Gloria Coelho, que completa 50 anos de carreira, relembra sua trajetória na moda
Estilista fala do novo desfile, na Estação Júlio Prestes, um dos símbolos de São Paulo

Ela afirma que tem paixão pelo que faz. Mesmo confessando que, na próxima encarnação, quer ser cineasta ou atriz, carreiras artísticas, em sua visão, bem menos burocráticas. “Moda é uma paixão. Mas dá muito trabalho e paga-se muito imposto”, diz Gloria Coelho, 74, que está completando cinquenta anos de carreira como designer de moda.
Na próxima segunda (13), primeiro dia de São Paulo Fashion Week (SPFW), a estilista apresenta a sua mais nova coleção, que define como “uma mistura de momentos históricos, da era medieval aos anos 1960”. Tudo isso, com direito a um pulinho em 1900 para falar do vestuário da época dos trens. O cenário da apresentação não poderia ser outro: a Estação Júlio Prestes, em Campos Elíseos, que vem sendo restaurada desde o ano passado, e é vizinha a também majestosa Sala São Paulo.
Gloria adianta que os convidados poderão esperar por peças com estampas inspiradas na pop art e no floral do período elisabetano (século XVII). As cores eleitas para a estação são neutras, como o preto, o off-white e o azul-marinho, que ganham pitadas de cores fortes como o bordô, o verde-militar, o rosa-claro, o turquesa e o vermelho. “A minha cor preferida é o verde. Mas o azul-marinho é o preto dos ricos. É chique demais”, diz.
A criadora confessa que, apesar do trabalho e do custo alto, gosta muito de apresentar suas coleções com desfiles. “Nesse momento é quando podemos dar vazão à criatividade lapidada pelo estudo e pela observação da arte e do comportamento de outras épocas. Adoro história da moda e me inspiro muito nos anos 1960, a minha década favorita”, revela a designer, que foi uma jovem encantada pelos Beatles, que se inspirava em Twiggy (modelo, cantora e atriz britânica, ícone daqueles anos) e admirava as elegantes criações dos estilistas André Courrèges (1923-2016), Paco Rabanne (1934-2023), Mary Quant (1930-2023) e Yves Saint Laurent (1936-2008). “Foi a época mais criativa do século passado. Esses estilistas abriram as portas da profissão para todos nós”, afirma Gloria, que admite que a grande inspiração para criar, no entanto, foi provocada pelos designers japoneses, como Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto, criadores que desafiaram os padrões de beleza com uma moda conceitual, minimalista e andrógina.

“Gosto de dizer que a minha mão é brasileira, mas a minha cabeça está no universo.” Universo este aberto por livros e revistas, que enchem as paredes de seu escritório, mas que hoje ela investiga navegando pela web, nas redes sociais. “Adoro ficar um tempo olhando as fotos e descobrindo novidades”, afirma a estilista, que reconhece na moda contemporânea modelos e detalhes já explorados por ela em outras coleções.
“Meu filho Pedro (Lourenço, fruto do casamento com o também estilista Reinaldo Lourenço) gosta de dizer que eu sou tão velha que já fiz de tudo (risos). Mas a verdade é que tudo já foi feito. Estou sempre refazendo, mas do meu jeito.” E isso, completa Gloria, serve de conselho para os jovens designers. “Nas aulas que dou, eu sempre digo: se respeitem, mostrem quem vocês são e encontrem a sua turma”, afirma. “Para mim, isso foi sempre fácil. Não tenho medo de me mostrar, como uma boa leonina.”
Bem antes de criar a G, marca que a tornaria conhecida entre os fashionistas, a partir de 1981, Gloria já flertava com a moda. Aos 6 anos, quando era interna no colégio Nossa Senhora da Piedade, em Ilhéus, na Bahia — ela é natural de Pedra Azul, em Minas Gerais —, ganhou uma caixa de costura dos pais numa das visitas. “Eu gostei tanto que passei a noite acordada brincando. Nessa época, eu ainda não sabia que a moda não é brincadeira, é trabalho para 24 horas por dia”, recorda.
Na juventude, já vivendo em São Paulo, Gloria fez uma sociedade com duas colegas do curso técnico de comunicação do Instituto de Arte e Decoração para criar camisetas que ela mesma desenhava e mandava bordar. O modelo, inspirado pelo modismo da época, era justo e com mangas amplas, tipo “boca de sino”. “Vendemos tanto que, em três meses, cada uma de nós tinha comprado um carro”, diverte-se. “Mas isso foi em um passado em que a classe média brasileira tinha mais dinheiro. Hoje, a realidade é outra: a nossa roupa ficou cara e eu tenho medo de ousar demais e não vender.”Discípula da francesa Marie Rucki, estilista e diretora da escola de moda Studio Berçot, em Paris, Gloria está sempre em busca da excelência. “Sou bastante exigente. Busco a perfeição”, admite.

Além da G — grife que passaria a ter o seu nome completo, a partir dos anos 2000 — Gloria lançou uma segunda marca, nos anos 1990, focada no público mais jovem. Batizada de Carlota Joakina, a linha era assinada pela estilista Carla Fincato, que já fazia parte de sua equipe, e fez muito sucesso até ser descontinuada, em 2012.
Ao longo das cinco décadas de carreira, Gloria Coelho teve reconhecimento nacional e internacional. Em 1997, em pleno boom das semanas de moda em São Paulo — trazido pelos extintos Phytoervas Fashion e Morumbi Fashion (precursor do SPFW) —, recebeu seu primeiro prêmio como melhor estilista. Posteriormente, levou a sua marca para o Japão, onde manteve uma representante comercial por dez anos, sendo sucesso de vendas. “Até os homens usavam as minhas roupas”, lembra.
Também desfilou suas criações na Madrid Fashion Week, na Espanha, e na Semana de Moda de Lisboa, em Portugal. Hoje, concentra a sua estratégia comercial em duas lojas físicas, na Rua Haddock Lobo e no Shopping Iguatemi, e no e-commerce.

“Durante esse tempo todo, a missão da empresa nunca mudou: continuo a criar roupas que realcem a personalidade de quem as veste, sempre buscando materiais tecnológicos e que sejam sustentáveis”, afirma a designer, que anda obcecada por salvar o planeta — e tornou-se vegana. “Faço o que posso para isso: troquei o carro por um modelo elétrico, reciclo o meu lixo e procuro utilizar tecidos que já tenho em estoque, evitando o poliéster sempre que possível.”
Tudo isso porque, no futuro, Gloria se imagina bem velhinha ainda atuando com moda. “Eu me energizo trabalhando, criando, resolvendo problemas. Além disso, procuro comer direito, fazer exercícios, cuidar da minha família e dos meus amigos.” E para isso, ela conta com o auxílio de uma nova “funcionária”: Vitória, sua assistente de IA. “Ela me ajuda muito.”
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de outubro de 2025, edição nº2965.