Felipe Hirsch, sobre novo espetáculo: “A Avenida Paulista virou a minha vida”

Vinte anos após 'Avenida Dropsie', o diretor carioca estreia peça sobre a via mais famosa da cidade, que ainda vai se desdobrar em disco com canções inéditas

Por Tomás Novaes
13 fev 2025, 12h30
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Hirsch, em cruzamento da Paulista: rua é protagonista da peça (Roberto Setton/Veja SP)
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No olhar e nos ouvidos atentos do diretor Felipe Hirsch, 52, as antenas dos arranha-céus na Avenida Paulista captam de tudo — até comunicações extraterrestres —, e, no chão, transita um mundo inteiro de protagonistas anônimos.

Esse caleidoscópio humano que ferve na via mais famosa da capital é tema do novo espetáculo assinado por Hirsch: Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso, que estreia neste sábado (15), no Teatro do Sesi-SP, e fica em cartaz até 29 de junho, com ingressos gratuitos.

A peça nasce de duas efemérides: os sessenta anos daquele palco, abrigado no Centro Cultural Fiesp, e os vinte anos de Avenida Dropsie (2005), peça dirigida por Hirsch e apresentada no mesmo local, inspirada na obra do artista gráfico americano Will Eisner (1917-2005).

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O diretor, no Teatro do Sesi-SP: cenário recria o Conjunto Nacional (Roberto Setton/Veja SP)

A trajetória do encenador carioca faz esquina com a personagem-título do novo trabalho, afinal, há exatas duas décadas, ele mora a apenas uma quadra da via. “A Paulista virou a minha vida. Tenho um filho de 5 anos, busco ele na escola e voltamos no final da tarde olhando para aqueles escritórios acesos — para mim, é o mais bonito da paisagem”, diz ele, que, com a equipe de criação do espetáculo, visitou semanalmente a avenida, filmando, fotografando e gravando sons e imagens, colecionando histórias e personagens reais.

O resultado está inserido na encenação e na dramaturgia da peça, assinada com Caetano Galindo, Guilherme Gontijo Flores e Juuar. “Aos domingos, uma cidade de 20 milhões de habitantes migra para a Paulista. Gente da Zona Norte, Sul, Leste, Oeste. É um dos maiores exercícios democráticos deste país”, afirma Hirsch, que é testemunha de como a principal artéria da cidade mudou nas últimas décadas.

“Desde que cheguei em São Paulo, presenciei uma mudança radical da Paulista. Os institutos culturais começaram a aportar aqui — o IMS, o Sesc, a Japan House. Você tem hoje um corredor de espaços muito influentes na cultura brasileira”, descreve.

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Cenas dos ensaios: direção de Felipe Hirsch e codireção de Juuar (Helena Wolfenson/Divulgação)

O diretor foi criado entre Rio de Janeiro e Curitiba e iniciou sua trilha artística com a Sutil Companhia, fundada por ele e pelo ator Guilherme Weber, em 1993.

Ao longo das décadas seguintes, dirigiu espetáculos como A Vida É Cheia de Som e Fúria (2000), O Avarento (2006) — a última peça de Paulo Autran (1922- 2007) — e Viver Sem Tempos Mortos (2009), em que Fernanda Montenegro interpreta Simone de Beauvoir (1908-1986).

“Felipe Hirsch é um maravilhoso desafiador-criador cênico. Vivi com ele uma experiência plena quando da encenação, com sua assinatura — fato que nos une para sempre como uma referência emocionante de realização vocacionada. Encontro inesquecível”, escreve a grande atriz sobre o diretor, que, em 2013, fundou a companhia Ultralíricos, mantendo a longa parceria com nomes como a cenógrafa Daniela Thomas e o iluminador Beto Bruel.

“O jeito que eu trabalhava na Sutil era mais individualista, mais jovem, o tipo de ensaio era mais tradicional, baseado na repetição. Isso me exauriu, era insuportável. Eu não me divertia, me levava a sério demais”, confessa.

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O derradeiro projeto do grupo mais recente foi o polêmico Agora Tudo Era Tão Velho: Fantasmagoria IV (2024). “Você imagina, de 2013 a 2024, tudo que o Brasil viveu, isso foi a Ultralíricos, um reflexo das ruas no palco. Nunca quis ser panfletário. Era um teatro brechtiano (provocador), muito influenciado pelo que acontecia politicamente no país”, explica ele, que trata Avenida Paulista como um “projeto especial”.

