“Hoje, seria impossível ter uma revista como a Playboy”, diz fotógrafo Bob Wolfenson
Aos 66 anos, o paulistano celebra cinquenta anos de carreira, fala da situação política, sobre seu novo livro, de padrões de beleza e da vida na pandemia
Qual é o seu balanço de um ano de pandemia?
Foi lá e cá. Teve momentos de esperança e de grande angústia. Em razão da minha produção, também vivi situações muito distintas. Foi uma paradeira tão grande no começo que me mudei para o meu sítio, no sul de Minas, fiquei lá desde o começo do mês de abril até julho. Depois, voltei para São Paulo, peguei pequenos trabalhos até chegar a um ritmo quase normal. Óbvio que com responsabilidade, todo mundo tinha sido testado e utilizava máscara.
E como foi lidar com a inundação de seu estúdio, na Vila Leopoldina, em fevereiro do ano passado?
Entrei em quarentena um mês antes de todo mundo, porque a inundação do meu estúdio foi pandêmica, grave. Curiosamente, desde esse período, com as fotos atingidas pela água, voltei a olhar para o meu arquivo, para as coisas que tinha feito no passado.
Como tem sido fazer essa revisão?
Comecei a urdir um livro sobre os cinquenta anos da minha carreira, vai ser lançado em maio. Chama-se Desnorte. Nele, eu advogo o vagar pelos gêneros da fotografia, que é algo que eu faço. Não segue uma linha cronológica, é um projeto independente, com tiragem de 750 exemplares. Cem deles vão ser assinados e numerados. Também nasceu desse movimento outro livro, chamado Sub/Emerso (Ipsis; 70,00), que lancei ainda em 2020. Ele me ocupou bastante tempo, porque tive de pensar como juntar fotos de temas tão distintos. A única coisa que as unia era o fato de terem sido inundadas, atingidas pela água e pela lama.
“Não concordo em olhar os trabalhos do passado pela lente das novas ideias, julgando-os uma aberração”
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Como foi ver, ao longo de sua carreira, a maior discussão sobre padrões de beleza?
Estou totalmente aderido a esses debates, porque os considero pertinentes. Não sou do tipo revoltado que reclama e diz que agora não se pode falar mais nada. Pelo contrário, acho que é importante fazer uma revisão. No entanto, não concordo em olhar os trabalhos do passado pela lente dessas novas ideias, julgando-os uma aberração. Mas eu sei que hoje seria impossível ter uma revista como a Playboy (publicação da Editora Abril para a qual fez ensaios com nomes como Alessandra Negrini e Vera Fischer). Ela objetificava a mulher absolutamente.
Você consegue tatear a que se deve o sucesso que seus nus têm e tiveram?
Eu rompi com um tipo de fotografia que se fazia para a Playboy, que seguia uma cartilha, você tinha de ter duas fotos de peito, três de bunda, quatro de costas. O trabalho que eu fiz com a Maitê Proença, na Sicília, na Itália, em 1996, foi diferente. A gente incluiu as pessoas locais e também uma espécie de atmosfera neorrealista. Foi uma coisa inédita. Não há precedentes na história da Playboy mundial de um trabalho desse tipo que eu saiba, que tenha chegado até a mim. Em geral, os ensaios eram muito carnais, direto na mulher. Esse tinha uma história, uma narrativa. Foi a partir dali que eu criei uma autoridade para poder fazer as coisas dessa forma.
Uma das suas fotos mais famosas traz o cantor Caetano Veloso com uma das sobrancelhas suspensa. Como foi essa sessão?
É, sem dúvida, a minha foto mais famosa, é a de que todo mundo fala. Eu a fiz nos anos 80, já tinha fotografado a capa do disco Outras Palavras, do Caetano. Teve um momento que eu andava bastante com ele. Depois, quando comecei a pegar mais trabalhos, nós nos distanciamos, porque eu não conseguia ir ao Rio vê-lo. No dia dessa foto nos reencontramos. Pedi que ele levantasse as sobrancelhas. E ele, imediatamente, não só levantou uma, como levantou as duas, com muita facilidade. Foi impressionante, ficou parecendo um quadro cubista.
No seu Instagram, você fala muito de política. Como você avalia o governo atual?
Tenho um pensamento de esquerda, sem dúvida. Vejo muita similaridade do que vivemos hoje com períodos que antecederam regimes totalitários. Mas existe uma diferença, ainda estamos em uma democracia. Eu posso criticar o Bolsonaro na minha rede social sem ser preso, por enquanto. Os correligionários dele podem me ameaçar, mas o Estado não. Na ditadura, você não podia fazer isso. Contudo, o futuro agora me parece mais aterrorizante em relação a quando vivíamos sob o comando dos militares.
Por quê?
Na ditadura, sabíamos que tínhamos chegado ao fundo do poço, mas havia luz no fim do túnel. Agora, não sei, o cenário é terrível, ainda mais com a pandemia.
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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de abril de 2021, edição nº 2733