Les Bains, balada dos anos 80 de Paris, se transforma em hotel
A casa noturna, que teve David Bowie e Grace Jones como habitués, renasce como hotel cinco estrelas
Manequim favorita de Azzedine Alaïa e de Jean-Paul Gaultier, além de atual embaixadora da maison Schiaparelli, Farida Khelfa não estava empolgada para o jantar que a Dior daria no dia 6 de março para comemorar seu desfile de inverno 2015. A franco-argelina de 55 anos não tinha nada pessoal contra a marca francesa. O seu problema eram as lembranças trazidas pelo lugar onde iria acontecer o evento: a lendária boate Les Bains Douches, ou simplesmente Les Bains, uma espécie de versão europeia do nova-iorquino Studio 54 na qual Farida foi musa e anfitriã antes de ter seu rosto estampado em revistas de moda.
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Em uma noite qualquer dos anos 80 até o início dos 90, tempos áureos da discoteca, viam-se David Bowie e Iman jantando numa mesa ao lado de Thierry Mugler e Gaultier enquanto Grace Jones fervia na pista, Carla Bruni e Naomi Campbell fofocavam num canto e Jack Nicholson dava um mergulho na piscina. A festa da Dior marcou o début deste ícone parisiense como hotel cinco estrelas, transformação que deixou mais de um habitué do antigo “inferninho” com o pé atrás.
Quando finalmente voltou ao número 7 da Rue du Bourg-l’Abbé, no bairro do Les Halles, a ex-modelo se surpreendeu: a escultura do rosto do deus Baco ainda pairava sobre a arcada da fachada haussmaniana; o hall de entrada, que virara lobby do hotel, permanecia intacto; e a porta continuava sob controle de Marie-Line, hostess conhecida pelo bordão “Hoje à noite não vai dar!”, para barrar festeiros anônimos e célebres, entre eles Karl Lagerfeld e Catherine Deneuve.
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À direita de quem entra, o antigo vestiário do clube virou um salão exclusivo para hóspedes. Não foi fácil tirar as camadas de nicotina grudadas nas molduras de bambu e nos vitrais em motivo chinês desse cômodo que data de 1885. Nessa época, o local funcionava como um estabelecimento termal frequentado pela boemia e pela burguesia da virada do século — o escritor Marcel Proust sempre era visto tomando um banho turco por lá. “Conservamos o que pudemos do prédio original, que estava bastante destruído”, explica Jean-Pierre Marois, produtor de cinema e instigador do recente projeto de transformação da balada em hotel.
Em 2010, Hubert Boukobza, o último administrador da boate e notório alcoólatra e cocainômano, botou abaixo duas paredes importantes, pondo em risco todo o prédio. Herdeiro do imóvel comprado pelo pai nos anos 60, Marois se viu incumbido de salvar a propriedade. Decidiu transformá-la num hotel com pegada artística, tal qual o Château Marmont, em Los Angeles.
Os 39 quartos, com diárias a partir de 294 euros, possuem som Marshall, biblioteca recheada de livros de Karen Blixen e Oscar Wilde e decoração que inclui cópias do sofá da Factory, de Andy Warhol, antigo frequentador do Les Bains. A estampa floral do carpete de todos os andares é a mesma da residência de Serge Gainsbourg, outro habitué da velha casa noturna. “O maior desafio foi passar longe da nostalgia e do pastiche”, conta Marois.
O restaurante, antigamente apertadinho num meio-andar, desceu para o térreo junto com o bar e é visível da entrada. Vencedor do Oscar de arquitetura francesa com a nova sede-ateliê da Hermès, o escritório Denis Montel/RDAI assina a decoração que impacta os olhos: os muros, tetos e pilares de laca bordô dão a sensação de que pingam do teto como gotas d’água.
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O caminho em direção ao bar revela outra solução moderna para lembrar do passado: o chão em damier preto e branco de mosaico ganha tesselas prateadas que causam a ilusão ótica de molhado. “Tive a impressão de estar nos anos 80 e fazer uma viagem ao futuro”, elogia Roman Polanski, cineasta que foi um dos clientes mais fiéis do Les Bains (ele filmou Busca Frenética, com Harrison Ford, lá). O jovem chef Michaël Riss, com passagens por cozinhas três-estrelas, assina o cardápio.
No subsolo, a boate decorada na década de 80 pelo então iniciante Philippe Starck perdeu em espaço (menos de 100 pessoas hoje cabemno lugar). A aura, porém, permanece: um mosaico de azulejos pretos continua revestindo a sala que já recebeu shows de Depeche Mode, Prince e a única aparição de Joy Division na França, em dezembro de 1979. A piscina e o banho turco mudaram de lugar, mas foram reproduzidos tal qual os de 1885. Marie-Line mantém-se controlando o mix de pessoas que entram. Desde a reabertura, em março passado, Farida já voltou três vezes.