Feiras livres comprometidas com sustentabilidade se disseminam na cidade
Demanda por produtos alinhados à bem-estar e meio ambiente diversifica formato dos eventos
Aparentemente poderia ser só mais uma feirinha como as tantas que se espalham pela cidade. Um olhar mais atento, porém, notará peculiaridades, como a predominância de produtos veganos, a ausência de descartáveis plásticos e objetos de arte feitos com material que seria descartado.
Impulsionadas pelo crescimento da procura por produtos sustentáveis, que foi de 40% no Brasil entre abril de 2022 e março de 2023, segundo levantamento do Mercado Livre, as novas feiras pautadas em objetivos sociais e ecológicos não param de se multiplicar. “A demanda por criações autorais e de consumo consciente cresceu muito. As ‘feiras criativas’, como são chamadas hoje, se tornaram um nicho de mercado consistente”, aponta Cláudia Kievel, CEO da Rede Jardim Secreto, que trabalha desde 2015 no segmento.
Com cerca de 700 expositores cadastrados, a Feira Jardim Secreto possui um critério de seleção voltado para o compromisso com a cadeia produtiva e a economia local. “Todos os itens descartados na feira são reciclados ou compostados. E temos quatro guias na curadoria: escala do negócio, produção justa, economia circular e originalidade”, explica a fundadora.
A Casa de Alice percorre o mesmo caminho. “A partir do ano que vem, seremos lixo zero. Traremos uma ONG de reciclagem e estamos confeccionando copos ecológicos”, afirma Sandra de Lima, criadora da feira que, duas vezes ao mês, ocupa ruas da Liberdade e de Santa Cecília. “Temos um compromisso social. Na Liberdade, fazemos um trabalho mútuo de ativação do espaço público junto com o comércio local. E também temos marcas voltadas para o público japonês e negro”, diz Sandra.
Agora, começa a surgir uma série de iniciativas ainda mais especializadas, como a Feira Urban, integrada com vivências de bem-estar, a Novo de Novo, de moda vintage, e a Brechó Plus Size, organizada pela Pop Plus. As últimas investem no conceito de upcycling, tendência de reaproveitamento que consiste em dar novo destino a materiais que seriam descartados.
Itinerante, a Novo de Novo já passou por vários locais da capital, como a Casa de Portugal, o Cine Belas Artes e a Rua Augusta. “O pessoal do brechó sempre está circulando. Temos até expositores de outras regiões do país. Mas mantenho um limite de até cinquenta, para oferecer essa experiência de caminhar sem filas”, conta Angela Euzébio, a curadora. Um deles é Artur de Souza, da Di Gordo, que restaura camisas históricas de times de futebol. “O processo pode levar até um mês e quinze dias, para lavagem adequada, limpeza, pesquisa e recriação das artes. É literalmente do lixo ao luxo: uma peça descartada que se torna memória para um fã”, explica.
Já a Feira do Brechó Plus Size surgiu de uma necessidade de Flávia Durante. “Era muito difícil encontrar roupas em tamanho grande em brechós, até pela própria falta de oferta no mercado. Agora, com uma produção maior, já podemos falar de upcycling”, afirma a fundadora.
A especialização é também uma estratégia. “Estão surgindo muitas feiras com identidades visuais e curadorias similares. Isso atrapalha o ecossistema e confunde o público e as marcas. Acho legal que eventos especializados surjam cada vez mais”, diz Cláudia, da Jardim Secreto, que na próxima edição lança um espaço com artigos de papelaria e publicações. Preservar é preciso.
Publicado em VEJA São Paulo de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904