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Como ficarão as relações românticas depois da quarentena?

"É o momento de se reencontrar. toda pessoa precisa de outra diferente dela, embora de mesma natureza", escreve a psicóloga Verônica Cezar-Ferreira

Por Verônica Cezar-Ferreira
Atualizado em 27 Maio 2024, 17h58 - Publicado em 26 jun 2020, 06h00
 (Beastfromeast/GettyImages/Divulgação)
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O amor é uma plantinha que precisa ser regada. Quem já não ouviu isso? O amor é um potencial. Ele não é em si. Ele se alimenta na convivência e se desnutre na convivência. Este é um tempo de nutrição e de desnutrição. Opa! É isso mesmo? É, é sim.

Você já viu aquele casal que não se desgruda e um não deixa o outro nem sequer respirar? Pois é. De tão simbióticos nem parecem ter vida própria. E aqueles que fazem tanta questão de demonstrar individualidade que nunca encontram o que fazer juntos?

Ambos estão atrapalhados neste momento. Não que os demais não estejam, mas veja só.

Em tempos de quarentena, você está confinado com seu amor. Se é do tipo simbiótico, talvez nunca tenha percebido a necessidade de ter espaço próprio e momentos próprios. Isso porque os tinha e não percebia. Havia momentos em que o outro saía, ia trabalhar, ou você, e isso dava um respiro. Puxa! Pensar sozinho, ter ideias próprias, discordar de si mesmo ou de si mesma. Conversar com outras pessoas era uma glória nunca antes percebida ou valorizada. E voltar para casa, para o conforto da unidade total, da harmonia plena. Um luxo!

E você? Cheio de si, orgulhoso de sua individualidade e da sua independência?

Um e outro ou outra, viventes da dialética, conviventes do contraditório enriquecedor da relação? Você já percebeu que, lá fora, a opinião do seu amor era a sua? Nunca, não é? Claro! Vocês se afinavam pelo contraste, adotavam o ponto de vista do outro, mas não o sabiam. Porque só o testavam fora de casa. Mas e agora? É quarentena e estão os dois em casa, juntinhos, confinadinhos. Onde, você que sempre pensa igual, encontrará espaço para o encontro de si mesmo? Onde, você que é um todo autônomo, encontrará o outro de você? Se viviam bem assim, certamente haviam encontrado algum equilíbrio na relação: o grudadinho, com seus nichos de individualidade; e o “eu sou mais eu”, com seu espaço de “eu sou você e não abro”.

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O conflito está instalado. E qual é o problema? Conflito é próprio do ser humano. O que não é próprio é o confronto. Então, que tal enfrentar o conflito para não ter de entrar em confronto? A crença de que somos o outro ou que somos só nós é só uma crença. E não vivemos sem crenças.

O fato é que somos seres únicos e que, em mais de 7 bilhões de habitantes que se estima que tenha o planeta, ainda não se comprovou que haja dois idênticos, nem mesmo em gêmeos univitelinos.

É o momento de se experimentar. É o momento de se reencontrar. toda pessoa precisa de outra diferente dela, embora de mesma natureza. Que bom poder perceber que se é diferente e que se pode ter semelhanças! Na prática, onde a teoria é outra, está a oportunidade de encontrar o meio-termo. Virtus in medium est, a virtude está no meio. E que bom que seja assim! E que bom chegar a isso! Nem totalmente iguais nem totalmente diferentes. Nem totalmente simétricos nem totalmente complementares.

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Nas relações, especialmente as duais e íntimas, de duas pessoas que se amam, os parceiros precisam afinar-se em conceitos e objetivos comuns para permanecerem unidos, mas ao mesmo tempo contar com alguém que os complemente, quando precisarem de ajuda ou não entenderem bem de um assunto.

Isso se expressa de maneira concreta na convivência dos casais na quarentena. Quantos casais se encontram ou se reencontram dentro de casa na quarentena? Como é bom poder amar e não ser o clone de ninguém! Como é bom poder amar sem precisar se esquivar pela tentativa de não fazer identificações! Nós precisamos do outro, sim. Nós nos identificamos com o outro, sim, em muitas situações. Mas não precisamos nem ser o outro nem não ter nada do outro. Aliás, isso seria como não ter nada com o outro. E, cá pra nós, que chato, hein, viver desse jeito? Nem na quarentena!

Ao descobrir que você não é nem totalmente o outro nem totalmente diferente do outro, você entrará no nicho do comum dos mortais e precisará fazer o que todos têm de fazer para se dar bem: exercitar a capacidade de dialogar. Capacidade de dialogar implica ter flexibilidade e não ser dono da verdade; poder escutar, além de ouvir, recebendo, atentamente, o que vem do outro; poderem, ambos, construir novas ideias e concepções sobre um tema; ter opiniões diferentes e poder tê-las, sem que isso seja percebido como ser do contra.

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E, ao mesmo tempo, não precisar falar o tempo todo. Afinal, ninguém é de ferro! Ter momentos de silêncio e de reflexão solitária, ler um livro, ouvir música, escrever, jogar no celular, fazer exercícios e sei lá mais o quê vão fazer muito bem. Este é um tempo de definições no amor e em que pode haver reflorescimento daquela florzinha que estava meio murcha ou enterro da que estava morta e insepulta.

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Este é um tempo de separações e de recasamentos em que, mais uma vez, o diálogo flexível se imporá, resultando em festa de comemoração ou em respeitosa despedida. Este é um momento propício para novas coreografias na dança da vida. E se dessa flor do amor tiverem brotado filhos, aí sim o cuidado precisará ser ainda maior. E mais. Há que ter muita autocompaixão e compaixão. E, finalmente, ter paciência, muita paciência.

É quarentena e o amor está no ar… Para se esvair com delicadeza ou para ficar mais fortalecido. Igual não ficará.

Verônica Cezar-Ferreira
(Arquivo Pessoal/Divulgação)

Verônica Cezar-Ferreira é advogada e psicóloga. Psicoterapeuta individual, de casal e de família, perita e consultora psicojurídica. Diretora de relações interdisciplinares da Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas).

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1º de julho de 2020, edição nº 2693. 

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