Erasmo Carlos: ‘Não ligo para o passado, só sigo para frente’
Aos 72 anos e em plena forma, o Tremendão lança o disco <em>Gigante Gentil </em> e responde às críticas dos que dizem que ele está 'no bico do corvo'
O Tremendão nunca se acua. Foi só começar a se aventurar pelas redes sociais que logo notou a deselegância dos que se escondem por trás do anonimato virtual. Falavam da idade do astro e, no limite do mau gosto, chegavam a sugerir que não lhe restava muito tempo de vida. Quanto engano.
A resposta que veio é digna da lenda. O disco Gigante Gentil, lançado em abril, já está entre as melhores obras deste artista – o que é muito para quem já lançou Carlos, Erasmo (1971), Banda dos Contentes (1976) e Amar pra Viver ou Morrer de Amor (1982), para citar alguns exemplos. Para tanto, convocou um time estrelado. Marcelo Jeneci, o guitarrista Luíz Carlini (fundador da banda Tutti Frutti) e o produtor Kassin estão entre os músicos que participaram do disco, que ainda conta com letras de Caetano Veloso (Sentimentos Complicados) e Arnaldo Antunes (Teoria do Óbvio).
Quem compartilha da opinião de que o tempo de Erasmo Carlos já passou certamente nunca teve a oportunidade de ver o roqueiro se apresentar. A calvície, os cabelos brancos e o passo lento podem denunciar a idade, mas tudo logo é esquecido assim que ele começa a cantar, com a imponência de um rockstar, Dois Animais na Selva Suja da Rua ou Festa de Arromba. São algumas das músicas que ele apresenta no HSBC Brasil no sábado (17), além das canções do novo trabalho.
Por telefone, Erasmo Carlos falou com a reportagem de VEJASAOPAULO.COM sobre o fôlego que o mantém na estrada, a fama de machão e a amizade com Roberto Carlos. Com certo ressentimento, também comentou sobre as últimas duas canções que compôs com o Rei há sete anos, as quais ainda não foram gravadas. Os dois, aliás, só se falam em seus respectivos aniversários. Leia a entrevista abaixo:
A música-título do novo álbum é uma resposta direta às duras críticas que fizeram a você nas redes sociais, falando da sua idade. Como você faz para manter o pique aos 72 anos? Como sempre, né? Eu amo a estrada, a minha vida é essa, é uma coisa que eu gosto, que faço com prazer. Até o dia que der, né? “Gigante gentil” é um apelido que me foi dado pela [cantora e guitarrista] Lucinha Turnbull nos anos 1970. Pra virar disco eu explico o motivo: foi indignação. Quando eu comecei a a descobrir as redes sociais, eu nunca tinha visto isso. Eu me indignei, sabe? Eu tomei um susto com a forma como algumas pessoas se referiam a mim.
O que te deixou mais irritado? Me assustei. Me chamavam de zumbi, morto-vivo, “walking dead”… E tinha alguns que iam além. Chegaram a dizer que se eu levantasse a mão para o céu, Deus puxava. O outro dizia que se eu fechasse os olhos, minha família começava a rezar. Disseram que eu estava no bico do corvo. Hoje em dia, eu vejo graça. Mas agora já fiz a música [risos].
É a primeira vez que você apresenta o show do novo disco aqui em São Paulo. O que você está preparando a apresentação? Reformulamos a sonoridade das músicas antigas, fizemos algumas mudanças de arranjos, demos uma roupagem nova a elas. Coloquei muitas músicas no repertório que eu não cantava há muito tempo, como Dois Animais na Selva Suja da Rua e Grilos. Tocamos cinco músicas do disco novo. Não posso fazer mais porque as pessoas não curtem ouvir muita música nova no show, acham cansativo. Feliz de quem tem um repertório pra mostrar.
Você sempre teve fama de ser um dos maiores machões do Brasil, junto ao Carlos Imperial e ao Jece Valadão. Você é o último machão do Brasil? Nunca fiz essa pesquisa, bicho. Pesquisar coisa masculina não é a minha praia, sabe? [Risos.] Na verdade, acho que não. Os tempos mudaram. As coisas não acabam, elas se transformam. Então deve ter até machão depilado por aí hoje em dia. Eu não sei direito, mas acredito que sim.
É difícil ser Erasmo Carlos hoje? Só por causa da idade, cara. A mente é uma coisa tão linda, é uma criação tão bonita. A minha está conservada, guardo as lembranças, os planos e tudo mais. A parte física que incomoda porque quando chega a idade você não pode mais acompanhar o que pensa. A limitação física é um terror, um saco. O resto é tudo maravilhoso.
Você toca em São Paulo no mesmo dia do Roberto Carlos… É mesmo? Você que está me dando essa notícia. Eu nem sabia.
Ele tem sete shows marcados aqui na cidade, com ingressos quase esgotados, para comemorar o Dia das Mães. Aproveitando a coincidência, qual o paralelo que você traça entre a carreira de vocês dois? Uma coisa que eu acho definitiva na vida da pessoa são as influências. O cara fica escravo das influências dele pelo resto da vida. Os caminhos poderiam ter sido traçados juntos, você tem razão, mas a minha influência é o rock’n’roll, me tornei escravo dele desde a primeira vez que ouvi. A dele foi o samba-canção. Até quando ele toca rock soa como samba-canção. Isso é uma das coisas sobre as quais eu penso. A outra é que ele é do Espírito Santo e eu sou do Rio de Janeiro. Fui criado em um centro urbano grande e ele é do interior. Tudo isso influencia a personalidade da pessoa.
Qual a sua relação com o Roberto Carlos hoje? Vocês se falam sempre? Não, não. Só de vez quando, em aniversários. A gente se telefona para dar os parabéns. Ele, às vezes, telefona para mim para eu dar os parabéns no dia do aniversário dele. Eu faço o mesmo. Fico pensando: “pô, de repente o Roberto quer me dar os parabéns e não me achou”. Então a gente facilita para o outro. É isso que faz a amizade da gente seguir para sempre, independentemente de não estarmos compondo juntos atualmente.
Pensam em voltar a compor juntos? O dia que tiver que ser, será. A gente tem duas músicas novas, que foram escritas há sete anos, e ele ainda não gravou. Estou te dizendo em primeira mão. Duas músicas românticas, no estilo que ele faz. Nem sei se vão ser gravadas. Isso é problema dele.
No ano passado, você relançou uma caixa com Carlos, Erasmo (1971), Sonhos e Memórias (1972) e Banda dos Contentes (1976). Neles dá pra perceber certa espontaneidade em cada uma das músicas, um despojamento na gravação. Pouquíssimos artistas fizeram isso com sucesso. Como era o trabalho com os músicos no estúdio? Era um trabalho muito louco, bicho! Na época tinha tudo a ver. Todo mundo muito louco mesmo, sabe? Muita gente ia. Fulano seguia o sicrano. Os Mutantes, por exemplo, tinham os seus seguidores, a sua turma. Eu tinha a minha. As pessoas levavam seus amigos, tinha gente que ficava vendendo artesanato. Era uma festa.
Tem saudades dessa época? Saudades eu não tenho, bicho. Eu lembro, às vezes, dou risada, mas não penso “queria que aqueles tempos voltassem”. Eu não sou um cara assim. Eu sigo sempre pra frente. O que passou, passou, o que vale é o presente.