Andy Warhol ganha ampla retrospectiva com mais de 600 trabalhos na Faap
Exposição sobre expoente da pop art, que abre no dia 1° de maio, é a maior realizada fora dos Estados Unidos

Viver em sociedade no século XXI é ser bombardeado por imagens a todo momento. Estímulos visuais viraram algo natural da vida digital e analógica. Um dos primeiros visionários a prever, entender e operar nesse universo foi Andy Warhol (1928-1987).
Há 60 anos, o americano prenunciou o início de uma nova era, da repetição e saturação imagética, quando criou uma série de serigrafias sobre a sopa Campbell. A obra, que o consagrou como grande expoente da Pop Art, poderá ser vista ao vivo, ao lado de muitas outras, em uma megaexposição na capital paulista nos próximos meses.
Andy Warhol: Pop Art! abre no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (MAB Faap) em 1° de maio e vai até 30 de junho com um extenso panorama da obra do artista. Com mais de 600 trabalhos trazidos do The Andy Warhol Museum, em Pittsburgh (EUA), trata-se da maior mostra sobre Warhol já realizada fora dos Estados Unidos.

Serão apresentadas 234 obras físicas (pinturas, gravuras, esculturas e objetos), quatro obras comissionadas, 350 polaroids, 42 filmes e cinco programas de televisão. É a chance de olhar de pertinho trabalhos inéditos no país e que raramente saem do museu do artista.
“O público poderá encontrar no mesmo lugar tudo aquilo que é icônico do Warhol e descobrir outras frentes de atuação”, comenta Paulo Bonfá, cofundador do Instituto Totex, organizador da exposição. “Fizemos um recorte multifacetado, com moda, música e cinema, para além da experimentação no meio artístico.” A proposta é analisar a extensão da produção em uma retrospectiva sem ordem cronológica.

“Queremos transpor para o público uma ideia que permeia sua obra, mas nem sempre é evidenciada, de um artista que atua colaborativamente e coletivamente. Porque grande parte do que a gente vê legitimado da produção do Warhol é uma construção calcada na ideia de genialidade”, diz Priscyla Gomes, que dividiu a curadoria com Amber Morgan, diretora de coleções do The Andy Warhol Museum.
Andrew Warhola Jr. nasceu em 6 de agosto de 1928, em Pittsburgh, em uma família de imigrantes da Eslováquia. Desde a juventude, apresentou interesse pela arte e ganhou prêmios em concursos escolares. Quando chegou a horar de entrar na faculdade, ingressou no curso de design no Instituto de Tecnologia Carnegie.

Obteve o diploma em 1949 e logo depois mudou-se para Nova York para seguir carreira como artista comercial. Nos anos 1950, tornou-se um dos ilustradores mais bem-sucedidos da época, com trabalhos no meio publicitário, para veículos de mídia como The New York Times, Vogue, NBC e New Yorker e marcas como Tiffany & Co. e Columbia Records. Boa parte das obras produzidas por ele tinha como base fotografias, técnica que usou até o fim da vida.
A atuação como artista comercial continuou por toda a carreira, mas na década seguinte ele passou a se dedicar às artes plásticas e ganhou notoriedade pela participação no movimento da Pop Art, nascente na época. Warhol chegou a criar pinturas com base em quadrinhos e garrafas de Coca-Cola, com as técnicas de reprodução de imagem, mas foi só em 1962 que atingiu o estrelato com a sopa Campbell.

