Cinco deslizes (e uma surpresa) do filme ‘Chatô – O Rei do Brasil’
Longa que levou vinte anos para ser concluído é uma colcha de retalhos confusa e pretensiosa, mas sem aparência de velharia
A primeira surpresa sobre Chatô – O Rei do Brasil é que, sim, ele existe. O filme, que começou a ser produzido em 1995, tem 1h40 de duração e estreia na próxima quinta (19) em São Paulo.
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O próprio diretor, Guilherme Fontes, será o responsável pela distribuição do longa. Antes da sessão para a imprensa, ele explicou sobre o estilo da fita a este repórter que ainda não sabia em qual gênero o filme se encaixava. “Drama? Comédia dramática? Biografia? Prefiro dizer que é uma ficção, e ponto”, disse.
Parece confuso? O que o público verá na tela espelha essa indefinição criativa e, claro, os percalços do projeto, indiscutivelmente o mais polêmico da história do cinema brasileiro. Chatô pode se tornar um pesadelo também para o espectador.
O resultado se mostra um misto de minissérie de época, cinema marginal dos anos 70, charge política e chanchada – com muitos acenos, claro, a Cidadão Kane, clássico de Orson Welles inspirado na vida do magnata da mídia William Hearst.
Fontes adapta o best seller homônimo de Fernando Morais com muitas liberdades e pompa: inicialmente, o orçamento era de 8 milhões de reais, mas alcançou cifras astronômicas. Em 2014, o diretor foi condenado pelo Tribunal de Contas da União a devolver 71 milhões de reais aos cofres públicos por ter usado dinheiro obtido por leis de incentivo e não ter lançado o filme. O realizador recorreu e aguarda nova decisão.
O roteiro retrata Assis Chateaubriand (1892-1968), fundador dos Diários Associados, como um “chefão” extravagante, excêntrico, dúbio, em parte visionário, em parte oportunista, e sempre pronto a usar a imprensa em benefício próprio. Marco Ricca dá ao protagonista uma interpretação acima do tom; certamente, de propósito.
A seguir, confira os cinco deslizes da adaptação (e uma surpresa), que ocupará 25 salas paulistanas:
1. As idas e vindas da narrativa deixam o espectador perdido
Guilherme Fontes optou por contar a história de maneira fragmentada, com flashes da trajetória de Chatô. Há trechos mais claros, como o que relata a infância do jornalista. Mas os primeiros dez minutos, sem eira nem beira, só serão entendidos por quem leu o livro de Fernando Morais.
2. Drama, comédia, thriller… Falta liga entre os gêneros do filme
Com elementos de drama, biografia e até thriller, o filme faz jus ao temperamento contraditório de Chatô, mas Fontes não dá conta de transformar essas partes do longa em um conjunto coeso. O diretor diz que o longa deve ser visto, no mínimo, duas vezes. Mas será que, no caso, isso é positivo?
3. E o ritmo?
A narrativa é uma montanha-russa: existem trechos acelerados (uma cena aérea com muitos efeitos especiais) e outros mais introspectivos. Sem controle do andamento do filme, Fontes leva o espectador ao tédio, principalmente na parte final. Parece uma minissérie da Globo condensada para caber em 1h40 de duração.
4. Sem contextualização
Para quem pretende entender um pouco sobre a trajetória de Chatô, a melhor maneira ainda é ler o livro de Fernando Morais: Fontes está mais interessado em mostrar uma série de impressões soltas sobre o personagem, sem o menor interesse de abrir frestas para a compreensão do espectador. Sobra pretensão, falta cacife e estilo para tanto.
5. Era para rir?
Entre um e outro trecho do longa, o diretor imagina um julgamento surreal de Chatô, com clima de chanchada. O problema é que, além de destoar do tom do filme, esses momentos servem apenas para repetir, de maneira exagerada, situações que a fita já havia retratado.
…E uma surpresa:
Tecnicamente, o filme não envelheceu
A cuidadosa recriação de época, a direção de arte competente e o bom trabalho do elenco não deixam a fita com aparência de produto datado. E o envelhecimento dos atores durante os anos de produção, surpreendentemente, não salta aos olhos da plateia. Aos curiosos, no entanto, um alerta: nada disso resolve os muitos erros de um filme problemático por natureza.