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“Precisamos de um cessar-fogo e de mais diálogo”, diz grafiteiro Mauro Neri

Inocentado por intervenção em muro cinza, artista fala da relação com policiais, arte no Grajaú e próximo passo após “Vidas Pretas Importam” na Paulista

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 16h49 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00
Mauro Neri, em pé, com diversos cartazes escritos com mensagens antiracistas e contra violência
Mauro Neri, do projeto veracidade: “Faço grafite praticamente todo dia. Uma vez por semana sou parado pela polícia” (Rogerio Pallatta/Veja SP)
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Qual foi sua reação diante da absolvição no processo em que era réu por ter lavado a tinta cinza dos muros da Avenida 23 de Maio antes ocupados por grafites?

Recebi a notícia em tom de comemoração. Fiquei meio confuso na hora, porque tenho três processos envolvendo grafite. Um, que era sobre uma intervenção no Cemitério da Consolação, fiz acordo. Esse outro, de “lavar o muro cinza”, ganhei. Agora, falta outro para recorrer, relacionado a um grafite na caixa d’água do Ibirapuera.

Como foi a abordagem nesse dia da “limpeza do muro cinza”, em 2017?

Estava com uma equipe de filmagem da Espanha que fazia uma série da Netflix com vários artistas urbanos. Como tinha muita gente branca e gringa, os policiais seguiram muito a norma. Além de limpar os muros com balde e esponja, também comecei com o spray a fazer uma nova intervenção. Foi ali que me pegaram. Até teve uma tentativa dos espanhóis de ligar para o consulado da Espanha, tentando dar uma carteirada. Algo meio sem noção.

Em outras abordagens que você passou já houve abusos?

Há vinte anos faço grafite praticamente quase todo dia. Em média, uma vez por semana sou parado pela polícia. Metade das vezes, a abordagem é respeitosa, a outra metade, não. Pelo menos uma vez por ano, sofro algum tipo de abuso. Já fui agredido com paulada, chute, tapa na cara, spray de pimenta. Além de xingamentos e empurrões.

Neri pintando cartazes junto com alunos do projeto Imargem
Na sede do Imargem, no Grajaú: educação e arte (Rogerio Pallatta/Veja SP)

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Mesmo com esse histórico de agressão o que faz você continuar?

É um serviço que precisa ser feito. Temo pela minha vida ainda mais agora que eu escrevo frases como “Não à Violência Policial”. Porém, ainda não estamos no Rio de Janeiro, então acho que tenho algum tempo até a coisa ficar mais séria. Tem uma onda de mudança positiva, muito forte, que teve o gancho do George Floyd nos Estados Unidos. Então, temos de aproveitar essa mobilização. O Nego, artista famoso na Vila Madalena, morreu neste ano assassinado por um policial. Precisamos de um cessar-fogo e de mais diálogo.

Você é parte de um grupo de artistas que tem pintado frases gigantes de cunho racial em São Paulo, como “Vidas Pretas Importam” em frente ao Masp, na Avenida Paulista. Há previsão de uma nova intervenção?

Já fizemos quatro, vamos para a quinta na Ponte Estaiada, agora no fim de dezembro. É um projeto independente, com apoio logístico da prefeitura.

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“Pelo menos uma vez por ano sofro algum abuso. Já fui agredido com paulada, chute, tapa na cara, spray de pimenta”

Você também dá aulas para adolescentes. Como é falar para eles da repressão ao grafite?

Teve uma ocasião em que chorei. Falei que era complicado incentivá-los a fazer grafite sendo que na noite anterior tinha apanhado da polícia. Reforcei que é preciso tomar cuidado, se amparar de todas as formas. Mas não podemos nos amedrontar. Quanto maior for a repressão, maior tem de ser a estratégia de resistência.

Você foi aluno do Criolo, o rapper?

Sim, ele é seis anos mais velho do que eu. No ginásio, me deu aula de educação artística. Acho que tinha, 15, 16 anos. Ele já era uma figura pública para a gente. Para mim, ele já era famoso desde aquela época.

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Como definiria a vida no Grajaú?

É morar na borda, na margem. É onde existe o conflito entre as áreas verde e urbana. Entre o acesso e o abandono do Estado. Ao mesmo tempo, a questão do pertencimento é mais forte, as pessoas são mais felizes e mais verdadeiras.

Você morou um tempo também na Aclimação. A temporada lhe trouxe outras perspectivas?

Fazendo diferentes trajetos, a gente vê o tamanho das desigualdades e da importância dada a um CEP. Fiquei os últimos dois anos fora, viajando pela Europa e pelos Estados Unidos. Existe muito mais diferença entre o Grajaú e a Vila Madalena do que entre a Vila Madalena e a Europa.

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É possível criar pontes entre essas diferentes faces de São Paulo?

Sim, isso é o mais importante. É legal passear na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, ver as vitrines, ou ir na Paulista Aberta e usufruir dos serviços culturais. Mas também é muito legal ir na Represa Billings, ver a Mata Atlântica, no Grajaú. Quero é que o Grajaú esteja no centro e o centro no Grajaú.

Como você avalia a eleição de Bruno Covas (PSDB) para a prefeitura de São Paulo?

Não votei nele, esperava uma mudança maior. Mas não me parece que seja uma má figura. Ele não retrocedeu no grafite, embora questões ligadas a outros setores tenham tido problemas. Independentemente da gestão, cabe a gente ficar atento e cobrar.

Mauro Neri com outras pessoas dentro de um ateliê. No centro, uma mesa com cartazes empilhados
Mauro Neri: cartazes contra violência (Rogerio Pallatta/Veja SP)

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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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