Ao entrar no MAB Faap, na sala da direita, o público encontra alguns dos chamados ícones do artista, obras feitas a partir de imagens de tabloides de Elvis Presley e Marilyn Monroe, bem como outras celebridades, como Jackie Kennedy.
A sala mostra, também, como ele quebra com a ideia do que é considerado arte, ao alçar imagens tidas como banais à categoria na época, como com as Campbell’s soup cans (latas de Sopa Campbell) e as Brillo Boxes (Caixas Brillo). “Nesse momento, ele começa a vestir uma personalidade específica, porque ele entende que a ideia de mercantilização também é a mercantilização do artista”, conta Priscyla.
Outro destaque é o núcleo focado em sua relação com a moda, com desenhos de sapatos e acessórios do início de sua carreira e a vitrine original da loja Dior, de 1957, em Nova York – em uma época que artistas tinham vergonha de assinar obras comissionadas como essa, Warhol assumiu sua autoria. A vitrine foi trazida ao Brasil com os frascos originais dos perfumes dispostos em seu interior.

Na sala da esquerda, o núcleo “Popismo” mostra como Warhol extrapola o uso de imagens preexistentes e passa a criar suas próprias, a partir de fotografias tiradas por ele de outros ícones da cultura pop. Na série Atletas, comissionada para retratar os principais esportistas do século, Pelé ocupa as lentes do fotógrafo.
“Na primeira sala, a gente focou na construção mítica do Warhol. Na segunda, a gente vai se amparar na Factory, o estúdio-ateliê dele, que na verdade ocupou quatro diferentes edifícios ao longo do tempo e foi um espaço de criação emblemático para, principalmente, o desenvolvimento dessa figura multifacetada, que atua como editor, pintor, diretor de cinema e empresário”, adianta a curadora.
O público consegue ter um vislumbre da Factory a partir de fotos do espaço, além da instalação Silver Clouds — com travesseiros de prata flutuantes, com os quais o visitante poderá entrar em contato. Originalmente, ela foi construída no primeiro prédio que sediou o ateliê, chamado de Silver Factory — nome oportuno para o lugar que teve todas as suas paredes forradas com papel alumínio por um de seus principais colaboradores, o fotógrafo Billy Name.

O local de reunião de artistas da cena underground nova-iorquina, naturalmente favorecendo a experimentação artística, era também local de festas e de uso de drogas. Dentro daquele espaço, a posição de Warhol era dúbia. “Ele tinha um poder de agenciamento, obviamente. Mas também tinha uma capacidade de escuta”, diz a curadora.
Ao entrar nessa sala expositiva, não se engane, o papel de parede em amarelo estampado com vacas roxas é uma versão de uma obra de Warhol. “A obra é um papel de parede!”, exclama Pryscila. O mesmo que ocupa a entrada do MoMA, em Nova York. “Ele é impresso em um material que já nem se usa mais, mas eles os mantêm, e é impresso em uma fábrica que ninguém sabe qual é. Não é o papel de parede dos dias de hoje”, revela Roberto Souza Leão, cofundador do Totex, junto de Bonfá.
Outros destaques incluem a exibição de 42 filmes, entre eles Chelsea Girl, sobre o dia a dia na Factory, e Blow Job, em que Warhol filma o rosto de um homem durante o sexo oral, bem como um documentário, inédito no Brasil, dele em estúdio com o Velvet Underground, banda da qual foi produtor musical, além de mais de 25 de seus screen tests, com nomes como Salvador Dalí e Lou Reed. “As pessoas sentavam diante da câmera e ao longo de três minutos ele pedia para elas não piscarem”, descreve Priscyla.

