendado pelo filho do artista a Isabel, foram adquiridas em uma fábrica específica que desenvolve mais de 3 000 tonalidades do material. O estilo usado no painel, segundo ela, faz parte de uma linguagem característica do modernismo em São Paulo. “As fábricas de pastilha, que começaram por volta de 1947, viraram um símbolo do modernismo paulista. Não havia um prédio moderno que não quisesse usar pastilhas”, relata.
Seja na restauração, que exige esforço em pesquisa, documentação e técnica para não perder a história da obra de arte, seja na criação artística, a modalidade não parou no tempo. Para abril, sua empresa, a Oficina de Mosaicos (leia mais abaixo), planeja um novo painel, em parceria com a galeria Nara Roesler, criado a partir de uma obra de Vik Muniz.
Há quase quatro décadas
Empresa de criação, produção e restauração de painéis em mosaico, a Oficina de Mosaicos foi fundada em 1982 por Isabel e seu sobrinho Gonçalo Ruas. Após sua chegada ao Brasil, a artista decidiu deixar os tradicionais escritórios de arquitetura e focar em desenhos intimistas, com a inspiração nas pedras e pequenos materiais. O próximo trabalho da mosaicista com a empresa será um painel do artista Vik Muniz, previsto para abril deste ano, em parceria com galeria Nara Roesler, que fica Jardim Europa.
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Publicado em VEJA São Paulo de 10 de março de 2021, edição nº 2728