Na mente de Hirsch, o teatro caminha de mãos dadas com a literatura e a música. Um dos curadores das duas primeiras edições do C6 Fest, festival que revive o legado do Free Jazz em São Paulo desde 2023, o diretor reúne nesse novo espetáculo compositores que nasceram ou vivem na Pauliceia.

Na trilha, canções inéditas de Alzira E, Arnaldo Antunes, DJ K, Jéssica Caitano, Juçara Marçal, Kiko Dinucci, Maria Beraldo, o projeto Maria Esmeralda, Maurício Pereira, Negro Leo, Nuno Ramos, Rodrigo Campos, Rodrigo Ogi, Romulo Fróes e Tulipa Ruiz.

“Reunir essas pessoas é o fato mais importante desse trabalho. Estamos vivendo um momento muito inspirado da música em São Paulo. Uso como marco o disco A Mulher do Fim do Mundo (2015), da Elza Soares — a partir dali você vê que existe um coletivo de artistas da música na cidade”, explica.

“Aos domingos, uma cidade de 20 milhões de habitantes migra para a Paulista. Gente da Zona Norte, Sul, Leste, Oeste. É um dos maiores exercícios democráticos deste país”

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O repertório será lançado em disco, em março, com arranjos de Maria Beraldo, diretora musical da peça. “O Felipe é um ouvinte pesquisador de música. Nos espetáculos dele, é uma energia de criação que conduz o caminho emocional das cenas”, descreve a artista, que também assina duas músicas da trilha.

Cada canção explora um dos infinitos ângulos do logradouro assentado em quase 3 quilômetros no coração da cidade. “É um mosaico de São Paulo. Reparo no cenário, porque a Paulista é grandiosa, mas também nos detalhes, nas pequenas histórias escondidas ali”, diz Maurício Pereira, que assina três músicas.

Tulipa Ruiz compôs duas faixas. “Minha mãe morava e trabalhava perto, e foi no Conjunto Nacional que contou para meu pai que estava grávida de mim”, conta a cantora. Para Juçara Marçal, autora de quatro composições, aquele também é um lugar de memórias. “A avenida está no meu imaginário como lugar de festa e solidão. É um turbilhão, São Paulo encapsulada, veia que pulsa”, diz.

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O cenário: direção de arte e cenografia de Daniela Thomas e Felipe Tassara (Helena Wolfenson/Divulgação)

No palco, o Conjunto Nacional é recriado como cenário, com direção de arte assinada por Daniela Thomas e Felipe Tassara. “A gente brinca com três planos: a via em frente ao edifício, o espaço interno dos apartamentos e o horizonte urbano, no fundo”, diz Juuar, que responde pela codireção.

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Para qualquer um que já passou pelas diferentes esquinas da Avenida Paulista, com tantas histórias acumuladas, é possível supor que existe uma alma em seu asfalto.

Parece ser esse um dos pontos centrais da peça: captar essa essência atemporal, reunindo referências desde o século passado até a atualidade, como a recente proibição das caixas de som na via. “Na sua convivência democrática, existe a repressão, por parte às vezes das guardas, da polícia militar ou da prefeitura. As caixas de som que a gente coloca no espetáculo são um statement contra a ideia de que não pode ter shows na avenida”, diz Hirsch.

Além da estreia, o diretor tem outros projetos em andamento, como o filme Angicos, no qual o ator Wagner Moura interpreta o educador Paulo Freire (1921-1997), e a nova antologia da obra do escritor Dalton Trevisan (1925-2024), organizada por ele e Caetano Galindo.

Sobre o futuro, Hirsch não é de manter pretensões grandiosas, mas guarda um desejo. “Quero que, daqui a vinte anos, alguém esteja cantarolando essas músicas. É um musical brasileiro com uma geração inacreditável de compositores.” Que seja inesquecível — a cidade merece. ■

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A Paulista de Hirsch: os lugares preferidos do diretor na avenida mais famosa da cidade (Veja SP/Veja SP)
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Teatro do Sesi-SP. Centro Cultural Fiesp. Avenida Paulista, 1313, ☎ 3528-2000. Qui. a sáb., 20h. Dom., 19h. Grátis. Até 29/6.

Publicado em VEJA São Paulo de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931

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