Teatro da Cia. Pessoal do Faroeste atrai espectadores para Cracolândia
Sede do grupo, hoje com dois espetáculos em cartaz, encoraja paulistanos a visitarem a região central
Inaugurada em 1999, a Sala São Paulo transformou-se em um templo da música erudita em meio à degradada região da Luz. O Museu da Língua Portuguesa, a Pinacoteca e o Sesc Bom Retiro também colaboram hoje para encorajar paulistanos e turistas a frequentar a área conhecida como Cracolândia. À sombra desses monumentos da cultura funciona a Sede Luz do Faroeste, um teatro comandado pelo grupo Cia. Pessoal do Faroeste, na Rua do Triunfo.
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Com dois espetáculos em cartaz — um terceiro, Cine Camaleão, a Boca do Lixo, protagonizado pela atriz Mel Lisboa, encerrou temporada há duas semanas —, o sobrado de dois pisos traz uma programação efervescente, e não é raro ver seus cerca de setenta lugares tomados. Entre outros motivos, pelo fato de que o público paga quanto quer pela entrada. Além de peças, shows, debates e filmes ocupam o local de terça a domingo, com horários que variam das 17 horas às 21h30. Poucos espectadores aparecem sozinhos. Eles formam grupos em nome da segurança. Quem chega de táxi percebe a resistência dos motoristas, que não aguardam o passageiro com o carro parado.
Fundador da trupe, o dramaturgo e diretor Paulo Faria diz que levou as produções de propósito para o pedaço em 2006. “Trata-se, claro, de um lugar indigesto, mas fazer arte é um ato político e, aqui, vivemos uma realidade que precisa ser encarada”, acredita ele, morador de uma quitinete a poucos metros do teatro. “Nunca presenciei um ato violento e sei de apenas um espectador que, vindo do metrô, foi forçado a entregar o celular.” A câmera de vigilância da sede, o único aparato ostensivo de segurança por ali, não funciona há tempos e serve apenas para inibir algum criminoso.
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Boa parte dos integrantes se engajou na trupe com o mesmo espírito de fazer o que eles consideram ser uma ocupação cultural da Cracolândia. Encantada com o projeto, a atriz Mel Lisboa integrou-se ao Faroeste em 2011 e até deixou a comédia Mulheres Alteradas, que continua em cartaz e leva atualmente 500 pessoas por sessão ao Teatro Gazeta, na Avenida Paulista. “Nunca entenderia o que acontece no centro se não estivesse aqui”, diz a atriz, que, em maio, estreia Homem Não Entra, montagem que tratará da prostituição nos anos 50. Quando está participando das produções no local, ela sofre praticamente todo dia a abordagemde um dependente ou morador de rua. “Há pouco tempo, um homem colocou a cara na portada sede e pediu dinheiro para um sanduíche. Entregamos um lanche, que, depois de uma mordida, ele jogou fora”, conta.
Entre 2006 e 2011, a primeira Sede Luz do Faroeste funcionou a 1 quilômetro dali, na Alameda Cleveland. O proprietário do prédio da Rua do Triunfo, um comerciante da região, nem exigiu fiador. Bastou ouvir o nome de Mel para que aprovasse o contrato de 7.000 reais mensais, firmado em janeiro do ano passado. O aluguel da sede, eventuais reformas e a produção das peças são mantidos basicamente com recursos do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, ou seja, com dinheiro público. Em dez anos, o Pessoal do Faroeste foi contemplado seis vezes com recursos do Erário e, no mais recente benefício, o grupo levantou 500 mil reais para um período de catorze meses. Cada um dos trinta integrantes — dos artistas aos técnicos — recebe um salário mensal de 1.600 reais. Não há preocupação com a bilheteria. As atrações não fixam ingresso. Um envelope é entregue aos presentes na plateia, e cada um contribui com quanto quiser no fim. “A maioria paga 2 reais, mas já tivemos 50 e 100 reais, um cheque de 300 reais e até cédulas de 50 euros”, garante Faria.
Outra companhia da capital, Os Satyros, realizou um projeto semelhante na Praça Roosevelt. Em 2000, ela fundou por lá seu teatro. O sucesso da empreitada teve um efeito colateral, ajudando a valorizar a área, na época também degradada. Com isso, o preço do aluguel das duas salas que ocupava subiu de 7.500 para 12.000 reais por mês. Agora, o grupo procura nova sede, entre a Praça da Sé e a Liberdade. “O Faria realiza um belo trabalho na Cracolândia”, diz o ator Ivam Cabral, um dos fundadores dos Satyros. Parte da vizinhança já sente o efeito. A lanchonete Amarelinho, na esquina da Rua do Triunfo com a General Osório, viu crescer a venda de bebidas e lanches para o público das peças.“ Há dez anos, quase fechamos por medo do comércio de drogas”, conta Ronilce Matos, proprietária do estabelecimento. “Com a chegada do Pessoal do Faroeste, encontramos um parceiro para lutar ao nosso lado para mudar esse panorama.”
De Belém para a Luz
Diretor, dramaturgo e ator, Paulo Faria nasceu em Belém (PA) há 47 anos e vive desde 1990 em São Paulo. Estudou letras e literatura brasileira na USP, trabalhou no Teatro Faap e foi produtor de elenco de cinema. Em 19 de janeiro de 1998, data oficial da fundação do grupo, estreou o espetáculo Um Certo Faroeste Caboclo, a primeira das catorze montagens da companhia. Eles também já trataram da história daquele que é considerado o primeiro serial killer brasileiro em Os Crimes do Preto Amaral (2006) e dos reflexos da II Guerra entre os paulistanos em Labirinto Reencarnado (2008).