“Quero um CCSP com indígenas, pretos e trans”, diz Rodolfo Beltrão
Diretor mais jovem a assumir o CCSP, paulistano de origem indígena fala sobre reformas, mudanças na programação e políticas de diversidade
Com recém-completados 35 anos, Rodolfo Beltrão é o diretor-geral mais jovem a assumir o Centro Cultural São Paulo (CCSP), um dos maiores equipamentos da Secretaria Municipal de Cultura, famoso pela fachada que se tornou um dos marcos da Avenida 23 de Maio, no Paraíso.
Paulistano de origem indígena, ele foi promovido dentro do próprio CCSP, onde trabalha desde 2019, ao contrário dos antecessores Leandro Lehart (do grupo de pagode Art Popular) e Erika Palomino (jornalista). Aluno de gestão pública na Fundação Getulio Vargas, estudou também teatro e hotelaria e atuou em produção de moda. No cargo desde fevereiro, terá um orçamento de 17 milhões de reais em 2023.
No espaço de 46 500 metros quadrados, o gabinete do diretor tem paredes de vidros e é aberto para o jardim interno. A decoração minimalista agora inclui um cartaz com a reprodução da obra Brasil Terra Indígena, de Denilson Baniwa.
Como você chegou ao Centro Cultural São Paulo?
Cheguei em 2019, convidado pela (então diretora) Erika Palomino, que conheço desde 2014, para ser assessor dela. Logo identifiquei que as curadorias estavam sem supervisão. Passei a ser uma espécie de ponte entre elas e as outras áreas do CCSP. Queria entender o funcionamento da máquina.
Como é sua relação com a secretária municipal de Cultura, Aline Torres?
É ótima, temos uma relação próxima. Ela é uma secretária atenta, desde que estou aqui me dá total atenção e apoio. Não conversamos diariamente, mas, sempre que preciso falar com ela, está disponível.
Houve uma mudança significativa na programação do CCSP desde o início de 2023, com mais shows de artistas contemporâneos como Brisa Flow, Zudizilla, Alice Caymmi e Maria Gadú. Como isso foi decidido?
Existem reuniões com as curadorias toda terça-feira, às 11 horas. Isso é o ideal, porque às vezes está corrido e não consigo. Às vezes existe um tema macro (sugerido) pela agenda da secretaria, e nós respondemos com a nossa programação, a nossa cara. A programação é uma construção coletiva, e meu sonho é que seja cada vez mais assim. Trabalho de maneira transversal.
Você é o primeiro diretor de origem indígena no CCSP. Isso será refletido na programação?
Vou incluir isso na programação, mas não porque é minha origem. Acredito que isso é um assunto importante e que precisa ser tratado de uma vez por todas.
De que maneira o CCSP atua para garantir diversidade na equipe?
A política de diversidade é adotada em todo o organograma, sobretudo nos cargos de liderança. Há diálogo direto com todos os servidores e prestadores de serviço, sobre essa política ser indispensável aqui. São 162 servidores vindos de todas as regiões, as trocas são profundas. A programação que temos apresentado é um reflexo disso.
A última direção, de Leandro Lehart, prometia trazer o gênero do samba para dentro do CCSP. Como será feita a curadoria de música?
Quem está à frente da curadoria é a Kátia Bocchi, ao lado da assistente Beatriz Natália. Sobre a programação, me interessa tudo, não vou nichar no samba ou em qualquer outro ritmo e fazer um discurso populista com isso. O CCSP é de todo mundo, não só do samba ou do rock. Acho que, mais do que eu, é preciso escutar o que as pessoas querem ver e ouvir no CCSP. Quero que todo mundo saiba que pode vir aqui para ver coisas legais e interessantes.
Quantas pessoas circulam pelo espaço mensalmente?
O número de janeiro é 64 692, enquanto fevereiro chegou a 94 346.
Qual a faixa etária do público?
Quero implementar uma pesquisa em que os visitantes respondam, por meio de um QR code, questões como a idade, de onde vieram e qual a finalidade da visita. Assim vamos conhecer melhor o público.
Tem algum projeto programado para 2023 que você possa adiantar?
No momento, vamos participar do Festival Mário de Andrade. Da mesma forma, a gente pensa em fazer outras atividades com os equipamentos da secretaria.
Em agosto, um par de óculos de Itamar Assumpção foi roubado da exposição Afro Brasileiro Puro. Vão fazer alguma coisa para melhorar a segurança do espaço?
Sim, a gente melhorou a segurança. Aumentamos o número de vigilantes e o processo para instalação de câmeras está para sair. Em 2022, eram 24 seguranças por dia, hoje aumentamos para trinta. Vale lembrar que fizemos uma ação conjunta, com a instituição do Itamar, para recuperar os óculos.
Como você quer que a atual gestão seja lembrada?
Não quero que seja personalizada na minha pessoa, acho um pouco cafona. Ficaria feliz se a gente entregasse para o CCSP e para a cidade coisas definitivas. Quero fazer reformas e cuidados com o espaço, um local emblemático para a cidade. Quero que o CCSP seja um local de indígenas, pretos e pessoas trans, para que isso se torne normal e comum de uma vez por todas.
Quais reformas estruturais estão planejando no CCSP?
Estamos pensando em continuar a reforma e pintura das fachadas, por exemplo. A entrada principal já foi feita. Também pensamos na reforma das vigas de dilatação do prédio, que são as da 23 de Maio, porque o prédio tem quarenta anos e precisa disso. Igualmente existem reformas de elétrica e do telhado da sala Tarsila do Amaral.
Onde se inspira no tempo livre?
Busco inspiração aqui mesmo. Sempre venho ao CCSP, até no horário livre. O que tem me inspirado é ver rostos novos nas programações, sobretudo de pessoas racializadas. Estou achando isso tudo tão legal.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de abril de 2023, edição nº 2836
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