George Moura: “Não existe novela sem grandes histórias de amor”
Roteirista fala sobre seu novo trabalho, 'Guerreiros do Sol', escrito em parceria com Sergio Goldenberg, e discute o cenário atual da teledramaturgia brasileira

O sertão nordestino foi o cenário escolhido pelo roteirista pernambucano George Moura, 61, em parceria com o também roteirista Sergio Goldenberg, 58, para sua próxima novela que estreia na quarta (11) no Globoplay. “Guerreiros do Sol” conta, em 45 capítulos, a saga de um casal de cangaceiros Rosa (Isadora Cruz) e Josué (Thomás Aquino). “É uma obra de ficção inspirada não só em Lampião e Maria Bonita, mas em tantos outros casais que cruzaram o sertão nos anos 20 e 30”, explica.
Apesar da trama ter como pano de fundo os tempos de sangue do cangaço, os temas que sustentam o enredo são universais, como paixão, família, poder, religiosidade, a força das mulheres e a fraternidade. Autor de séries e novelas como “Onde Nascem os Fortes”, “O Rebu”, “Onde Está Meu Coração” e “O Canto da Sereia”, Moura também assina os roteiros de filmes como “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, e “Linha de Passe”, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas. Já recebeu oito indicações ao Emmy International Awards, considerado o Oscar da TV. Confira a entrevista a seguir.
“Guerreiros do Sol” é uma história de amor e violência passada nos anos 1920. Por que, nos dias de hoje, escrever sobre o cangaço?
Eu sou completamente fascinado por este tema. O cangaço tem todas as questões arquetípicas dos conflitos dramáticos. É uma geografia humana que só existe lá, com heróis, bandidos cruéis e um embate entre o arcaico e o moderno. Não existe novela sem grandes histórias de amor, que façam as pessoas vivenciarem o que não vivem na vida real. É uma história de amor, mas em tempos de guerra.
Suas raízes pernambucanas ajudaram você a construir esse enredo?
Com certeza. Quando era pequeno, meu pai costumava me levar de carro nas viagens que ele fazia a trabalho pelo interior. Ao olhar pela janela aquela paisagem árida da Caatinga, eu ficava imaginando aqueles bandos de homens e mulheres paramentados com roupas pesadas de couro, armados e prontos para a guerra. Ao longo do tempo eu li e colecionei mais de 100 livros sobre o tema. Na minha mesa de trabalho, a imagem de Lampião está ao lado de um escapulário com a imagem de Nossa Senhora Aparecida e das fotos dos meus quatro filhos. Não preciso dizer mais nada.
Apesar do imaginário mítico da época, os cangaceiros eram criminosos que viviam à margem da lei. Como eles são retratados no seu roteiro?
Nós não fazemos ode à violência nem aos bandidos. No audiovisual eles já foram tratados como heróis que roubavam dos ricos para dar aos pobres. Uma espécie de Robin Hood do sertão. Mas isso não é verdade. O que eles faziam era justificar moralmente suas ações culpando a ausência do Estado. Era a justiça pelas próprias mãos. Tem uma frase do personagem Josué que eu me apropriei de Lampião: “Eu me transformei em cangaceiro não pela minha maldade, mas pela maldade dos outros”. Mas, como ninguém é uma coisa só, eles acreditavam em Deus e eram muito religiosos. Vinham de famílias destruídas e prezavam a irmandade, a fidelidade e acreditavam na palavra do outro. Ou seja, viviam na marginalidade, mas falavam de ética e de religião. Isso é de grande riqueza para o roteiro.
Você é jornalista por formação. De que forma isso ajuda você em seu trabalho?
Antes da dramaturgia, eu trabalhei na revista VEJA, na Globo Nordeste e no Fantástico. Isso me trouxe uma das coisas mais importantes no meu processo de criação, que é o olhar investigativo do repórter. Antes de escrever sobre qualquer tema, o meu primeiro movimento é ir para a rua com caderno e caneta na mão para pesquisar, conversar com as pessoas, ampliar o olhar. Em Guerreiros eu viajei mais de 3 000 quilômetros, durante dez dias, visitando vários lugares do sertão por onde os cangaceiros passaram.
“Antes de escrever qualquer tema, vou para a rua com caderno e caneta na mão para pesquisar, conversar com as pessoas, ampliar o olhar”
Como você vê o cenário da teledramaturgia hoje no Brasil?
Ela continua tendo a função de cultuar o belo e ampliar os horizontes do olhar, mas acho muito importante que mais histórias do Brasil profundo sejam contadas, fora do eixo Rio de Janeiro–São Paulo. É muito bom quando o audiovisual alcança geografias pouco vistas.
Novela é espaço para debater questões sociais e agenda positiva?
A dramaturgia pode discutir de tudo, o problema é quando fica querendo dar aula. Parar uma narrativa para dar lição de moral provoca tédio no espectador, e não encanto. Porque dramaturgia não é livro de moral e cívica, é para falar dos conflitos humanos. E das questões que muitas vezes a gente não quer enxergar. Além disso, eu acho que existe uma “doença” moderna que é as pessoas julgarem os personagens como se eles fossem parâmetros éticos para a vida real. A dramaturgia é um território livre.
O brasileiro ainda gosta de novela?
Não tenho dúvida alguma. Ainda é uma paixão nacional. Basta ver o número de novelas que estão no ar neste momento nos canais abertos. O Globoplay Novelas, antigo Viva, é o canal mais visto da TV por assinatura. O formato não caducou, mas hoje há uma gama de opções que fragmentou a audiência. Concorremos com o streaming, a internet, jogos de celular e as redes sociais. Aqueles picos de audiência das produções antigas não devem mais se repetir. A batalha hoje é como reter o olhar do espectador por mais tempo possível para um produto que está no ar.
Por que as histórias de amor sempre fazem sucesso nas novelas?
Elas criam empatia com o público porque, no fundo, o que todo mundo quer é ser amado. Essa busca incessante por amores possíveis e impossíveis está na essência do folhetim e cria uma tensão narrativa. O resultado é que o espectador se projeta como se fosse ele que estivesse vivendo tudo aquilo.
Quando você descobriu que queria ser roteirista?
Acho que escrever sempre esteve no meu DNA. Na adolescência eu queria ser poeta, mudar a percepção das pessoas por meio das palavras. Fiz pós-graduação em artes cênicas e atuei como ator, mas eu era um canastrão (risos). Eu me mudei para São Paulo para fazer jornalismo contrariando meu pai, que queria que eu seguisse seus passos no comércio. Agora, a paixão pelo roteiro veio quando era bem jovem, assistindo Werner Herzog, Glauber Rocha, Francis Ford Copolla…
Quais são seus próximos projetos?
Escrevi as cenas de dramaturgia de uma série dos 100 anos do jornal O Globo com direção e roteiro do Pedro Bial e acabei agora, com Sergio Goldenberg, uma novela inspirada em peças de Nelson Rodrigues, chamada Paraíso Perdido.
Publicado em VEJA São Paulo de 6 de junho de 2025, edição nº2947.