Célia Helena inaugura teatro com espetáculos gratuitos nos Jardins
Após completar 45 anos, teatro-escola abre as portas de espaço cênico multiúso em pleno Dia do Teatro
Abertos ao público pela primeira vez, espetáculos inéditos vão ocupar um endereço bastante familiar para várias gerações de atores em São Paulo. Com uma longa lista de ex-alunos veteranos (Mariana Ximenes, Fábio Assunção e Cassio Scapin são apenas alguns dos exemplos), a escola de teatro Célia Helena inaugura neste mês seu primeiro espaço multiúso reservado para montagens de alunos e grupos itinerantes (na Avenida São Gabriel, 444, nos Jardins).
Com capacidade para até noventa pessoas, o formato do palco foge do padrão tradicional e é conhecido no meio teatral como “caixa-preta”. “Aqui tudo pode! Dá para colocar todas as arquibancadas alinhadas ou usar só uma e ampliar o palco. É um modelo bem múltiplo”, explica Lígia Cortez, que dirige a instituição ao lado de Samir Yazbek e equipe.
Após alguns atrasos causados principalmente pela pandemia, a diretora decidiu estrear a novidade no Dia do Teatro, em 27 de março, com apresentações para convidados: a dança-performance Oração para Embalar os Vivos inicia a inauguração às 19h, seguida pelo espetáculo Hamlet: 16 x 8, interpretado por Rogério Bandeira.
Nos cinco domingos de abril, a agenda especial passa a receber o público geral com o musical Noel, dirigido por Marco Antonio Rodrigues, e com o solo Macacos, montagem dirigida e protagonizada por Clayton Nascimento. Todos os ingressos serão gratuitos e podem ser retirados no local com uma hora de antecedência.
“Será um teatro experimental com criações de ex-alunos, além de peças infantis”, resume. Para terminar o projeto, o grupo contou com o apoio de parceiros privados e recursos da Lei Rouanet, mas a escola ainda é mantida pelas mensalidades, sem patrocínios, segundo Lígia. Os cerca de 600 alunos, sem contar as turmas infantis, pagam 2 698 reais mensais, mas há um programa de bolsas, concedidas após análise, a afrodescendentes, pardos, indígenas ou a pessoas portadoras de deficiência.
Antes de migrar para a região dos Jardins, em 1997, o centro de artes e educação se consolidou em um prédio menor na Liberdade. “Minhas primeiras memórias vêm de lá, na antiga fábrica de carimbos escolhida por Ruy Ohtake, que assinou o projeto arquitetônico. Inauguramos em 1977 com um show de Maria Bethânia e só depois disso comecei a fazer teatro.”
Filha dos atores Célia Camargo e Raul Cortez, Lígia relutou em seguir os passos dos pais. “Estudei biologia e psicologia antes de experimentar esse universo. Pensava que seria algo muito individualista, mas isso foi antes de descobrir que essa arte é na verdade uma forma essencial de comunicação”, acredita. “O que me atraiu foram as muitas possibilidades de dar sentido à existência coletiva.”
Com cursos voltados para todas as idades, de técnicos a mestrados, o senso coletivo também permeia a estrutura das aulas e a sua maneira de trabalhar junto com os coordenadores e a equipe composta de cerca de 120 pessoas.
“Somos uma escola criada com base no teatro de grupo, pois minha mãe era dessa geração, então procuro manter o espírito de colaboração”, diz. “Cada aluno tem uma personalidade, mas todos precisam questionar o motivo de assumir certos personagens, por que é importante fazê-los de certa maneira e como podem contribuir com a sociedade. Isso é uma postura política nossa e uma responsabilidade com o amanhã.”
“Para mim, esse foi um espaço que me abraçou e se tornou parte inalienável da minha rotina. Acaba virando sua segunda casa”, conta Bernardo Bibancos, que passou treze anos no Célia Helena. “Os meus dois anos e meio de estudos pareceram quase cinco, de tão intensos”, relembra o ator Dalton Vigh. “E guardo um sentimento de gratidão, pois na época eu vivia uma situação financeira péssima. Fui conversar para ver se tinham algum serviço para pagar as mensalidades e a resposta da Lígia foi: ‘Vai fazendo e depois a gente acerta’.”
A união entre alunos e professores era especialmente necessária para os formandos que conciliavam a rotina com outros trabalhos, ensaios ou primeiros papéis conquistados no teatro e na televisão.
“Quando escolhiseguir essa carreira, ainda era professor de inglês, dava aulas de capoeira e era até barman à noite”, diverte-se Rafael Losso, que hoje interpreta o personagem Gil na novela Travessia, da Globo. “E eu, antes das artes cênicas, já dedicava tempo às bandas de rock, que continuam sendo uma paixão”, completa Eriberto Leão, formado no Célia Helena em 1992.
“O ‘CH’ sempre teve um trânsito de pessoas diversas e de idades diferentes, o que era encantador”, descreve Lu Lopes, criadora da personagem Palhaça Rubra. “Uma das minhas amigas tinha acabado de ter neném e lembro que nos ajudávamos muito para todos poderem se formar. Era um comprometimento com uma profissão até então desvalorizada.”
Para Lígia, a busca pela diversidade e cooperação será um dos objetivos pelos próximos anos. “O espaço novo era um sonho bem antigo e poder ver nossos atores ao vivo novamente é extremamente emocionante. Meu sonho agora é incorporar uma riqueza de culturas e vozes do Brasil nos palcos e fazer com que elas sejam vistas por cada vez mais pessoas.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 22 de março de 2023, edição nº 2833
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