“Acham que ela é minha mãe, mas não nos importamos”
André Rocha conheceu a namorada, Lucy Matsutani, no Tinder em 2013; ele tem 25 anos, e ela, 62. Depois da pandemia, os dois planejam se casar na praia
“Conheci a Lucy, em 2013, pelo Tinder. Era um adolescente de 17 anos, estava no meu segundo contato com o aplicativo e minha idade constava errada ali, 36 anos talvez. A foto dela apareceu — e a idade também. Achei a Lucy bonita, com um sorrisão, mas só tinha uma imagem. E a diferença: 37 anos! Sempre me relacionei com mulheres da minha idade, mas mandei um coração e… bola pra frente. No dia seguinte, ela perguntou o que eu estava fazendo no Tinder. E eu respondi: “Procurando você”. Pedi o número do seu celular e passamos a nos falar por WhatsApp.
Foram quase dois anos de conversas, espaçadas em dias e semanas. Marcamos encontros e ela me deu o cano duas vezes, sempre cancelando um dia antes. Dizia que não confiava em mim e que eu poderia ser um internauta maluco. Eu também cancelei uns três encontros porque nem sequer sabia o sobrenome dela e ficava com um pé atrás. Mas nossos bate-papos fluíam muito bem: sobre músicas, filmes, viagens internacionais que eu fazia, o dia a dia dela, anseios e desejos. Dois anos depois, marcamos um jantar num restaurante. O primeiro abraço durou uns três minutos, estávamos perfumados e bem-vestidos. Conversamos por horas e, ao ir embora, acabei beijando-a. Foram vários encontros, sempre despretensiosos, cada dia em um restaurante, praça, hotel e bar diferentes. Na época, eu trabalhava no ramo imobiliário e fazia faculdade. E descobri que ela trabalhava na feira livre com sua mãe, Lurdinha, vendendo caldo de cana.
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A partir daí, passamos a falar mais dos nossos familiares e amigos, viajamos juntos e a pedi em namoro. Ela aceitou, com uma certa resistência, já que nossas famílias não sabiam de nada. Aos poucos, fui contando à minha mãe e disse que estava namorando uma mulher mais velha. “Mais velha quanto, André?”, ela perguntou. “Mais velha que você”, respondi. Até hoje, meus familiares não sabem a idade dela (e espero que não leiam isso, risos). Fomos muito bem-aceitos por ambas as famílias, mas comentários paralelos, com certeza, existiram, sobretudo de que o relacionamento não iria dar certo. Para meus amigos, a aceitação foi bem difícil. Havia comentários que misturavam imaturidade com maldade e, por isso, me decepcionei com grande parte deles. Meu pai questionou, mas, sinceramente, a aceitação que eu sempre quis era da minha mãe e dos meus irmãos — e a deles nós tivemos! Do outro lado, sempre fui muito querido pelos amigos e familiares da Lucy.
As pessoas que não nos conhecem acham que ela é minha mãe, mas nunca nos importamos com o que os outros pensam. De lá para cá, fomos para Nova York, que era o sonho dela e a presenteei com a viagem, e estivemos com nossas famílias no litoral. Depois de um ano de namoro, nós nos demos conta de que minhas coisas estavam mais na casa dela do que na minha — e passamos a morar juntos. Atravessamos fases tristes. Primeiro, quando o pai dela faleceu, dois anos atrás. E, agora na pandemia, a mãe morreu de câncer. Sempre estive ao seu lado em todos os momentos. Eu ia ao médico com minha sogra e meu sogro, acompanhei as cirurgias, dormi em hospitais. Fiz tudo o que pude, e faria tudo de novo.
Estamos numa nova fase: a casa, onde a mãe dela também morava, vai passar por uma reforma para deixar com a nossa cara. Filhos estão nos planos também. Deixei claro, desde o início do relacionamento, que queria adotar. Ela já foi casada, mas nunca teve vontade de ser mãe. Mas já disse que, por mim, adotaria uma criança. Depois que passar a pandemia, temos planos de casar numa praia e viajar com as famílias para a Disney.
A diferença de idade traz alguns ruídos na relação, mas sempre damos um jeito. Eu amo sair para beber e dançar com meu pai, irmãos e amigos. Lucy não vai e confia em mim. Se ela quiser sair com as amigas, não vejo problema. Eu confio nela. Na nossa vida, ciúme bobo não existe.”
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703.