Uma das raridades exibidas na sala é sua releitura do quadro A Última Ceia, de Leonardo da Vinci. Ela deixou as paredes do Warhol Museum apenas uma vez, e chega ao Brasil de maneira inédita. No quadro, feito um ano antes de sua morte, Warhol desconstrói a obra-prima de Da Vinci ao misturar a imagem de Jesus Cristo com elementos de uma iconografia gay, para comentar sobre a epidemia da Aids nos Estados Unidos.
Trazer esse montante de obras não foi tarefa fácil. O processo, desde o “primeiro flerte” antes do acordo, durou três anos e contou com longas conversas de Paulo e Roberto com o Warhol Museum, além de visitas a outros pontos de Pittsburgh, como a igreja que Andy frequentava quando criança. “Era uma igreja católica bizantina, com uma explosão de cores que salta aos olhos e se refletiu no trabalho dele. Ele ia à igreja, às vezes, cinco vezes por semana”, conta Roberto.
Oitenta e cinco foi o número de obras sugerido inicialmente pelo Andy Warhol Museum, com curadoria apenas de Amber, mas a dupla insistiu em um olhar brasileiro trazido por Priscyla. “A gente foi trazendo para ela uma série de outros temas que eram necessários e poderiam complementar o olhar do público brasileiro”. As tratativas resultaram no transporte de cerca de 7,5% do acervo do museu americano para o MAB Faap — hoje, o Warhol Museum preserva mais de 8 000 peças.
O transporte das obras durou uma semana, seguido de duas outras de montagem. “Pela norma, não se transporta mais do que 100 milhões de dólares num único voo. E mesmo que não atinjam esse valor, elas não podem ir concentradas em um só lugar, para não correr risco”, explica Roberto.
“Se a gente fosse negociar essa exposição esse ano, possivelmente não conseguiríamos trazer. Por causa do momento do Trump. Ele quer ditar a forma como os Estados Unidos são vistos fora. Mesmo o Warhol Museum sendo parte da Carnegie Foundation, que é uma instituição privada, ele está dificultando cada vez mais as liberações de fluição”, diz Roberto.
O Totex repete a parceria de sucesso com o MAB Faap vista no Desafio Salvador Dalí, em 2024. Com Andy Warhol: Pop Art!, o museu reafirma a intenção de continuar sediando grandes exposições internacionais, diz o diretor.

“Trazer toda essa produção para hoje significa pensar não apenas nos 15 minutos ou os 15 segundos do TikTok, do Instagram, mas significa pensar como, já naquele momento, ele traz questionamentos sobre a relação da arte com o consumo e do consumo da arte”, afirma Moraes, em referência à icônica frase de Warhol: “No futuro, todos serão mundialmente famosos por 15 minutos”, que não poderia descrever melhor os tempos atuais, de nanoinfluenciadores, com audiências e públicos nichados.
“Ele tinha um trabalho precursor e uma visão profética com relação ao que ia acontecer”, comenta o artista goiano Marcelo Amorim, que se inspira — junto de inúmeros outros — no americano. Outro hábito do artista era se fotografar junto de celebridades, que é “muito o que acontece hoje”. “Muitas frases eram provocações, mas se ele visse o que está acontecendo agora ia aproveitar bastante, ia usar até inteligência artificial”, comenta.
Ao longo da vida, Warhol não foi isento de críticas e teve diferentes tipos de recepção. Passada a celebração nos anos 1960, “houve um esgotamento dessa imagem”, como explica Amorim. “Chegou a um ponto de jovens artistas acharem que ele era vendido”, analisa.

Essa perspectiva artística mais comercial foi alavancada após um momento crucial na sua vida. Warhol passou por uma virada na carreira depois de sofrer um atentado a tiros por Valerie Solanis, do grupo Society for Cutting Up Men, em 1968, que o deixou com várias sequelas. “Sempre falam que artista tem que morrer para ser famoso, e infelizmente isso tem fundo de verdade. Ele morreu por alguns segundos, passou por operação e, depois disso, iniciou uma nova etapa da Factory, mais profissional, de business”, comenta Amorim. Porém, o artista observa que Warhol sempre teve um ponto de vista muito claro sobre o que estava fazendo, e “o saldo é positivo”.
Warhol morreu em 1987, aos 58 anos, em decorrência de complicações de uma cirurgia na vesícula biliar. Após a morte, seus trabalhos se tornaram muito mais caros, a ponto de se tornar, em 2022, a segunda pintura mais cara vendida na história de um leilão, um quadro com o rosto de Marilyn Monroe, por 195 milhões de dólares. “Warhol não vai sair de moda nunca”, aposta Roberto.
Publicado em VEJA São Paulo de 23 de abril de 2025, edição nº 2941