Gregorio Duvivier volta aos palcos de SP em pleno esplendor criativo
Presença constante nos projetos do Porta dos Fundos, o ator está em cartaz em São Paulo com o espetáculo ‘O Céu da Língua’, uma ode à língua portuguesa

O ator e escritor carioca Gregorio Duvivier, 39, tem apego pelas palavras desde muito jovem. Aos 5 anos, já alfabetizado, escolhia leituras inusitadas, como o dicionário de radicais latinos, no lugar de livros infantis, como prefere boa parte das crianças. “Desde essa idade, ele se interessava pelas regras da língua, a formação das palavras”, conta a cantora e compositora Olivia Byington, 66, sua mãe. Não por acaso, o monólogo O Céu da Língua, que estreou ontem, no Teatro Sérgio Cardoso, tem as palavras como protagonistas, em um divertido passeio por suas idiossincrasias. “A peça é uma brincadeira com a minha obsessão pela língua portuguesa”, define o artista, que a apresentou primeiramente em Lisboa, por ocasião do aniversário de 500 anos do poeta Luís de Camões, em novembro do ano passado. Até agora, o espetáculo já passou por Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Com direção da atriz Luciana Paes — amiga e parceira na produtora Porta dos Fundos e no espetáculo de improvisação Portátil, que volta à capital em 30 de maio —, O Céu da Língua fica em cartaz até 25 de maio.

Em um palco livre de cenário, Gregorio atua sozinho, mas é acompanhado pela ambientação musical do contrabaixo de Pedro Aune e pelos efeitos visuais comandados pela designer Theodora Duvivier, sua irmã. Para elaborar o texto, ele contou com a ajuda de Luciana — “outra apaixonada pela linguagem”, em suas palavras. Juntos, eles criaram uma narrativa que mistura comédia, drama e poesia, gênero muito apreciado pelo também poeta e humorista. “O que eu adoro na linguagem é que ela é uma das poucas coisas a que as pessoas têm acesso de graça”, afirma. Para ele, o espetáculo tem um caráter inclusivo, ao mostrar que a língua é algo vivo e à prova de comparações. Na sua opinião, não existe um idioma melhor do que outro e mesmo o português considerado inculto merece respeito. “Pouca gente sabe que Luís de Camões usava ‘frecha’, no lugar de flecha, e ‘pranta’, no lugar de planta”, explica, mencionando aquele que talvez seja o poeta inaugural do português — língua cujo dia mundial é celebrado pela comunidade lusófona na segunda (5).
Luciana vibra com as escolhas do colega. “A peça é uma experiência de estar dentro da cabeça dele e descobrir como o seu cérebro faz as conexões”, diz a atriz e diretora, que decidiu despir o palco de muitos recursos técnicos para manter o foco justamente no que é dito por ele, que parece se divertir em cena. “Quem fica amigo das palavras nunca está sozinho”, diz o ator, formado em Letras pela PUC-Rio. “Eu passo o dia contando sílabas e me divertindo com decassílabos que encontro por aí.” Para o escritor, os vocábulos são, ao mesmo tempo, o que se tem de mais barato, mas também de mais precioso. São a base da sociedade e, ao mesmo tempo, um campo de batalha político. “Brigamos pela nossa palavra cotidianamente”, completa.

Neste espetáculo, Gregorio revela uma faceta pouco conhecida: a de cantor. Ele já tinha soltado a voz antes, no musical Como Vencer na Vida Sem Fazer Força (versão de Charles Möeller e Claudio Botelho para a obra de Frank Loesser, em 2013), no monólogo Uma Noite na Lua (com texto de João Falcão, em 2016) e até em Sísifo (peça de 2019, que fez com Vinicius Calderoni). “Mas nunca tinha cantado tanto”, diz o carioca, que está adorando a experiência. “É quando mato a frustração de não ter virado músico.”
Para Luciana, ele é um ator muito potente, mas em O Céu da Língua se despiu de personagens para voltar a ser aquele menino que gostava de dicionários. “O espetáculo é inteligente, sem perder o afeto. Exatamente como ele.” A também atriz e apresentadora Giovanna Nader, 39, esposa de Gregorio, tem uma visão parecida: “Essa é a peça da vida dele e traduz muito bem quem é”, diz ela, mãe de Marieta, 7, e Celeste, 2, as duas filhas do casal. O desenvolvimento da linguagem das meninas, aliás, serviu como material para a drama turgia. “A relação delas com a língua foi um laboratório para ele.”

O solo O Céu da Língua uniu o tema preferido do protagonista ao segmento artístico onde ele se sente mais à vontade: o teatro. “Não tem nada igual, é a arte que nasceu com a humanidade”, diz. E, diferente de outras expressões artísticas, ele só existe no presente e na presença de outras pessoas. “É mágico, ancestral e insuperável.” Segundo ele, em uma realidade em que as pessoas vivem com a atenção voltada para as telas — à mercê das escolhas do algoritmo — a experiência teatral permite vivenciar uma narrativa compartilhada, impossível de ser pausada e que não admite distrações.

