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Bastidores de ‘Homem com H’: como foi transformação de Jesuíta em Ney

Diretor Esmir Filho revela detalhes do processo de produção e preparação da cinebiografia de Ney Matogrosso, que teve até dublagem do artista

Por Mattheus Goto
Atualizado em 1 Maio 2025, 02h05 - Publicado em 30 abr 2025, 18h40
Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso em 'Homem com H'
Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso em 'Homem com H' (Marina Vancini/Divulgação)
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Um ícone extraordinário na história do país merece uma cinebiografia à altura. Homem com H celebra a vida e obra de Ney Matogrosso, 83, em um espetáculo que promete ser um dos destaques do cinema nacional neste ano.

O longa dirigido e escrito por Esmir Filho, 42, relembra a trajetória do artista de Bela Vista, Mato Grosso do Sul, partindo da infância, passando pelos amores e o estopim da fama, até as consequências do estrelato e a epidemia de HIV. Quem o encarna na ficção, com espantosa semelhança, é Jesuíta Barbosa, 33.

“A única coisa que pedi era que não houvesse mentiras. Sempre li coisas loucas a meu respeito”, diz Ney, em entrevista a Vejinha. “Aceito que as pessoas trabalhem com liberdade, mesmo sobre minha vida.”

A ideia para o projeto veio da Paris Filmes em 2021. “Quando recebi o convite para dirigir e es colher um recorte, fiquei muito feliz”, conta Esmir Filho. “Desde a infância, a imagem do Ney me causava um assombro, me atraía e conversava com o meu íntimo”, diz.

Para começar a desenhar um esboço do filme, Filho escutou a discografia do cantor de cabo a rabo, para exercitar o “amor à primeira escuta”. As músicas serviram como estrutura do longa e estão presentes no roteiro desde o início.

A leitura do livro de memórias de Ney, Vira-lata de Raça (2018), instigou-o a definir um foco. “Ney fala que sempre respondia ao autoritarismo. Entendi assim o personagem”, diz.

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Jullio Reis como Cazuza, Jesuíta Barbosa como Ney e Bruno Montaleone como Marco de Maria
Jullio Reis como Cazuza, Jesuíta Barbosa como Ney e Bruno Montaleone como Marco de Maria (Divulgação/Divulgação)

Outro fator relevante foi a relação com o pai militar, que o mandava “aprender a ser homem” e dizia que não teria filho artista. “Quando ele diz que o pai foi a maior figura de autoridade que enfrentou e adota o sobrenome paterno, em um símbolo do que lhe havia sido negado, percebi que era uma jornada do herói, de conquista da liberdade”.

O cineasta chegou a receber testes de todo o Brasil, mas “não tinha como não ser o Jesuíta”. “Os dois exalam o mesmo perfume, são uma explosão em suas artes e Jesuíta também teve uma relação complexa com o pai”.

Juntos, começaram a contornar o personagem em cinco frentes de preparação: corpo e dança, canto, prosódia, ritmo e cadência e nutrição. O trabalho de caracterização também foi essencial. Foram três meses de transformação até virar o “Jesuney”, como apelidaram no set.

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No set, Jesuíta virou 'Jesuney'
No set, Jesuíta virou ‘Jesuney’ (Marina Vancini/Divulgação)

“Desde novo, eu escutava Ney e ele me tirava do lugar, sexualmente e musicalmente”, diz Jesuíta Barbosa. O ator pernambucano tinha noção das comparações entre os dois e buscou se aproximar, mas também quis dividir algo “íntimo e pessoal”. “Minha memória emotiva e minhas relações estiveram presentes na forma como eu lidava com cada cena”, explica. “O filme trouxe a possibilidade de coexistência.”

Ney contribuiu ativamente para o filme, compartilhando histórias e memórias para lapidar as cenas e chegar ao mais próximo possível da realidade. “Ele foi muito aberto ao longo do processo, fazia sugestões, dizia como cada coisa aconteceu, mas nunca no lugar do crivo, era muito natural”, afirma o diretor. Jesuíta ainda pôde visitar a casa do artista e ver de perto objetos pessoais. Inspirou-se também pelo “silêncio” e mistério

Para além da construção de cenas, um recurso inédito foi a dublagem. A produção mistura a voz do ator, que realmente canta, como na primeira vez com os Secos & Molhados e no ensaio com Rosa de Hiroshima, com a do cantor, em performances como a do coral. “Queria usar a voz dele, que é incomparável, pela força.”

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Ney Matogrosso e Jesuíta Barbosa
Ney Matogrosso e Jesuíta Barbosa (Lucas Ramos/Divulgação)

A presença de Ney proporcionou momentos especiais. “Convidei-o para o set logo no começo e, quando aconteceu, ele chegou inundando com sua energia solar. Ficou o dia inteiro e, no final, perguntou se poderia voltar”, afirma o diretor. O cantor compareceu a mais duas diárias.

Um dos momentos mais marcantes foi o da gravação da cena em que Ney recebe o resultado negativo do teste para HIV. A sensação não era de alívio, pois ele sabia que perderia todos ao redor. Marco de Maria, interpretado por Bruno Montaleone, diz que o vírus tinha surgido para matar a comunidade. Ney rebate: “Ele veio para mostrar que a gente existe, que a gente é humano, que a gente ama”.

Quando Ney diz que o pai foi sua maior figura de autoridade, percebi que era uma jornada do herói, de conquista da liberdade.

Esmir Filho
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“Quando cortamos, perguntei ao Ney o que sentiu. Ele começou a gaguejar e desatou um choro compulsivo. Virava para a gente e falava: ‘Eu não sou assim’. Ele não chora à toa, e naquele momento tomou conta dele. A gente consolou dizendo: ‘É natural, é a sua história’. E ele respondeu: ‘Não, não, é a história de muita gente’.”

A convivência foi enriquecedora para Caroline Abras, que vive a melhor amiga Lara. “Você vê o Ney voando no palco e não imagina o quão aterrado ele é, com uma clareza de pensamentos inacreditável”, comenta. “É um cara muito generoso. Fiquei ainda mais fã.”

Ney Matogrosso com o diretor Esmir Filho no set
Ney Matogrosso com o diretor Esmir Filho no set (Marina Vancini/Divulgação)
Esmir Filho e Jesuíta Barbosa nas gravações de 'Homem com H'
Esmir Filho e Jesuíta Barbosa nas gravações de ‘Homem com H’ (Marina Vancini/Divulgação)
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Os pontos de partida e de chegada do filme marcam a conexão do cantor com a floresta. “Ele é a força da natureza”, afirma o cineasta. Além de estar presente em diversas canções, diz respeito a sexualidade e libertação. É o que pauta o encontro final, de arrepiar, entre pessoa e personagem.

Homem com H mostra que, com o Ney, não existe passado, presente ou futuro. Sua vida, seu sangue latino e sua alma cativa são eternos ícones da nossa cultura.

Publicado em VEJA São Paulo de 2 de maio de 2025, edição nº 2942

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