Os detalhes da quarta volta ao mundo da Família Schurmann, que acaba de preparar veleiro no Guarujá
Expedição, que ganhará quadro no "Fantástico" e custará 15 milhões de reais, terá o lixo nos oceanos como tema
“Como é que é chemistry (química) mesmo em português?”, pergunta Wilhelm, 45, enquanto explicava para a reportagem o funcionamento das baterias que armazenam energia do veleiro da família brasileira famosa por realizar voltas ao mundo em alto-mar. Os Schurmann costumam trocar a língua oficial da embarcação com a mesma frequência com que mudam de endereço: são fluentes em espanhol, inglês e francês e emendam diálogos em palavras estrangeiras com normalidade, o que soa estranho para quem não está acostumado. Vilfredo, 72, e Heloísa, 75, são as âncoras, e Wilhelm, David, 47, e Pierre, 53, os filhos: eles se encontraram no último domingo (25) na sede do Guarujá do Iate Clube de Santos, no litoral paulista, para comemorar o aniversário do caçula e acompanhar os últimos retoques no veleiro, que está em fase final de preparação para a próxima expedição em alto-mar da família.
Descalços, com a pele bronzeada e as camisetas do projeto Voz dos Oceanos, eles explicaram para a Vejinha os detalhes da expedição, que vai passar pela costa brasileira, dos Estados Unidos, América Central e Caribe, visitando ilhas do Pacífico Sul, terminando na Nova Zelândia. São 41 pontos de parada. A quarta volta ao mundo dos Schurmann se inicia no dia 29 de agosto e tem foco ambiental: registrar in loco e chamar a atenção para a presença do plástico nos oceanos, com a ajuda de equipamentos científicos e das redes sociais.
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Com apoio do Programa da ONU para o Meio Ambiente e a Plastic Soup Foundation, a empreitada custará cerca de 15 milhões de reais, que serão angariados por meio de patrocínios (marcas como Corona, Faber-Castell, Natura e Sabesp já deram suas contribuições): 50% do valor foi arrecadado, o suficiente para o início da viagem. “Em 2016, na nossa última volta ao mundo, passamos por uma ilha em Papua Nova Guiné e ficamos impressionados com a quantidade de plástico que se acumulou ali”, explica Vilfredo, sobre o episódio que inspirou a nova empreitada. Ele e a esposa, Heloísa, estarão acompanhados do filho Wilhelm, da nora Erika Cembe-Ternex, que cuidará da cozinha, além de outros quatro tripulantes, responsáveis pela filmagem e a geração de conteúdo nas redes sociais da aventura.
A sede dessa empreitada é o veleiro Kat. Com 24 metros de uma ponta à outra, ele conta com seis cabines e três banheiros, além de cozinha, mesas para reuniões e capacidade para catorze hóspedes. O barco homenageia a filha Kat (1992-2006): adotada pelos Schurmann, ela era portadora do HIV, que adquiriu da mãe biológica, contaminada pelo vírus acidentalmente em uma transfusão de sangue.
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A embarcação conta com sistema de geração de energia eólica, solar, além de hélices hidrogeradoras, mecanismo de dessalinização da água do mar (quando ligado, deixa 200 litros de água por hora própria para consumo) e tratamento de esgoto (90 litros descontaminados a cada três dias). O barco se move a maior parte do tempo com a força do vento e chega a 40 quilômetros por hora. “É um veleiro pesado, de 85 toneladas”, explica Wilhelm, que é ex-atleta profissional de windsurfe.
Por terra, David, cineasta, vai comandar a roteirização da aventura, que, assim como a Expedição Oriente, último projeto da família que terminou em 2016, vai ganhar espaço no Fantástico, da Rede Globo. “Estamos conversando também com plataformas de streaming e teremos conteúdo constante nas redes sociais, TikTok, Instagram, Facebook”, conta David.
São quinze pessoas dando apoio no continente: parte está baseada em São Paulo e trabalha na produção audiovisual, a outra ponta da equipe lida com assuntos como logística, eventos e marketing. A ideia é levar também famosos para dentro da embarcação em algumas paradas, para discutirem o problema do plástico: o projeto vai dialogar com as comunidades que vivem nas coordenadas visitadas e promover debates sobre a poluição dos mares.
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Voltando no tempo, a primeira expedição da família começou em 1984 e durou dez anos: as “crianças” cresceram a bordo. “Quando eu tinha 13 anos, tive meu primeiro romance com uma menina belga que também morava em um barco”, lembra David. O namoro, claro, tinha prazo de validade. “Ficamos meses juntos na Ilha de Santa Lúcia, no Caribe. E aí, de repente, nós fomos para o Pacífico e a família dela voltou para a Europa, fiquei arrasado”, relembra. “Você acaba ficando condicionado ao desapego, eu não tenho nada que não caiba em uma mala”, diz ele, que em dois meses parte para a Jordânia para trabalhar em um filme.
A vida nas águas salgadas, claro, não é só um oceano de sorrisos. Além dos desafios do confinamento, os perigos das águas também renderam boas histórias para os Schurmann. Em 1991, por exemplo, ficaram presos em uma tempestade na Nova Zelândia. “Eram ventos de 135 quilômetros por hora, perdemos os dois mastros do veleiro. Nos trancamos e esperamos a tempestade passar, foram dois dias de desespero”, lembra Vilfredo. “Foi o momento mais difícil da nossa vida”, conta Heloísa. Todos possuem conhecimentos básicos sobre o funcionamento da embarcação e um pouco mais: Heloísa, ex-professora de inglês, fez cursos de primeiros socorros, e o marido, que trabalhava como economista até largar tudo pelos mares, estudou procedimentos para casos de emergências odontológicas. “Nós somos radicais com segurança”, explica Heloísa.
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De volta a 2021, na alçada científica do Voz dos Oceanos, equipamentos instalados no veleiro vão coletar dados sobre o impacto da contaminação humana nos oceanos. A iniciativa é liderada pelo oceanógrafo Bruno Libardoni. Um drone, capaz de tirar fotografias que detectam a presença de resíduos no oceano, é um dos tripulantes do projeto. Os dados serão analisados por uma equipe de quatorze cientistas brasileiros e estrangeiros.
Apesar da origem catarinense e da vida no mar, os Schurmann mantêm um pé paulistano: a sede da empresa que leva o nome da família fica no Itaim Bibi, assim como a casa de David, que serve de estadia para Heloísa, Vilfredo e Wilhelm, quando o trio não está no barco, onde moram. Pierre, o filho mais velho, vive em Salvador e toca negócios na área de tecnologia e startups, mas deve encontrar os parentes em alguns pontos da viagem.
O barco foi readaptado para a aventura durante quatro meses em Biguaçu, em Santa Catarina, e nos últimos vinte dias foi instalado nas águas da Baixada Santista. Em um estaleiro do Guarujá foram realizados os últimos retoques no acabamento externo do barco. No dia 2 de agosto, eles partem em direção a Itajaí e, depois, Balneário Camboriú, de onde partirá a nova empreitada.
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Publicado em VEJA São Paulo de 04 de agosto de 2021, edição nº 2749