Para o pai, o músico Edgar Duvivier, foi no tablado que Gregorio se encontrou. “Ele era uma criança desligada e distraída”, relembra. “No teatro, ele se superou.” Edgar e Olivia foram as primeiras influências artísticas na carreira do jovem Gregorio. “Sou filho de dois artistas que batalharam muito”, diz ele, que lembra de viver em uma montanha-russa financeira. “Aprendi cedo que a vida do artista é instável e que a arte é um trabalho braçal. Não temos férias, temos desemprego.” Mesmo assim, o ofício venceu o sonho de se tornar jogador de futebol, astronauta ou detetive. Embora admita que viver de arte só é possível com persistência. “Eu já fiz peça para três ou quatro pessoas. E isso foi bom: formou o meu caráter.” Por isso, hoje, quando vê as sessões de O Céu da Língua lotadas, só comemora. “Sou muito grato ao público. Na verdade, ainda não me acostumei a tanta gente querendo me ver.”
Nada mau para o menino tímido que encontrou nos palcos uma maneira de se conectar com as pessoas. “Entrei no Tablado (escola de teatro, no Rio) para curar a minha timidez”, afirma. “Quando subi em um palco pela primeira vez, as pessoas começaram a rir. E eu amei. Me curei e descobri que o riso é terapêutico, não só para quem ri, mas para quem faz rir.”

Que o digam os mais de 18 milhões de inscritos no canal Porta dos Fundos, no YouTube. Foi por meio da plataforma de vídeo que o rapaz chegou ao grande público, em papéis irreverentes de personagens anônimos e famosos — como Moisés, Jesus Cristo, Noé e Michelangelo. No vídeo mais recente do grupo, Conclave, ele encarna um cardeal envolvido na eleição do novo papa. “E o mais doido é que fizemos esse vídeo antes da morte do papa Francisco”, revela.
Segundo ele, a produtora Porta dos Fundos vem funcionando como um hub criativo — onde são criados e executados projetos como Que História É Essa, Porchat? e Greg News. Esse último, uma espécie de revista eletrônica, onde o apresentador discorria sobre atualidades (sem, claro, nunca perder o humor), foi exibido semanalmente, por sete anos, pelo canal Max (ex-HBO). Por ora finalizado, o programa deve voltar ao ar, mas ainda sem data definida. “Eu sinto falta.”
É no estúdio da produtora também que são gravados os episódios de Não Importa, que divide com o também colega de Porta, João Vicente de Castro (leia abaixo). Como o nome sugere, o programa é dedicado a coisas desimportantes, o que inclui revelar manias, gostos e intimidades da dupla. “O que mais gosto nesse projeto com o João é poder ser eu mesmo. São poucas as pessoas que me deixam à vontade dessa forma”, diz Gregorio.

Para o ator e apresentador Fábio Porchat, outro amigo e parceiro profissional, o melhor adjetivo para defini-lo é “fofo”. “Ele tem uma pureza que faz toda a diferença numa amizade. E trabalhar com ele é muito fácil e leve”, comenta Porchat. “Além disso, tem uma genialidade calcada na inteligência, no poder de observação e de síntese. É capaz de escrever um roteiro perfeito em minutos”, afirma. Não só roteiros. Gregorio é autor de dez livros de crônicas e poesias. Entre eles, está Sonetos de Amor e Sacanagem (Companhia das Letras, 112 págs., R$ 59,90), que combina o rigor da forma com seu estilo mordaz e hilariante. Não é para menos. A investigação linguística o acompanha desde muito jovem, como atesta o pai, Edgar, que revela que, aos 3 anos, o filho já sabia ler. “Descobri isso quando passamos por uma padaria e ele falou: ‘pa-pa-pada- padaria’”, relembra. Só podia dar no que deu. “O Céu da Língua é um compilado do próprio Gregorio e de seu amor pela linguagem”, afirma a mãe, Olivia. Para a amiga Luciana Paes, Gregorio desafia a máxima de que as pessoas inteligentes e cultas se tornam cínicas. “Ele, não: ele manteve o afeto pelo mundo.” E o mundo, por ele.
Colega de Gregorio no programa Não Importa, no YouTube, o ator João Vicente de Castro, 42, fala como é conviver e trabalhar ao lado do amigo:

“O Não Importa surgiu por conta de um espaço aberto na grade da Porta dos Fundos e que foi ao encontro do que eu e Gregorio já queríamos fazer juntos. Essa já era a nossa vontade, porque é muito divertido trabalhar com ele. Além disso, nós sempre quisemos tornar públicas as nossas conversas privadas e a nossa filosofia sobre coisas desimportantes.
Nós temos a capacidade de elaborar conversas infinitas sobre assuntos que não são necessários. Então, juntamos a fome com a vontade de falar. E criamos o programa que é, basicamente, a conversa entre dois amigos que se amam e se sacaneiam o tempo todo. Mas o mais importante é que gostamos de estar juntos. A minha afinidade com Gregorio vem da infância, porque as nossas mães (Vicente é filho da estilista Gilda Midani) são velhas amigas. Eu aprendo muito com ele, acredito que ele também me ouça. A nossa amizade é muito importante para mim, ela tem respeito, amor e até momentos de puxão de orelha. É um ótimo parceiro de trabalho, embora tenha esse problema com atrasos que me irrita profundamente. Mas daí ele me pergunta: ‘Você preferiria fazer esse programa comigo ou com alguém que chegasse na hora?’ E tem razão. Eu prefiro ele, mesmo atrasando. Fora o que todo mundo sabe: ele é inteligente, talentoso, tudo o que ele faz, faz maravilhosamente bem. Eu tenho muita sorte de estar ali ao lado, pegando um pouco desse sol, dessa potência que é Gregorio Duvivier.”